Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:02/03/2009
Processo:04545/08
Nº Processo/TAF:00006/05.3BELLE
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:LICENCIAMENTO DE CONSTRUÇÃO.
ESTUDO DE CONJUNTO.
REGULAMENTO ADMINISTRATIVO.
COMPETÊNCIA DA ASSEMBLEIA MUNICIPAL
PEDERES VINCULADOS.
VIOLAÇÃO DO PLANO DIRECTOR MUNICIPAL.
Data do Acordão:05/07/2009
Texto Integral:Parecer do Ministério Público ao abrigo do nº1 do artº 146º do CPTA

Vem o presente recurso jurisdicional interposto pela Interfarus-Urbanizações e Construções, Lda, da sentença que considerou improcedente a acção administrativa especial que propôs contra o Município de Faro, com vista à anulação do despacho de 4-9-04, do Presidente da Câmara Municipal de Faro, que indeferiu o pedido de licenciamento do projecto de arquitectura dum edifício com os blocos A,B,C,D e E, a construir pela Autora na Avenida 5 de Outubro e na Praceta Pedro Nunes, em Faro, por violação do PDM.

Segundo a sentença recorrida, a deliberação de 10/11/1998, da CMF, que aprovou o “Estudo de Conjunto de Um Quarteirão da Avenida 5 de Outubro” (adiante “Estudo de Conjunto”), tem a natureza de regulamento administrativo e, por via disso, considerou necessária a sua aprovação pela assembleia municipal, no âmbito da competência prevista no artigo 53.º alínea a) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, o que não aconteceu.
Por outro lado, conforme se refere na sentença, o projecto da Autora viola o PDMF, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 174/95, de 19-12, nomeadamente quanto à cércea aí prevista, já que nos blocos A,B e C é de 31 metros e a dominante é de 26 metros, sendo nos blocos D e E de 26 metros quando a dominante é de 10 metros.
Considerou, ainda, que não foram violados os princípios constitucionais da boa –fé da legalidade e do dever de fundamentação por parte da Administração.

Não se conformou, porém, a ora Recorrente, alegando, essencialmente o seguinte:

A- A sentença deveria ter dado por provados os seguintes factos:

- A provação do “Estudo de Conjunto” teve a sua génese e fundamentação legal no disposto no n.º 6 do artigo 50.º do Regulamento do Plano Director Municipal de Faro;
- A elaboração do “Estudo de Conjunto” resultou da colaboração estabelecida, mediante protocolo, entre o Município de Faro e diversos particulares, incluindo a Autora;
- À data da aprovação do “Estudo de Conjunto” já existiam edifícios com 16, 15, 12 e 11 pisos na Av.ª 5 de Outubro;
- A Recorrente comprou ao Município de Faro as seguintes parcelas de terreno:
a) Parcela de terreno destinada a construção urbana, com a área de 182 m2, através da escritura pública outorgada perante o Notário Privativo desta autarquia, em 28/12/2001, pelo preço de PTE. 22 217 760$00, isto é, o correspondente a € 110 821,72 (cento e dez mil, oitocentos e vinte um euros, setenta e dois cêntimos);
b) Parcela de terreno, destinada a construção urbana, com a área de 785,50 m2, através de escritura pública outorgada perante o Notário Privativo desta autarquia, em 10/05/1989, pelo preço de PTE. 18 666 670$00, isto é, o correspondente a € 93 108,96 (noventa e três mil, cento e oito euros, noventa e seis cêntimos);
c) Parcela de terreno, destinada a construção urbana, com a área de 279,30 m2, através de escritura pública outorgada perante o Notário Privativo desta autarquia, em 10/05/1989, pelo preço de PTE. 5 149 380$00, isto é, o correspondente a € 25 685,00 (vinte cinco mil, seiscentos e oitenta cinco euros);
- Estas vendas foram antecedidas de avaliações efectuadas pelos serviços técnicos da Câmara Municipal de Faro, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
- Para efeito destas avaliações foi considerada a capacidade de construir nas parcelas, edifícios com 10 pisos, incluindo 2 recuados, ou com 8 pisos dos quais 2 recuados;
- Os sectores previstos no projecto de arquitectura serão implantados, em parte, nas parcelas de terreno adquiridas pela Autora ao Município de Faro, conforme descrito nos artigos 6.º a 8.º supra;
- O “Estudo de Conjunto” inclui a área onde se pretende implantar o edifício objecto do pedido de licenciamento a que se referem os artigos anteriores;
- As cérceas previstas no projecto de arquitectura apresentado coincidem e respeitam os limites estabelecidos nesse “Estudo de Conjunto”, isto é, 7 e 8 pisos à face e 2 pisos recuados na frente confinante com a Av.ª 5 de Outubro, e 6 pisos à face e 2 pisos recuados na frente confinante com a Praceta Pedro Nunes.

2- Mais alega que tratando-se, o referido “Estudo de Conjunto”, de um acto administrativo, não era exigível a respectiva aprovação pela Assembleia Municipal, nos termos do artigo 53.º alínea a) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.
Segundo este, a validade e eficácia do “Estudo de Conjunto” depende apenas da sua aprovação pela Câmara Municipal, conforme o expressamente previsto no artigo 50.º n.º 6 do Regulamento do PDM de Faro. Assim, o “Estudo de Conjunto” é plenamente válido e eficaz e, nessa medida, deve ser aplicado ao projecto de arquitectura controvertido.
Por último, refere que esta situação tem-lhe vindo a causar avultados prejuízos que estima acima dos € 5 000 000,00 (cinco milhões de euros), emergentes da impossibilidade de proceder à rentabilização do investimento efectuado nos terrenos em causa, vendidos pela própria Autarquia, pelo que esta terá que indemnizá-la em virtude de ter fixado o valor dos mesmos com base numa capacidade edificativa superior àquela que agora admite em sede de licenciamento.
No fundo, é como se o “Estudo de Conjunto” tivesse servido um propósito especulativo para o Recorrido aumentar o valor dos terrenos vendidos à ora Recorrente e, posteriormente, sido posto de lado em sede de licenciamento. Isto, não obstante outros projectos de arquitectura para a mesma área, terem sido anteriormente aprovados com base naquele.

3- E, finalmente, defende que o acto administrativo – na parte respeitante à suposta inaplicabilidade do “Estudo de Conjunto” – viola os princípios da legalidade, da boa-fé e o dever de fundamentação, previstos nos artigos 3.º, 6.º-A e 124.º do Código do Procedimento Administrativo.

Contra-alegou o Município de Faro, defendendo a manutenção do julgado.

E quanto a nós com todo o acerto.

Assim, seguindo de perto a argumentação explanada na sentença, bem como nas contra-alegações do Município Recorrido, oferece-nos referir o seguinte:

Quanto à questão invocada no nº1, da falta de fixação na sentença de factos contidos no processo instrutor que considera relevantes para a resolução do litígio, afigura-se-nos que a mesma não procede.

E isto porque, considerando a sentença que não era aplicável o Estudo de Conjunto, nem era de conhecer os princípios constitucionais alegadamente violados, os factos supra referidos seriam irrelevantes dentro da perspectiva assumida pela sentença e tendo em vista o sentido que imprimiu à decisão na mesma contida.
Assim, só no caso de este tribunal de recurso vir a revogar a sentença é que eventualmente teriam interesse para a nova decisão a tomar, os citados factos.

Improcede, assim, este vício assacado à sentença recorrida.

Quanto à questão invocada no nº2, importa, antes de mais, aferir se o citado Estudo de Conjunto é um Regulamento, ou um acto administrativo constitutivo de direitos.

Temos para nós que esse Estudo de Conjunto é, claramente, um acto regulamentar já que tal como se refere na informação de 31-8-04, “define somente critérios de orientação técnica, não vinculativos, os quais poderão ser aplicados como enquadramento de intervenções concretas e consoante a estratégia de orientação urbanística julgada adequada”.

De facto, o referido Estudo, nenhuma alteração produz na esfera jurídica da Recorrente, nem decide atribuir-lhe qualquer direito ou interesse juridicamente tutelado, o qual só decorreria caso o pedido de licenciamento fosse aprovado.

Nestes termos, para ter a possibilidade de alterar o PDM, teria que ter sido pedido parecer às entidades competentes e, nomeadamente, à comissão de coordenação regional, devendo ser submetido à apreciação da assembleia municipal, nos termos estipulados no nº6 do artº 50º do RPDM.

Mas ainda que tivessem sido seguidas as referidas tramitações, o citado Regulamento seria ilegal por contrário ao estabelecido no DL nº 69/90, de 2-3.

Com efeito, de acordo com o disposto no art. 68°, n° 1 alínea a), do DL 555/99, de 16/12, "São nulas as licenças ou autorizações previstas no presente diploma que violem o disposto no plano director municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licenças de autorização de loteamento em vigor".

Ora, violando o licenciamento em análise o PDM de Faro, bem como as Medidas Preventivas aprovadas pela Assembleia Municipal, na sua sessão de 19 de Setembro de 2003, para este troço da Avenida, no que se refere ao numero de pisos aí previsto, se o mesmo tivesse sido aprovado era nulo e de nenhum efeito (cfr acórdão do STA de 19-10-06, in procº nº 0652/06).

Nestes termos, o acto impugnado não poderia senão indeferir o pedido de licenciamento em apreciação.

Quanto à questão invocada no nº3, tal como refere a douta sentença recorrida, os princípios constitucionais considerados violados, só assumem relevo no que respeita à actividade da Administração Pública, nos casos em que ela não está vinculada a um determinado comportamento, pelo que a sua violação só pode ocorrer no execício de poderes não violados ou discricionários.

De facto, vindo concretamente fixada, no PDM de Faro, o número de andares permitidos para a zona onde se pretende levar a cabo a construção do prédio em análise, a CMF está vinculada a não licenciar prédios cujo número de andares excedam os previstos naquele instrumento de planeamento urbanístico.

Quanto à invocada falta de fundamentação do acto impugnado, decidiu igualmente com acerto a douta sentença recorrida uma vez que, tendo este acto sido proferido sobre a informação de 31-8-04, do Departamento de Apoio Jurídico e Contencioso, apropriou-se dos respectivos fundamentos bem como do sentido da decisão aí proposto, e ainda dos fundamentos do projecto de decisão de indeferimento notificado à Recorrente ao abrigo do artº 100º do CPA (cfr, doc de fls 21-22).

De facto, o projecto de indeferimento contém os seguintes fundamentos:
a) A Assembleia Municipal, na sua sessão de 19 de Setembro de 2003, ter aprovado o estabelecimento de “Medidas Preventivas” para este troço da Avenida;
b) O “Estudo de Conjunto dos Quarteirões da Avenida 5 de Outubro” aprovado pela Câmara Municipal de Faro não dever ser considerado em virtude do estabelecimento das referidas “Medidas Preventivas”;
c) A cércea projectada ser superior à cércea predominante, isto é, 26 m ou 7 pisos à face, violando assim o disposto no n.º 6 do artigo 50.º do Regulamento do PDM de Faro (Processo instrutor).

Nestes termos, estes fundamentos constituem também fundamentos do acto impugnado, pelo que improcede o vício de falta de fundamentação invocado.

Afigura-se-nos, pois, pelo que vem exposto, que a douta sentença recorrida não merece a censura que lhe vem assacada nas alegações de recurso jurisdicional, motivo pelo qual emitimos parecer no sentido da improcedência deste com a consequente maanutenção da sentença recorrida.