Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo | |
| Contencioso: | Administrativo |
| Data: | 12/07/2006 |
| Processo: | 02158/06 |
| Nº Processo/TAF: | 00000/00/0 |
| Sub-Secção: | 2º. Juízo |
| Magistrado: | Artur Barros |
| Descritores: | DIREITOS FUNDAMENTAIS AUDIÊNCIA DO INTERESSADO |
| Data do Acordão: | 06/28/2007 |
| Disponível na JTCA: | NÃO |
| Texto Integral: | Intervenção do MºPº, ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 1, do CPTA É objecto do presente recurso a sentença que julgou procedente a excepção da caducidade da acção administrativa especial de anulação com fundamento na extemporaneidade da impugnação do acto administrativo respectivo. Sustenta o Recorrente que imputara, ao acto impugnado, vício - violação do conteúdo essencial do direito fundamental de audiência do interessado - determinante de nulidade, nos termos da al. d) do nº 2 do artigo 133º do CPA, sendo, por isso, impugnável a todo o tempo, pelo que a sentença violou o artigo 100º do CPA e a 2ª parte do nº 4 do artigo 267º da Constituição. Nos termos do nº 5 do artigo 267º da Constituição, “O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.” A propósito da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes digam respeito, estabelece o CPA, designadamente no artigo 100º, nº 1: “Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.” Nas palavras de Vieira de Andrade(1), os direitos fundamentais podem definir-se como sendo os que «conferem posições jurídicas subjectivas individuais e permanentes, com a finalidade principal de proteger a liberdade e a dignidade das pessoas». Segundo o mesmo autor(2), “[...] não deve alargar-se a ideia de uma presunção a favor da dimensão subjectiva – que deve valer apenas na medida em que represente o predomínio natural do direito subjectivo na matéria dos direitos fundamentais – ao ponto de pretender subordinar à lógica dos direitos fundamentais toda a actividade pública. Aquilo que se pode designar como «o fascínio dos direitos fundamentais» transporta por vezes alguma doutrina e também alguma jurisprudência para um «jusfundamentalismo» em que as preocupações de equilíbrio próprias de uma abordagem científico-prática cedem a uma «emocionalidade jurídica». De acordo com Gomes Canotilho e Vital Moreira(3), o critério material para determinar quais direitos são fundamentais depende do seu grau de importância sob o ponto de vista dos valores constitucionais da liberdade, democracia e socialização, entre eles necessariamente os que a própria Constituição considera como tais. E neles releva essencialmente a dimensão objectiva (os preceitos constitucionais que os tutelam – art. 18º, nº 3) , sem “contudo abstrair do facto de se tratar sempre de direitos fundamentais com sujeito”(4). “A conformação da relação jurídico-administrativa envolve, por definição, ponderação de interesses públicos e de interesses dos administrados. Os portadores destes últimos não poderão ser mantidos de fora do procedimento, sob pena de se tornarem em meros objectos do poder, entidades inaptas para participar em relações jurídicas bilaterais com os titulares do poder, súbditos, em vez de cidadãos”(5). . “A participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações administrativas que lhes disserem respeito assume fundamentalmente duas formas em função da natureza dos efeitos de direito por ela produzidos: participação co-constitutiva e participação dialógica”(6). . Mas, mesmo fora do contrato administrativo, onde a vontade do particular tem, em conjugação com a vontade da Administração, um papel gerador da constituição, modificação e extinção de uma situação jurídico-administrativa, “a circunstância de a exclusiva autoria do acto final do procedimento caber à Administração não impede o estabelecimento de formas de intervenção do particular que lhe reservem a possibilidade do exercício de uma legítima influência sobre o sentido da decisão.”(7) Trata-se, contudo, de formalidade cuja omissão, em princípio, não compromete direitos fundamentais, pois “sendo em si mesma um direito instrumental ou formal, com vista à defesa de outros de conteúdo material, não é de considerar como direito fundamental, salvo se em concreto serve a defesa de um direito desta natureza, o que não está adquirido nos autos.”(8) Para Freitas do Amaral, referindo-se ao artigo 133º, nº 2, al. d) do CPA, “ a expressão direitos fundamentais só abrange, neste artigo, os direitos, liberdades e garantias e direitos de natureza análoga, excluindo os direitos económicos, sociais e culturais que não tenham tal natureza”(9). No mesmo sentido se pronunciam Santos Botelho et alii(10) Segundo Pedro Machete(11), o nº 1 do artigo 267º da Constituição não consagra um direito fndamental de participação, mas um princípio estruturante sobre o processamento da actividade administrativa. E, a propósito do direito de audição do contribuinte, escreve: «(…) a participação procedimental não consubstancia em primeira linha um meio de protecção jurídica frente a ameaças definitivas, mas antes uma colaboração constitutiva da determinação do próprio interesse público concreto. O que está em causa é fundamentalmente garantir a objectividade do procedimento, designadamente através de uma mais objectiva representação do interesse público, e não tanto a garantia dos interesses individuais perante a administração»(12). Conclui que essa participação não constitui um direito fundamental, mas só «um direito subjectivo legal-procedimental»(13). Também a jurisprudência do STA tem considerado que a preterição do direito de audiência prévia apenas constitui vício gerador de nulidade do acto nos casos de procedimentos sancionatórios, ou naqueles em que sejam praticados actos lesivos de direitos fundamentais - cfr. os acórdãos de 15.02.94(14), de 09.03.95, de 21.03.95, de 6.05.99, de 12.10.99, de 17.05.2001 (Pleno da Secção)(15) e de 18.01.2006 (2ª Secção)(16), nos processos nºs. 34824, 35846, 32515, 39825, 44503, 40860 e 901/05, respectivamente. Nesta linha, também me parece que a omissão da audiência do interessado não determina, no caso em apreço, por não afectar o conteúdo essencial de um direito fundamental, a nulidade do acto a que respeita, nos termos da al. d) do nº 2 do artigo 133º do CPA, podendo apenas gerar mera anulabilidade, já sanada. Consequentemente, deve manter-se a decisão recorrida, improcedendo o recurso, segundo me parece. _______ (1) Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976,pág. 87. (2) Os Direitos Fundamentais no Século XXI, em www.us.es/cidc/Ponencias/ fundamentales (3) Constituição da República Portuguesa anotada, 2ª ed., pág. 116 (4) ibidem, pág. 153. (5) Cfr. Sérvulo Correia, O direito à informação e os direitos de participação dos particulares no procedimento e, em especial, na formação da decisão administrativa, in, “Legislação”, “Cadernos da Ciência da Legislação”, ed. INA, nº 9/10, Janeiro de 1994, págs. 133 e segs. (6) idem, pág. 147 (7) idem, págs. 148 a 150. (8) Cfr. Ac. do STA, de 26.09.2002, proc.0360/02, onde estava em causa o direito à fundamentação dos actos. (9) Curso de Direito Administrativo, II, Almedina, pág. 412, citando em nota, no mesmo sentido, Marcelo Rebelo de Sousa e Filipa Calvão. (10) Código do Procedimento Administrativo, 4ª ed., Almedina, pág. 133. (11) A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, pág. 512. (12) A Audição Prévia do Contribuinte, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 310: (13) Idem, pág. 331. (14) “A preterição da audiên cia do interessado prevista no art. 100, n. 1, do Cód. de Proc. Administrativo não pode ser causa de nulidade do respectivo acto administrativo conforme o disposto no art. 133, n. 2, alínea d) e f), daquele Código, podendo apenas inquiná-lo de anulabilidade.” (15) “III - O direito de audiência prévia, embora não tendo consagração na CRP como um direito fundamental de participação (…)” (16) “II - O direito de audiência prévia não é um direito fundamental cuja preterição acarrete, em geral, a nulidade do acto.” |