Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:01/30/2014
Processo:10011/13
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2º JUÍZO - 1ª SECÇÃO
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:CONTRA-ALEGAÇÕES DE RECURSO DE REVISTA.
OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE PORTUGUESA.
PRÁTICA DE CRIMES PUNÍVEIS COM PENA MÁXIMA SUPERIOR A TRÊS ANOS.
CONDENAÇÕES NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO DO REINO UNIDO.
PODER VINCULADO E PODER DISCRIMINATIVO.
Texto Integral:Procº nº 10011/13
2º Juízo-1ª Secção

Acção Administrativa Especial

Recurso de revista

Contra-alegações do MP


Venerandos Juízes Conselheiros do

Supremo Tribunal Administrativo


A magistrada do MP junto deste Tribunal Central Administrativo, vem, em defesa da legalidade, na acção supra referenciada, de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, proposta pelo M.P. contra N..., apresentar as suas contra-alegações, ao abrigo do nº1 do artº 145º do CPTA e com os seguintes fundamentos:

I - Da admissibilidade do recurso

O presente recurso de revista vem interposto pelo demandado do acórdão do TCAS que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo M.P. da sentença proferida no TAC de Lisboa, revogou a sentença que considerou improcedente a acção, e determinou a sua procedência dando como verificado o pressuposto contido na alínea b) do nº2 do artº 56º do Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14-12, da prática de crime punível em abstracto com pena máxima superior a três anos segundo a lei portuguesa.

Conforme se encontra documentado nos autos o recorrente cometeu, em Inglaterra, em 2001 e 2008, delitos contra a integridade física, em 2007 fraude e em 2009 furto, p.p.p. no código penal português nos arts 143º nº1, 256º e 203º nº1 - aos quais corresponde, em Portugal, uma pena superior a três anos.

Trata-se, portanto, de aferir se, neste caso específico, existe fundamento, ou não, para o recorrente adquirir a nacionalidade portuguesa.

Estamos assim, perante uma situação concreta dificilmente transponível para outros casos.

Por outro lado, estamos perante uma questão pouco complexa, quer de facto, quer de direito, uma vez que não exige complexas interpretações legislativas ou diversas consultas de doutrina e jurisprudência.

E finalmente, não se verifica erro ostensivo no acórdão recorrido, que mereça a reapreciação desse Alto Tribunal para uma melhor aplicação do direito, como se irá demonstrar.

No sentido da não admissibilidade do recurso com estes fundamentos, se pronunciou o STA no douto acórdão de 9-5-2012, in recº nº 0412/12.

Nestes termos, salvo melhor opinião, não deverá ser admitido o presente recurso de revista.

Para o caso de assim se não entender,

II - Do mérito do recurso de revista:

Não formulando qualquer conclusão relativa à admissibilidade do recurso de revista, o recorrente começa por imputar nas conclusões das suas alegações, ao acórdão recorrido, a nulidade por omissão de pronúncia na medida em que, alegadamente não apreciou a questão, por si suscitada, “da falta de enquadramento pelo Ministério Público dos crimes cometidos no Reino Unido, no ordenamento jurídico português”, pois só dessa forma poderia apurar que aos mesmos corresponde pena igual ou superior a três anos.

Porém, tal omissão não se verifica, pois o acórdão recorrido refere textualmente:

“Ora, atenta a matéria fáctica provada, com referência aos documentos constantes de fls 61 ss do processo, é evidente que se provou que o estrangeiro interessado já cometeu crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos segundo a lei portuguesa…”, dando como exemplo o crime de furto P-P-P- artº 203º do CP Português.

Verifica-se, assim, que o julgador considerou que estavam enquadrados, os citados crimes, na lei portuguesa, pelo que ficou prejudicada a apreciação qua tale da questão da falta de enquadramento.

Mas ainda que tal omissão ocorresse, nem por isso a decisão sobre esta questão procederia.

De facto, como o próprio recorrente reconhece, o autor, para propor a presente acção, baseia-se na participação, pela Conservatória dos Registos Centrais de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição ao pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos do nº7 do artº 57º do DL nº 237-A/2006, de 14-12.

Ora, como o próprio recorrente também reconhece, no despacho daquela entidade, em que o autor se baseou para elaborar a petição, os crimes praticados pelo recorrente no Reino Unido vêm aí descritos, bem como enquadrados na lei penal portuguesa, aí se referindo que os crimes praticados naquele país em que o recorrente foi condenado e cumpriu pena, correspondem aos crimes previstos nos artºs 143º 144º, 203, 204 e 256º no Código Penal Português e todos punidos com pena máxima de três anos ( cfr artºs 6º e 7º da sua contestação e alínea J) da factualidade assente).

Parece-nos, pois, que dúvidas não restam de que se o demandado tivesse praticado os crimes por que foi punido no Reino Unido em Portugal, teria sido penalizado com a pena máxima até três anos.

Tal como se refere no douto acórdão recorrido, “o tribunal a quo errou na aplicação da lei aos factos provados, ao optar pela referência vaga e infundada, ao facto indemonstrado de que os crimes não coincidiram com os do nosso CP”

Com efeito, a questão de saber se tais crimes coincidem ou não com os crimes previstos na legislação portuguesa é uma questão de direito, de conhecimento oficioso pelo que, caso houvesse dúvidas, a mesma deveria ter sido analisada e decidida com base na indagação sobre se a asserção e afirmação referidas pelo MP e pelo CRC de que aos crimes praticados pelo recorrente correspondia pena máxima de três anos no ordenamento jurídico português, era ou não verdadeira.

Deste modo, caso esse Supremo Tribunal considere de apreciar tal questão, de acordo com os poderes que detém para o efeito, a mesma deverá improceder.

Outra questão suscitada pelo recorrente, é a de saber se ainda que se considere que os crimes que praticou são punidos pela lei portuguesa com pena máxima de três anos, tal não é suficiente para lhe ser recusada a nacionalidade portuguesa, constituindo uma violação ao do direito de mudar de nacionalidade, previsto na 2º parte do nº2 do artº 15º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicável ex vi do artº 8º da CRP.

Assim, - continua o recorrente - a alínea c) do nº2 do artº 56º, do RNP, aprovado pelo DL nº 237-A/2006, tem de ser entendida como um mero índice ou circunstância indiciadora da indesejabilidade, a valorar perante cada situação concreta e não um verdadeiro impedimento da aquisição da nacionalidade portuguesa.

Porém, os argumentos do recorrente não têm na letra da lei, nem na jurisprudência, o mínimo de acolhimento.

Vejamos porquê:

A Lei da Nacionalidade (LN) foi aprovada pela Lei nº37/81, de 03.10, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17.04 e, actualmente, é regulamentada pelo Decreto-Lei nº237-A/2006, de 14.12, aplicável à situação sub judicio.

A aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade, da adopção plena ou da naturalização, está prevista nos artº 2º a 7º da LN e regulamentada nos artº12º a 28º do citado DL.

A questão que nos ocupa prende-se com os requisitos da aquisição da nacionalidade por naturalização, exigidos no artº9º da LN, mais precisamente com o requisito exigido pela alínea b) desse preceito legal.

Dispõe o citado artº6º da LN que:

1- O Governo concede a nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos estrangeiros que satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos:

a) Serem maiores ou emancipados à face da Lei portuguesa;

b) Residirem legalmente no território português há pelo menos 6 anos;

c) Conhecerem suficientemente a língua portuguesa.

d) Não terem sido condenados com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa ( destaque nosso).

O artº19º, nº1 do citado DL 237-A/2006, sob a epígrafe «naturalização de estrangeiros residentes em território português» tem idêntica redacção, estabelecendo na alínea d) o mesmo requisito.

Como decidiu o douto acórdão do STA de 5-2-13, in recº nº 076/12,

“… Estamos, neste campo, no âmbito da actividade vinculada da Administração (Cf. neste sentido, Rui Moura Ramos, A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17 de Abril, RLJ 136º, nº 3943, p. 206/208 e 229/230.), não havendo lugar a qualquer margem de discricionariedade, mas sim e apenas à verificação objectiva dos requisitos ali exigidos ( destaque nosso).

Também o douto acórdão deste TCAS de 27-5-2010, in procº nº06065/10 se pronunciou no mesmo sentido ao considerar que os requisitos necessários à aquisição da nacionalidade portuguesa são de natureza objectiva pois basta o seu não preenchimento para que o efeito jurídico visado na norma não se produza ( cfr sumário, ponto I).

Por outro lado considerou que,

“Neste caso, a conduta da Administração é vinculada, o que significa que não podem ser introduzidos matizes ou gradações no tocante à verificação do requisito, nomeadamente aquela pretendida pelo recorrente, isto é, que o lapso de tempo entretanto decorrido entre a prática do ilícito criminal punível com pena de máximo igual ou superior a 3 anos, constante da condenação transitada, poderia “degradar-se” de modo a tornar irrelevante essa condenação”.

De facto, atribuir ao julgador o poder de decidir, em cada caso, se a condenação prevista na lei é ou não relevante, traria um factor de incerteza jurídica e de desigualdade não coadunável com a intenção do legislador que considerou que o factor indicador do merecimento, de ser naturalizado português, é clara e inequivocamente, o não ter praticado nenhum crime punível com pena máxima igual ou superior a três anos, independentemente da data dessa prática, do local,do cumprimento total da pena, ou de outras circunstâncias em que essa condenação ocorreu.

E quanto ao local, parece-nos violador da alínea d) em referência, se tais crimes, quando praticados no estrangeiro, não relevarem, quando pela lei portuguesa correspondem à penalização na mesma prevista.

Parece-nos que seria violado, igualmente, o espírito da lei que, ao estatuir a limitação prevista na alínea d) citada, teve como objectivo afastar da aquisição da nacionalidade aqueles cujo perfil pela prática de certos crimes, não são dignos de lhes ser atribuída a nacionalidade portuguesa( cfr o acórdão já citado do TCAS de 27-5-2010, in procº nº06065/10).

De referir que a aquisição da nacionalidade não é um direito fundamental constitucionalmente consignado e muito menos um direito absoluto, sofrendo as restrições previstas na lei, pelo que não foi violado, quer o nº4 do artº 30º, da CRP, quer os princípios da adequação ou da proporcionalidade.

Por outro lado, o direito de mudar de nacionalidade previsto na 2º parte do nº 2 do artº 15º da Declaração dos Direitos do Homem, é apenas uma declaração de princípios, que será legislado em concreto e regulamentado pelos Estados soberanos, como aconteceu com o Estado Português( cfr nº4 artº 8º da CRP). Além de que, não estamos perante qualquer arbitrariedade, mas sim perante a exigência de um requisito legalmente previsto.

Assim, porque não estamos perante uma perda de um direito civil - quando muito perante uma aquisição- não é aplicável o nº4 do artº 30º da CPR; também não é aplicável o seu nº5, dado que não foi aplicada ao recorrente nenhuma pena ou medida de segurança de onde resultasse perda de direitos fundamentais adquiridos antes dessa aplicação.

Nos termos do citado acórdão do TCAS de 27-5-2010,

“O disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, que alterou a Lei nº 37/81, de 3/10 [Lei da Nacionalidade], não viola o artigo 30º, nº 4 da Lei Fundamental, uma vez que a perda de direitos civis, profissionais ou políticos aí previstos, como efeito necessário da aplicação duma pena, diz respeito a direitos originários, ou seja, a todos aqueles que já existiam na esfera jurídica do condenado e não, obviamente, àqueles que este ainda não havia incorporado no seu património jurídico.”( cfr ponto IV do sumário).

Quanto à alegada violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade, como é sabido, a mesma só teria razão de ser se estivéssemos perante poderes discricionários da Administração, o que não é o caso, como já referimos.

De todo o modo, dir-se-á que, atribuir ao recorrente a nacionalidade portuguesa nas condições descritas, é que violaria, para além da alínea d) do nº1 do artº 6º da LN, os referidos princípios, bem como o princípio da igualdade, pois estabelecia uma diferenciação entre crimes praticados no país e crimes da mesma natureza praticados em outros países, por cidadãos estrangeiros, requerentes da nacionalidade portuguesa, quando o que a lei pretende é recusar a atribuição da nacionalidade portuguesa àqueles que, pela prática de crimes punidos pela lei portuguesa com pena máxima superior a três anos, não detêm um perfil que a lei considerou adequado, independentemente do lugar onde foram praticados.

Nestes termos, consideramos que o douto acórdão recorrido não merece a censura que lhe vem formulada, motivo pelo qual deverá o presente recurso de revista improceder, caso se considerar o mesmo de admitir.

III -Em conclusão:

1.O presente recurso de revista vem interposto, pelo demandado, do acórdão do TCAS que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo M.P. da sentença proferida no TAC de Lisboa, revogou a sentença que considerou improcedente a acção, e determinou a sua procedência dando como verificado o pressuposto contido na alínea b) do nº2 do artº 56º do Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14-12, da prática de crime punível, em abstracto, com pena máxima superior a três anos segundo a lei portuguesa.

2.Conforme se encontra documentado nos autos o recorrente cometeu, em Inglaterra, em 2001 e 2008, delitos contra a integridade física, em 2007 fraude e em 2009 furto, p.p.p. no código penal português nos arts 143º nº1, 256º e 203º nº1 - aos quais corresponde, em Portugal, uma pena superior a três anos.

3.Trata-se, portanto, de aferir se, no caso específico, existe fundamento, ou não, para o recorrente adquirir a nacionalidade portuguesa.

4.Estamos, assim, perante uma situação concreta, dificilmente transponível para outros casos, perante uma questão pouco complexa, quer de facto, quer de direito, uma vez que não exige complexas interpretações legislativas ou diversas consultas de doutrina e jurisprudência, não se verificando, por outro lado, erro ostensivo no acórdão recorrido, que mereça a reapreciação desse Alto Tribunal para uma melhor aplicação do direito.

5.Não se verificando os requisitos contidos no nº1 do artº 150º do CPTA, o recurso de revista não deverá ser admitido. Caso assim se não entenda,

6.Conforme foi dado como provado, o recorrente praticou, no Reino Unido, reiteradamente, vários crimes pelos quais foi punido com diversas penas de prisão, correspondendo aos mesmos, nos termos da lei portuguesa, pena máxima de prisão superior a três meses.

7.Encontra-se alegada e documentada nos autos a correspondência entre as penas aplicadas no Reino Unido e as aplicadas em Portugal, em caso de prática dos mesmos crimes.

8.O acórdão recorrido não sofre de omissão de pronúncia pois considerou que estava estabelecida, nos autos essa correspondência.

9.O poder consignado na alínea e) do nº1 do artº 58º do RNP é um poder vinculado e não discricionário, pelo que o requisito na mesma consignado é objectivo, não deixando margem para apreciação das circunstâncias endógenas ou exógenas que rodearam a prática dos crimes aí previstos, susceptível de isentar o requerente da nacionalidade, desse requisito.

10.Não existe um direito constitucionalmente consignado, à aquisição da nacionalidade portuguesa, nem estamos perante um direito fundamental e muito menos absoluto.

11.Também não está em causa a perda de um direito civil, inerente à prisão do recorrente.

12.Não foram assim violados os nºs 4 e 5 do artº 30º da CRP.

13.Referindo-se a alínea f) do nº1 do artº 58º do RNP a um poder vinculado da administração, não se pode falar em violação de princípios gerais de direito ou constitucionais.

14.Este dispositivo legal não distingue entre crimes praticados no país ou no estrangeiro, apenas exigindo o seu enquadramento segundo a lei portuguesa.

15.De todo o modo, atribuir ao recorrente a nacionalidade portuguesa, nas condições descritas, é que violaria os referidos princípios, bem como o princípio da igualdade, pois estabelecia uma diferenciação entre crimes praticados no país e crimes da mesma natureza praticados em outros países, por cidadãos estrangeiros, requerentes da nacionalidade portuguesa, quando o que a lei pretende é recusar a atribuição da nacionalidade portuguesa àqueles que, pela prática de crimes punidos pela lei portuguesa com pena máxima superior a três anos, não detêm a idoneidade adequada para serem cidadãos portugueses-

16.Também não foi violada a 2ª parte do nº 2 do artº 15, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aplicável ex vi artº 8 da CRP nos termos do qual “Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade”, dado que não estamos aqui perante qualquer arbitrariedade, mas sim perante a exigência de um requisito legalmente previsto no direito português.

Termos em que deverá ser considerado improcedente o recurso de revista, mantendo-se o douto acórdão recorrido.

Assim decidindo, farão Vossas Excelências a costumada,


JUSTIÇA!

A Procuradora-Geral Adjunta

Maria Antónia Soares