Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:11/25/2011
Processo:08219/11
Nº Processo/TAF:00383/10.4BELLE
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:ACÇÃO ESPECIAL.
"ACEITAÇÃO DO ACTO IMPUGNADO" - ART. 56º CPTA.
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos artºs 146º nº1 do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pela então A., da sentença proferida a fls. 142 e segs., pelo TAF de Loulé, que julgou improcedente a presente acção, absolvendo a Entidade Demandada de todos os pedidos formulados.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, o recorrente imputa à sentença recorrida violação do art. 56º nºs 1 e 2 do CPTA e 217º nºs 1 e 2 do CC.

A Entidade Demandada, ora recorrida, contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do julgado.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com interesse para a decisão e com fundamento na prova documental, os factos constantes dos pontos 1. a 13., do ponto II, de fls. 143 a 145, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Em questão está conhecer se a recorrente ao ter concorrido ao novo concurso aberto na sequência do acto de anulação impugnado, aceitou tacitamente este último acto e, dessa forma, face ao disposto no art. 56º do CPTA, o mesmo é inimpugnável.

Como se pode ler no Ac. deste TCAS de 04.03.2010, Rec. 02745/07 «A aceitação tácita do acto administrativo é um pressuposto processual autónomo que implica a impossibilidade de impugnação ou a ilegitimidade superveniente, consoante a aceitação ocorra após a prática do acto, mas antes da propositura da acção, ou já na pendência desta.
De acordo com VIEIRA DE ANDRADE in “A ACEITAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO” , in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra , 2003, “ (…) A figura da aceitação do acto poderá caracterizar-se como “ um acto jurídico voluntário ao qual a lei reporta um certo efeito de direito – a perda da faculdade de impugnar – independentemente do particular ter ou não querido a efectiva produção desse resultado” ( cfr. “COMENTÁRIO AO CPTA” , 2005, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO CADILHA, em anotação ao artigo 56 do CPTA).
No mesmo sentido referem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, in “CODIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS”, Almedina 2004, pag. 372 e 373 que “ A aceitação tácita é aquela que resulta de factos praticados ou de declarações feitas com objecto diferente, mas que apontam concludentemente no sentido de que o seu Autor se conformou com os efeitos do acto praticado, é dizer, que há aí um comportamento incompatível com a vontade de impugnar – que, se se quisesse impugnar, não se praticariam tais factos ou fariam tais declarações.
Diversamente, RUI MACHETE in “SANAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO INVÁLIDO” , pag. 341, considera a aceitação do acto administrativo, enquanto requisito negativo de legitimidade,um acto de disposição de uma situação subjectiva que esteja na titularidade do particular. A aceitação da disciplina desfavorável do acto administrativo traduz-se em abdicar do seu interesse à disciplina favorável, isto é, em renunciar ao interesse legítimo”. Estaríamos, neste caso, perante uma figura próxima da renuncia ao recurso, como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO CADILHA em anotação ao artigo 56º do CPTA, ob. cit. pag. 286.
Por ultimo importa ainda salientar na doutrina CARLOS ALBERTI CADILHA in “DICCIONÁRIO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO” pag. 96, segundo o qual “ A caracterização dessa excepção (aceitação do acto administrativo) depende da opção que se fizer quanto à natureza jurídica da aceitação: poderá entender-se como uma situação de ilegitimidade activa, por perda do interesse pessoal e directo em impugnar, ou como uma situação de falta de interesse em agir, por o aceitante não ter já necessidade da tutela judicial, ou ainda como um caso de inopugnabilidade do acto pelo aceitante, entendido como um pressuposto processual autónomo.
Em qualquer caso, importa reconhecer que a aceitação, desde que posterior à prática do acto (o que constitui uma condição do carácter livre e esclarecido da aceitação), preclude o direito de impugnar ainda que seja emitida posteriormente à propositura da acção, visto que, mesmo nesse caso, não deixa de constituir uma questão prévia que obsta ao prosseguimento do processo, nada impedindo que, como facto extintivo superveniente, ela possa ser tida em consideração mesmo após a prolação do despacho saneador (cfr. artigos 86º e 87º nº 2 do CPTA).”
No sentido ao que aqui propugnamos … pode ainda citar-se o Acórdão do STA de 25 de Janeiro de 2006, in Rec. nº 0111/03 , cujo sumário passamos a citar:A aceitação do acto deriva da prática espontânea e sem reservas, de facto incompatível com a vontade de recorrer, devendo tal comportamento ter um significado unívoco, que não deixe quaisquer duvidas quanto ao seu significado de acatamento integral do acto, das determinações nele contidas, e da inerente vontade de renunciar ao recurso.” (bold nosso).

No caso dos autos, o ora recorrente teve conhecimento que a Ré anulou o concurso público e da abertura de novo concurso por deliberação de 20/04/2010, a qual lhe foi notificada por ofício de 21/04/2010 (doc. nº 1 junto com a p.i.).

O recorrente candidatou - se ao novo concurso – sem qualquer reserva – publicitado no DR, II Série, de 22.04.2010 (doc. nº 3 junto à p.i.), tendo por data limite de apresentação das propostas o dia 07/05/2010 e cujo Programa de Concurso e Caderno de Encargos se mostram juntos como docs. nºs 8 e 9, sendo que neste último foram introduzidas algumas alterações relativamente ao do concurso anulado.

Só após a abertura das cinco propostas neste apresentadas (no anterior haviam sido apresentadas apenas duas, a do recorrente e a da contra - interessada) e do conhecimento (em 10.05.2010) dos valores propostos por cada uma delas, superiores ao seu, bem como da adjudicação provisória e mesmo da celebração do contrato pela Ré com a contra - interessada, da exploração objecto do concurso (em 28/05.2010), é que o ora recorrente veio impugnar o acto que havia anulado o anterior concurso, tendo a presente acção dado entrada em 08.06.2010.

Como se pode ler no sumário (aditamento) do Ac. do STA de 04/06/96, Rec. 038967, in www.dgsi.pt/ «Constitui aceitação tácita de uma deliberação camarária que declarou extinto um concurso público para cedência de parcela em regime de direito de superfície, o facto de o concorrente se apresentar, sem reserva, a novo concurso público com o mesmo objecto - conf. art. 47 § 1 do RSTA57.».

Também como se exara no Ac. do STA de 07/01/2009, Rec. 0912/08, igualmente in www.dgsi.pt/ «Quando uma entidade adjudicante abre e anuncia um procedimento concursal formula uma oferta, uma declaração negocial, apresentando uma proposta que faz parte de um contrato em expectativa. A esta oferta ou declaração contrapõe os concorrentes as legalmente designadas propostas e candidaturas, cujo conteúdo e relevância jurídica resultam da própria lei, nos termos do disposto no art. 44º do DL. nº 197/99 «Nas propostas e candidaturas os concorrentes manifestam a sua vontade de contratar...»
É claro que os concorrentes manifestam ou materializam aquela vontade de forma expressa nos documentos integrantes da proposta e candidatura. E foi exactamente assim que procedeu a Recorrente A... no procedimento concursal publicado em D.R., (…). Consequentemente, forçoso é concluir que a Recorrente A... aceita expressamente todo o novo procedimento concursal aberto pelo Município de (…), pelo que juridicamente é inevitável concluir que a Recorrente aceita expressamente o novo acto concursal e os actos procedimentais em que este se concretiza, ou seja, estamos ante a aplicação plena do nº 1 do artº 56 do C.P.TA., nos termos do qual não pode impugnar um acto administrativo quem o tenha aceitado expressamente, depois de praticado, uma vez que a manifestação expressa da vontade de contratar constante da proposta e da candidatura (cfr. art. 44º do DL. nº 197/99) não pode ser qualificada como uma mera aceitação tácita do acto do concurso.
Tal entendimento é aliás sufragado na doutrina por Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, quando afirmam que «a mera reserva formal de não aceitação, quando o particular actua concludentemente no sentido da aceitação, não lhe confere legitimidade para a respectiva impugnação».
Nestes termos, precludiu o direito de impugnação da Recorrente A... no âmbito do novo procedimento concursal (…)».

Também no caso dos autos, tendo o ora recorrente se apresentado a novo concurso com o mesmo objecto do anterior, anulado pelo acto impugnado, após a prática do acto, mas antes da propositura da presente acção, aceitando os actos procedimentais do novo concurso, quer se conclua estarmos perante uma aceitação tácita, quer perante uma aceitação expressa do acto, nos termos do art. 56º nºs 1 e 2 do CPTA, que se encontre precludido o direito de impugnação pelo ora recorrente do acto que anulou o primeiro concurso.

Assim, a nosso ver, no caso em apreço, que a sentença recorrida, ao dessa forma ter decidido não enferme das violações de lei que lhe são imputadas.

IV – Pelo que, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo - se a sentença recorrida.