Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:09/27/2012
Processo:09213/12
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO.
CONTRATO DE CONCESSÃO DE AJUDAS COMUNITÁRIAS.
CLÁUSULA DETERMINANTE DO FORO E COMARCA DE LISBOA.
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO CONVENCIONADO.
Texto Integral:Procº nº 09213/12

2º Juízo – 1ª Secção

Acção Administrativa Especial

Parecer do MP

Vem o presente recurso jurisdicional interposto pela Autora da sentença que decretou a incompetência territorial do TAC de Lisboa, considerando competente o TAF de Mirandela para apreciar e decidir a acção administrativa especial por si proposta contra o IFAP – I nstituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, com vista à anulação do despacho consubstanciado no ofício de 9-04-2010, do Vogal do Conselho Directivo daquele Instituto, que procedeu à modificação unilateral do contrato de atribuição de ajudas ao abrigo do Regulamento (CEE) 2080/92 – projecto nº 1994210041896 e determinou a restituição do montante de € 27.698,66 correspondente a parte do valor das ajudas pagas à ora A.

Segundo a douta sentença recorrida, seria o TAF de Mirandela o competente por a sede da Autora se situar em Bragança, de acordo com a regra geral do artº16º do CPTA, uma vez que está em causa neste processo a impugnação de um acto administrativo destacável e não uma acção sobre contratos, caso em que seria aplicável a excepção do artº 19º do CPTA.

Igualmente por estar em causa um acto administrativo, considerou a sentença recorrida que era irrelevante a cláusula do contrato que estabeleceu como tribunal competente para todas as questões emergentes do contrato ou da sua execução, o foro cível da comarca de Lisboa.

Assim não entende a Aura, ora recorrente, alegando essencialmente que pela cláusula estipulada, bem como pela regra estabelecida no artº 19º do CPTA, o tribunal competente será o TAC de Lisboa.

E afigura-se-nos que terá razão.

O artº 16º do CPTA estabelece a regra geral seguinte:

“Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes … os processos em primeira instância são intentados no tribunal da residência habitual ou da sede do autor ou da maioria dos autores”.

Estipula, por sua vez o artº 19º sob a epígrafe “ competência em matéria relativa a contratos”, que “as pretensões relativas a contratos são deduzidas no tribunal convencionado ou, na falta de convenção, no tribunal do lugar do cumprimento do contrato”.

Da letra deste dispositivo legal, referindo-se a “pretensões relativas a contratos” decorre que o legislador não fez qualquer distinção entre pretensões relativas a contratos sob a prática de actos administrativos ou de outra natureza.

Isto do mesmo modo que os processos relacionados com bens imóveis ou direitos a eles pertencentes são intentados no tribunal da situação dos bens, conforme determina o artº 17º do CPTA, independentemente de estar em causa ou não a impugnação de actos administrativos.

Assim, salvo o devido respeito, parece-nos manifesto que se aplica ao caso vertente a regra especial contida no artº 19º do CPTA ( cfr, neste sentido, o acórdão deste TCAS de 13-1-2009, procº nº 02731/08).

Porém, atendendo a que ficou convencionado que seria competente para dirimir os litígios decorrentes do contrato, o foro cível da comarca de Lisboa, importa aferir qual a vontade efectiva das partes ao estabelecer esta cláusula, quando a questão não é da competência do foro cível mas do foro administrativo.

Será que quiseram estabelecer esta cláusula só para o caso de ser o foro cível o competente ou não previram a possibilidade de a questões que se suscitassem fossem da competência dos tribunais administrativos ?

Quanto a nós foi intenção das partes contratantes estabelecer os tribunais da comarca de Lisboa como os competentes para dirimir todos os litígios, atendendo à área geográfica em que se insere e não a qualquer outro factor.

A corroborar esta interpretação está o facto da entidade demandada não ter invocado a incompetência do TAC de Lisboa, nem ter contra-alegado neste recurso jurisdicional.

Este entendimento parece decorrer do acórdão deste TCAS de 19-10-2006, in procº nº 01806/06,( ao dissociar na citada cláusula a parte referente ao foro competente da da comarca competente) citado pela recorrente, o qual se transcreve parcialmente a seguir.

“Também ao contrário do que defende a Entidade Recorrida é possível dissociar aqui duas cláusulas sobre o tribunal competente para dirimir os litígios emergentes deste contrato.

Uma cláusula sobre a competência em razão da matéria, na qual as partes escolheram o foro cível. Outra sobre a competência territorial, na qual as partes escolheram a comarca de Lisboa.

Com efeito as partes poderiam ter escolhido qualquer outro tribunal do foro cível. A opção por Lisboa é uma opção que tem a ver com o âmbito territorial e não com o tipo de jurisdição.

No que diz respeito à escolha do foro civil, uma vez que se trata de competência em razão da matéria e esta é de ordem pública, não excepcionada, a convenção é nula – art.ºs 1 e 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, art.º 100º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e art.ºs 280º, n.ºs 1 e 2, e 294º do Código Civil.

Já no que respeita à escolha da área territorial de Lisboa, a convecção é válida – art.º 19º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Em obediência ao princípio do aproveitamento dos actos, incluindo os negociais, a nulidade parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada – art.º 292º do Código Civil.

Existe, portanto, aqui um ónus da prova que no caso concreto não cabia claramente à Recorrente (pois esta pretende o aproveitamento da cláusula) e que não foi cumprido: a prova de que o contrato em causa não teria sido celebrado se as partes tivessem previsto a possibilidade de serem resolvidos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa os litígios dele emergentes.”

Mas tal como decidiu este acórdão, ainda que se entendesse não poder ser aproveitada esta parte da cláusula em apreço, sempre seria o TAC de Lisboa o tribunal territorialmente competente para apreciar o litígio, por aplicação do artº 22º do CPTA, uma vez que o lugar de cumprimento do contrato por banda do IFADAP era Lisboa, local onde foram atribuídos os subsídios, mas por banda da ora Recorrente o local de cumprimento era Bragança, local onde os subsídios foram aplicados

Refere o aludido acórdão sobre esta questão:

“As ajudas concedidas ao abrigo deste contrato deveriam ser pagas pelo IFADAP através de transferência bancária para uma conta de dependência bancária sita na Av. Da Boavista, no Porto – ver cláusula 5ª, a fls. 14 dos presentes autos. Ou seja, o lugar de cumprimento do contrato por banda do IFADAP era o Porto.

Mas por banda da ora Recorrente o local de cumprimento era Esmolfe, em Penalva do Castelo, lugar onde foram levados a cabo os investimentos subsidiados pelos fundos concedidos pelo IFADAP.

O Porto e Penalva do Castelo pretendem, respectivamente, às áreas de jurisdição do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e de Viseu mapa anexo ao Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29.12.

Tornar-se-ia, assim, impossível determinar a competência territorial tendo em conta o lugar de cumprimento do contrato, pois este tem conexão simultânea com dois lugares pertencentes a jurisdições territoriais distintas.

Na impossibilidade de determinar a competência territorial de acordo com a regra estabelecida no art.º 19º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, também por esta via seria competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa para apreciar o pleito, face ao estipulado, supletivamente, no art.º 22º do mesmo diploma.”

Parece-nos, pois, atendendo ao exposto, que o tribunal competente para apreciar e decidir este processo será o TAC de lisboa pelo que emitimos parecer no sentido da procedência do presente recurso jurisdicional com a consequente revogação da sentença.


A Procuradora Geral Adjunta

Maria Antónia Soares