Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:12/12/2011
Processo:07802/11
Nº Processo/TAF:00871/08.2BELRA
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL.
CONTRATO DE EMPREITADA.
ADJUDICAÇÃO.
VIOLAÇÃO DE NORMAS DO PDM DA RAN E DO RJUE.
ILEGITIMIDADE SUPERVENIENTE ACTIVA.
Data do Acordão:01/12/2012
Texto Integral:Vem o presente recurso jurisdicional interposto pela Autora, Chamartin Projectos, SGPS, S.A., da sentença que considerou improcedente a acção por si proposta contra o Município de Leiria e as contra-interessadas Multi Development Portugal –Promotora Imobiliária S.A. e Lena- Engenharia Construções, S.A., com vista à impugnação da deliberação de 11.06.2008, da Câmara Municipal de Leiria, que adjudicou à concorrente “Multi Development Portugal – Promotora Imobiliária SA e Lena – Engenharia Construções SA” a concepção, financiamento, construção e exploração de uma unidade comercial de dimensão relevante ( UCDR), mediante a alienação de parcelas de terreno, em regime de direito de superfície, pelo Município de Leiria, por ter obtido a melhor pontuação no concurso aberto pelo anúncio nº 2611001536 publicado no DR, II Série, nº 66 de 03.04.2007 e Jornal das Comunidades Europeias nº 2007/S58-071172, de 23.03.07, na sequência da deliberação de 04.JAN.2007 da Câmara Municipal de Leiria.
A recorrente impugna a sentença alegando essencialmente o seguinte:

1 - Ao decidir ser "prematura e deslocada, e portanto inoportuna, a invocação da violação de normas vigentes em matéria de urbanismo e do ambiente" concluindo pela falta de interesse em agir da Recorrente, a decisão recorrida enferma de erro de julgamento e viola a garantia de acesso aos Tribunais e à tutela judicial efectiva (cfr. artºs. 268° da Constituição da República e 2°/2 do CPTA).

2 - Ao relegar para a ulterior fase do licenciamento das obras o momento adequado para sindicar as ilegalidades do acto de adjudicação em matéria de Ambiente e de Urbanismo, assumindo que as obras poderão vir a conformar-se com a legalidade, a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, tanto mais que "admitir propostas cuja concretização ou valia está dependente de eventos futuros (e incertos), ou seleccionar concorrentes cuja habilitação virá (ou não virá), é tornar aleatórios, permanentemente aleatórios, os resultados dos concursos e obrigar a Administração a fazer, desfazer e refazer actos do procedimento, sempre que esse futuro não viesse tal como tinha sido hipotizado (ou projectado) no momento de admissão de concorrentes e propostas" (cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira in Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa, Almedina, 2a Reimpressão de 1998, pág. 368, nota 17).

3 - Pressupor que os projectos de obras podem vir a ser alterados na fase de licenciamento, conformando-se então por essa via com a legalidade, atenta contra todos os princípios orientadores do procedimento concursal, designadamente os princípios da publicidade, da igualdade, da concorrência e da boa fé, bem como o princípio da estabilidade das propostas em matéria de concurso público, colocando em crise a própria utilidade e função do procedimento de concurso para escolha da melhor proposta.

4 - Ao contrário do pressuposto pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, os contratos administrativos também estão sujeitos ao princípio da legalidade (v. artº. 266°/2 da Constituição), pelo que "é nulo o contrato administrativo, com objecto possível de acto administrativo, se a contraprestação do particular for incompatível com a lei, e essa incompatibilidade é sancionada com nulidade" - cfr. Ac. STA de 04/02/2008, no Proc. 01004/07, in www.dgsi.pt.

5 - Ao contrário do julgamento expresso na decisão recorrida, uma das condições legais para a celebração de qualquer contrato é a possibilidade do seu objecto, sob pena de nulidade (cfr. artºs. 133°/2 al. c), 134°/l e 2 ex vi artº. 185°/3 al. a) do Código de Procedimento Administrativo e, actualmente, os artºs. 284° e 285° do Código dos Contratos Públicos).

6 - A proposta do concorrente adjudicatário prevê a implantação da UCDR fora da área abrangida pelo direito de superfície e, consequentemente, para além dos limites da área sujeita a concurso prevista no ponto 1.2 do PC, no anexo I ao PC e no artº 1º do CE, pelo que a deliberação impugnada enferma de erro de julgamento e violação ponto 1.2 do PC, no anexo I ao PC e no artº 1º do CE e pontos 15.2 e 15.3 do PC.

7 - A proposta escolhida foi erradamente classificada no critério contrapartidas em espécie facultativas ( 18.3.2 do PC) e com a pontuação máxima de 20 valores, quando essa proposta não se encontra acompanhada de identificação concreta dos terrenos e dos equipamentos, que permitam aferir os valores aí indicados, com reflexos decisivos para o resultado do concurso, exigência resultante do modelo de proposta e dos pontos 10.1 e Anexo II do PC e artº 4º do CE, violando estas normas regulamentares bem como os pontos 15.2 e 15.3 do PC.

8 - A proposta deveria ter sido excluída já que a mesma apresenta duas soluções alternativas para a conclusão do Edifício do Topo Norte do Estádio Municipal Magalhães Pessoa, deixando á consideração da entidade adjudicante a solução mais adequada, o que viola o ponto 15.3 do PC , bem como os princípios da legalidade, transparência, igualdade e sã concorrência.

9 - A proposta deveria ter sido excluída já que a mesma não cumpre os rácios de estacionamento previstos no artº 70º do Regulamento do PDML.


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Tal como se refere na douta sentença recorrida, por um lado temos as impugnações da recorrente relativas à alegada violação do direito do ambiente e do urbanismo ( pontos 1 a 5 supra referidos) e por outro as impugnações relativas à violação de disposições de documentos conformadores do procedimento do concurso ( pontos 6 a 9 supra referidos).

I -Quanto às impugnações relativas à alegada violação do direito do ambiente e do urbanismo:

Consideramos que tendo sido a recorrente candidata ao referido concurso e admitida ao mesmo, não pode impugnar o acto de adjudicação a outra concorrente com estes fundamentos.

Na verdade, tais violações a existirem, inquinariam o próprio concurso e não o acto de adjudicação. Ou seja, a recorrente ao concorrer a um concurso que diz violador de normas ambientais e de urbanismo, aceitou essas invocadas ilegalidades pelo que não tem legitimidade para as vir impugnar nesta acção

De todo o modo dir-se-á que tais ilegalidades a existirem, não inquinam o acto de adjudicação, uma vez que não dizem respeito ao processo do concurso em análise, mas sim a uma fase posterior à adjudicação, que é a execução da obra a qual depende, nomeadamente, de licenciamento prévio de entidades da Administração Central, bem como de um estudo de impacte ambiental ( EAI), para além do cumprimento das normas do PDML, bem como da RAN, e ainda do RJUE( cfr alíneas P), Q) E R) da factualidade assente na sentença).

Assim, as empresas que concorreram ao concurso correram o risco inerente à eventual adjudicação da obra nas condições insertas no Caderno de Encargos e no Programa do Concurso, dado que, na fase de execução pode não lhe ser permitida a construção tal como lhe foi adjudicada.

II- Quanto `as impugnações relativas à violação de disposições de documentos conformadores do procedimento do concurso.

Como elemento novo trazido aos autos nas contra-alegações que apresentou ao abrigo do artº 91º do CPTA, a recorrida particular refere a desistência da Autora na adjudicação relativa ao concurso em análise.

Muito embora na douta sentença recorrida se ignorasse tal facto superveniente, que quanto a nós nada tem a ver com a utilidade que a lide ainda possa ter para a Autora – questão já decidida favoravelmente a esta – a verdade é que a contra - interessada não aborda a questão na sua resposta à reclamação da Autora posteriormente convolada em recurso jurisdicional, nada dizendo igualmente, em resposta à notificação das conclusões apresentadas pela Autora a convite deste TCAS.

Contudo, as implicações que essa desistência do concurso possa ter neste processo são de conhecimento oficioso e, portanto, ainda podem ser apreciadas neste recurso jurisdicional.

Quanto a nós a desistência da Autora da adjudicação ou perda de interesse na mesma determina que o acórdão que venha a ser proferido nos autos, ainda que favorável, não tenha qualquer execução possível.

De facto, a execução só se poderia traduzir na anulação da adjudicação à contra-interessada e consequente adjudicação à Autora.

Assim, como não se verificaria qqualquer causa legítima de inexecução a invocar pela entidade demandada, um vez que esta pretendeu adjudicar o concurso extrajudicialmente à Autora (chegando mesmo a proferir, ao que parece, despacho de adjudicação), a mesma não pode ser substituída por uma indemnização a pagar à Autora ( cfr artºs 165 e 166º do CPTA).

Nestes termos, afigura-se-nos que carece a Autora de legitimidade superveniente activa por falta de interesse em agir a partir da desistência da adjudicação formulada em 7 de Julho de 2009 ( cfr artº 16º das alegações de fls 711), pelo que deverão as recorridas ser absolvidas do pedido).


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Caso assim se não entenda, afigura-se-nos que pelas razões invocadas na douta sentença recorrida, bem como pela contra-interessada nas suas contra alegações, devem improceder as ilegalidades assacadas ao acto impugnado bem como à sentença recorrida.

No entanto dir-se-á ainda o seguinte:

A ) Quer “a alienação de parcelas de terreno em direito de superfície pelo Município”, quer “as contrapartidas em espécie facultativas acompanhada de identificação concreta dos terrenos e dos equipamentos, que permitam aferir os valores aí indicados”, não são factores relevantes para a adjudicação, uma vez que dizem respeito a uma fase posterior à mesma e são meramente complementares do objecto do procedimento concursal em causa e que é “a concepção, financiamento, construção e exploração de Uma Unidade Comercial de Dimensão Relevante” tal como resulta do nº1.1 do Programa do Concurso e artº 1º, nº1 do Caderno de Encargos.

Assim, tal como defende a Entidade Demandada na oposição que apresentou nos autos, “a inclusão na proposta de todos os elementos necessários à sua apreciação e análise constitui modo próprio e adequado de cumprimento das exigência do procedimento”.

Cumpre, pois, integralmente, o Programa do Concurso, bem como o Caderno de Encargos, a possibilidade da identificação com clareza e rigor das parcelas que a contra-interessada se propõe adquirir em regime de direito de superfície, através dos elementos constantes da proposta que apresentou, como sejam das peças desenhadas, incluindo Plantas, relativas ao “Projecto Urbanístico”, uma vez que aquelas não podem ser vistas isoladamente como finalidade do concurso, mas como via de execução do respectivo objecto ( cfr comparação entre a planta do Plano Geral ((des HNU002 AA) constante da proposta da contra-interessada e o desenho 1-área de intervenção - planta identificadora das parcelas de terreno que constitui o anexo III do CA- área de intervenção).

Ademais, o nº 9.2 do PC que enumera, de forma taxativa, todos os documentos que têm que integrar a proposta, não prevê a inclusão da Planta com os terrenos que serão objecto do direito de superfície, o que aliás, não vincularia de todo o município, pois cabe a este a última palavra na atribuição do mesmo.

B) Quanto às contrapartidas em espécie como o próprio nome indica são facultativas. A contra –interessada indicou o valor das contrapartidas que estava disposta a oferecer.

Assim, parece-nos que foram cumpridas as determinações do concurso estas não determinam concretamente quais as contrapartidas a oferecer pelos candidatos.

C) Quanto à aceitação de variantes, contestada pela recorrente, para além dessa aceitação constar do anúncio do concurso publicado no Jornal Oficial da União Europeia, a mesma não viola qualquer dispositivo legal ou regulamentar aplicáveis ao concurso em análise uma vez que tais variantes não foram nos mesmos proibidas.

Nestes termos, não poderia recusar-se a adjudicação efectuada com base na apresentação de uma variante ao projecto. Isto, tanto mais que foi apresentada uma proposta base e foi esta que foi avaliada.

D) Quanto à questão dos lugares de estacionamento, tal como decorre dos factos dados como provados na sentença recorrida ( alínea S) da factualidade assente), aos 1768 lugares de estacionamento já equacionados na proposta existe ainda a possibilidade de na fase de execução serem garantidos mais lugares através da construção duma 4ª cave, mais 1000 lugares à superfície que servem o empreendimento, todos a acrescer aos 479 lugares já construídos no Estádio.

Verifica-se, portanto, que não foram violados os artºs 68º e 69º do Regulamento do PDM de Leiria que prevê a existência de 2830 lugares de estacionamento “ no interior do lote”

E) Resta referir, também, que o acto de adjudicação, após a admissão da contra-interessada ao concurso – a qual não vem impugnada não obstante tal impugnação ser essencial para aferir das suas eventuais ilegalidades – ainda que ilegal não geraria a exclusão da contra-interessada do concurso, mas sim a alteração do seu posicionamento.

Assim, estamos no domínio da apreciação das propostas a qual envolve aspectos vinculados e aspectos discricionários.

Ora, não se mostrando violados ostensiva ou grosseiramente os regulamentos do concurso ( CA e PC), cabe ao dono da obra, no âmbito da sua discricionariedade técnica, aferir qual a proposta mais adequada a prosseguir a finalidade para que foi aberto o concurso.

Sobre esta questão importa reter o que se refere no douto Acórdão do STA de 20.3.03 (rec. n.º 1561/02):

“A valoração e pontuação das propostas em procedimento concursal insere-se na “margem de livre apreciação” ou das “prerrogativas de avaliação” atribuída à entidade que a elas procede a qual, para uns, “decorre do exercício da chamada discricionariedade técnica, ou do puro exercício de um poder discricionário” e, para outros, da aplicação “de conceitos vagos, elásticos ou indeterminados, para cujo preenchimento, a administração emite juízos de valor de carácter eminentemente técnico-especializado, juízos de prognose de experiência, com intervenção de necessários elementos subjectivos.” E, porque assim era, quando nessa actividade estivesse apenas em causa “a apreciação de conceitos naturalísticos, de pura dedução lógico-formal, compreende-se que o tribunal não faça um controlo jurisdicional pleno, não indo além da dimensão garantística ou formal da decisão administrativa, não podendo, (.......), substituir pelos seus os juízos e as valorizações empreendidas pela administração.” .

Termos em que, emitimos parecer no sentido de ser declarada a ilegitimidade superveniente activa da Autora, ora recorrente, ou caso assim se não entenda, no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional.