Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:02/02/2015
Processo:11860/15
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 1.ª SECÇÃO
Magistrado:Manuela Galego
Descritores:CLASSIFICAÇÃO DE IMÓVEL;
ATO DISCRICIONÁRIO.
Texto Integral:Processo n.º 11860/15
2.º Juízo-1.ª Secção (Contencioso Administrativo)
Recurso – Ação administrativa especial


EXCELENTÍSSIMOS SENHORES JUIZES DESEMBARGADORES
DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


O Ministério Público junto deste Tribunal, nos termos do art.º 146.º e seguintes do CPTA, vem apresentar o seu PARECER nos seguintes termos:

Recorre a Autora, E…, do Acórdão proferido, em 3 de Junho de 2014, após reclamação para a conferência, proferido pelo TAF de Leiria, na ação em epígrafe, o qual, confirmando a sentença já proferida nos autos, julgou a ação improcedente, por entender que a iniciativa relativa à classificação dos bens como bens de interesse municipal é matéria que se insere na atividade discricionária da câmara municipal, sendo que «o juiz não pode opor às opções discricionárias da Administração os seus próprios juízos de oportunidade ou conveniência», mas sim, e apenas, «os “seus” juízos jurídicos», e que cabe à Entidade Demandada, o Município de …, agir de acordo com os seus próprios juízos de conveniência e oportunidade.

A Recorrente alega em suma o seguinte:
- Os fundamentos aduzidos na sentença e no acórdão recorrido e toda a construção lógico-jurídica e os juízos de prognose efetuados tiveram em conta o pressuposto exatamente contrário, ou seja, de que um tribunal não pode condenar um município a classificar um imóvel como sendo de interesse municipal, errando no julgamento.
- Conforme o disposto no referido no n°3 do artigo 3° da Lei n° 107/2001, de 8 de Setembro, a proteção dos bens culturais é um dever das autarquias locais, assente na classificação e inventariação, e não apenas um poder discricionário.
- O artigo 15.º da Lei n° 107/ 2001, de 8 de Setembro, define, nos n.°s 1 e 2 que “os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento…” e que “podem ser classificados como de interesse…”, uma discricionariedade limitada à graduação em três categorias de efetivação do dever de classificar os bens culturais estabelecido pela Lei: interesse nacional, interesse público ou interesse municipal, e não ao ato de classificar.
- O regime jurídico estabelecido pelo DL n.º 309/ 2009, de 23 de Outubro, relativo “ao percurso do procedimento administrativo de classificação de acordo com a sequência de actos prevista na Lei n° 107/2001, de 8 de Setembro” foi integralmente omitido na sentença.
- Nos termos do artigo 4° do Decreto-Lei n° 309/2009, de 23 de Outubro, o procedimento administrativo de classificação de um bem imóvel inicia-se oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado.
- Nos termos do artigo 25° da Lei n.° 107/2001, de 8 de Setembro, o impulso para a abertura de um procedimento administrativo de classificação ou inventariação pode provir de qualquer pessoa ou organismo, público, privado, nacional ou estrangeiro, competindo a sua instrução ao Município, nos termos do art.º 26° da referida Lei n.° 107/2001, de 8/09 e do art.º 57.° do DL n.° 309/2009, de 23/10.
- Pelo que, não se entende (nem se admite) a existência de um poder discricionário na abertura do procedimento para classificação, independentemente do ato final ser ou não de classificação, não sendo um poder discricionário, mas sim vinculado da autarquia.
- Conclui que se verifica erro de julgamento e se mostram violados os artigos 3°, 4° e 57.º do DL n.° 309/2009, de 23 de Outubro, art.ºs 2°, 3°, 16° e 25° da Lei n° 107/2001 de 8 de Setembro e art.º 9.º da CRP, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que decida pela procedência da ação.

O Recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

Do mérito do recurso:

São os seguintes os factos assentes:
«A) Em 8.8.2011 a Autora dirigiu à Presidente da Câmara Municipal de ... um pedido de abertura de procedimento com vista à classificação, como imóvel de interesse municipal, do conjunto edificado composto pela antiga fábrica de briquetes e plano inclinado de extracção da M…, em ... (documento n.° 4 junto com a petição inicial);
B) o qual foi acompanhado de parecer do Instituto Português do Património Arquitectónico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (documento n.° 7 junto com a petição inicial);
C) Por deliberação de 11.11.2011 da Câmara Municipal de ... foi indeferido o pedido da Autora, com os fundamentos das informações dos serviços do município de 26.9.2011 (proc. UCCP 722/2011), 7.11.2011 (proc. UCCP 722-1/2011) e 3.11.2011 (n.° 15/CS/2011) (documento n.° 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
D) Em 22.11.2011 a Autora apresentou reclamação daquele indeferimento (documento n.° 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
E) a qual foi decidida por despacho de 15.12.2011 da Presidente da Câmara Municipal de ..., com os fundamentos da informação de 12.12.2011 dos serviços do município (proc. UCCP 735-1/2011), cujo teor se dá por integralmente reproduzido (documento n.° 3 junto com a petição inicial).»

O pedido formulado na ação pela Autora consiste em condenar o Município de ... no deferimento do pedido de abertura de procedimento com vista à classificação, como imóvel de interesse municipal, do conjunto edificado composto pela referida fábrica antiga.
Nos termos dos art.ºs 94.°, n.º 1, da Lei n.° 107/2001, de 8 de Setembro, e 33.°, n.º 1 al. t), da Lei n.° 75/2013, de 12 de Setembro cabe às câmaras municipais a classificação de bens culturais como de interesse municipal.
Entende o Tribunal a quo que as normas atributivas de competência não são, de per si, normas atributivas de direitos subjetivos aos particulares, não resultando das normas citadas uma atribuição de um direito de exigirem a classificação de bens culturais como de interesse municipal.

O procedimento de classificação de imóvel como bem de interesse municipal obedece aos termos previstos nos art.ºs 25.º e seguintes da Lei n.º 107/2001, de 08 de Setembro, na sua primitiva redacção.
O Artigo 25.º da referida lei tem a seguinte redação:
Início do procedimento
1 - O impulso para a abertura de um procedimento administrativo de classificação ou inventariação pode provir de qualquer pessoa ou organismo, público ou privado, nacional ou estrangeiro.
2 - A iniciativa do procedimento pode pertencer ao Estado, às Regiões Autónomas, às autarquias locais ou a qualquer pessoa singular ou colectiva dotada de legitimidade, nos termos gerais.
3 - Para efeito de notificação do acto que determina a abertura do procedimento, considera-se também interessado o município da área de situação do bem.
4 - Os bens em vias de classificação ficam sujeitos a um regime especial, nos termos da lei.
5 - Um bem considera-se em vias de classificação a partir da notificação ou publicação do acto que determine a abertura do respectivo procedimento, nos termos do n.º 1 do presente artigo, no prazo máximo de 60 dias úteis após a entrada do respectivo pedido.


E o Artigo 26.º do mesmo diploma legal tem a seguinte redação:
Instrução do procedimento
1 - A instrução do procedimento compete ao serviço instrutor da entidade competente para a prática do acto final, em conformidade com as leis estatutárias e orgânicas e a demais legislação de desenvolvimento.
2 - As tarefas e funções específicas do procedimento podem ser cometidas a entidades não públicas, desde que excluída a prática de actos ablativos.
3 - Na instrução do procedimento são obrigatoriamente ouvidos os órgãos consultivos competentes, nos termos da lei.

Portanto, competiria ao Município Réu a instauração do procedimento com vista à classificação do imóvel, podendo o mesmo ser iniciado a requerimento de qualquer particular, uma vez que a classificação de bens de interesse municipal compete aos municípios, antecedida de parecer dos competentes órgãos e serviços do Estado (art. 94° da citada lei).

Como resulta da contestação e documentos juntos com os articulados, o referido Município, por entender que não se reuniam os requisitos para classificar o imóvel tal como era requerido, indeferiu desde logo a instauração do pretendido procedimento.
E, por isso, veio o ora Autor pedir na ação que o Município fosse condenado a dar início ao mesmo.
A classificação de um imóvel, ao abrigo dos preceitos citados, implica um juízo de mérito segundo regras técnicas ou cientificas que implicam um conhecimento especializado sobre tal assunto.
A Administração, ao formular tal juízo está a concretizar conceitos indeterminados no exercício de uma atividade de discricionariedade técnica, insuscetível, salvo erro grosseiro, de sindicabilidade contenciosa.
A denegação da abertura do respetivo procedimento, mediante parecer técnico, em virtude de o ora Recorrido entender que não existem fundamentos para classificar o imóvel como bem de interesse municipal, cabe igualmente no âmbito dos poderes discricionários do Município, o qual, aliás, procedeu a diligências, concluindo conforme exposto (Que utilidade teria condenar o Município a abrir um procedimento cujo decisão já era conhecida do ora Recorrente?).

Nos termos do Ac. do STA, de 14-12-2004, rec. n.º 0447/03:
I - A acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo … não contempla a possibilidade de o tribunal condenar a Administração à prática de um acto essencialmente discricionário, ou melhor (pois que a Administração deve obediência ao princípio da decisão – artigo 9.º do CPA), o tribunal não pode decidir, por antecipação, do conteúdo de acto essencialmente discricionário, exactamente porque o sentido do acto envolve a ponderação, que à Administração incumbe.
II -Nos termos do artigo 25.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, o impulso para a abertura de um procedimento administrativo de classificação ou inventariação de bens culturais pode provir de qualquer pessoa ou organismo, público ou privado, nacional ou estrangeiro; não tem qualquer abrigo legal a condenação da Administração a considerar a própria interposição da acção de reconhecimento do direito a uma certa classificação como requerimento do particular de abertura do respectivo procedimento administrativo.

Atendendo ao exposto, reportando-se o pedido a um ato discricionário, pretendendo a Autora que o Tribunal exerça as competências conferidas a outras entidades pela citada Lei 107/2001, ou que a Câmara inicie um processo, destinado à classificação, traduz-se na prática a pretender que o Tribunal induza uma entidade pública a tomar uma iniciativa que só à mesma incumbe (cfr. art. 26° da citada Lei n.º 107/2001).
E, como tal, não podia o Tribunal aceder a tal pretensão.


Assim, afigura-se-me não assistir razão ao Recorrente, não se mostrarem ofendidas as normas citadas, devendo manter-se o Acórdão recorrido e ser negado provimento ao recurso.
A Procuradora-Geral Adjunta,

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Manuela Galego