Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:03/13/2015
Processo:11862/15
Nº Processo/TAF:955/14.8BELSB/TAC LISBOA
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 1.ª SECÇÃO
Magistrado:Fernanda Carneiro
Descritores:RECURSO DE REVISTA.
PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE INTIMAÇÃO PARA ABSTENÇÃO DE CONDUTA.
Texto Integral:



Procº nº 11862/15
2º Juízo-1ª Secção
Contencioso Administrativo
Recurso Jurisdicional
(Providência Cautelar de Intimação para Abstenção de Conduta)



Venerando Juiz Desembargador Relator


A Magistrada do MºPº, junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada do douto Acórdão deste TCA Sul proferido em 26 de Fevereiro de 2015, no processo supra referenciado, que confirmando o douto despacho/sentença proferido em 1ª instância, que julgou extinta a instancia por inutilidade superveniente da lide e determinou o arquivamento dos autos, negou provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, dele vem interpor Recurso Extraordinário de Revista para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150º do CPTA, requerendo-se o seu efeito suspensivo porque a atribuição de efeito devolutivo é susceptível de causar danos irreversíveis para o interesse público, atendendo a que existe o risco, notório e público, de que as 85 obras de ... saiam do território nacional e possam ser vendidas, e a subir imediatamente nos próprios autos, nos termos dos arts. 141º, 142º nº 1 e 143º nº 1 do CPTA.


E.D.


Seguem as Alegações de Recurso



Procº nº 11862/15
2º Juízo-1ª Secção
Contencioso Administrativo
(Providência Cautelar de Intimação para Abstenção de conduta)
Recurso de Revista

Alegações do Ministério Publico

Venerandos Juízes Conselheiros do
Supremo Tribunal Administrativo


O Ministério Público, não se conformando com o Douto Acórdão do TCA Sul proferido a 26 de Fevereiro de 2015 no processo supra identificado, vem do mesmo interpor recurso de revista para esse STA, o que faz nos termos do art.º 150.º do CPTA e com os seguintes fundamentos:

I – Fundamentos e Mérito do Recurso de Revista

Pretende-se, com este recurso de revista, impugnar o douto acórdão ora recorrido que, apreciando o douto despacho/sentença que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, entendeu que ele não padecia de qualquer dos vícios que lhe foram imputados - nulidade e erro de julgamento - e que o fim visado pelo requerente/ MºPº com a providência tinha sido alcançado com as decisões proferidas pelo Director – Geral do Património em 19-08-2014, a determinar o arquivamento do procedimento administrativo fixado na LBPC relativo às 85 obras de J. ..., com base no artigo 68º, nº2 da LBPC, e cujo fundamento foi a oposição expressa das Requeridas sociedades P..., SA e P..., SA, à classificação de tais obras, seja como bens móveis de interesse público, seja como móveis de interesse nacional.

Impugna o Ministério Público o douto acórdão do TCA SUL, no processo supra referido, por entender ter havido erro de julgamento, omissão de pronúncia e contradição entre a fundamentação da decisão e a factualidade dada como relevante, e erro na interpretação das normas legais aplicáveis.

Com efeito,

Na sequência do conhecimento público, no ano de 2014, de que uma coleção de obras constituída por 85 quadros do pintor ... ..., considerada de inestimável valor cultural, tinha sido transportada, em Janeiro de 2014, para Londres, sem guias de transporte e seguros, e sem que tinha sido observado o formalismo imposto pela ÇBPC, para ser colocada pela “ C...“ em leilão, veio o Ministério Público instaurar o presente processo cautelar, em defesa do Património Cultural, dos bens do Estado e de outros valores Integrantes do património cultural, ao abrigo do disposto nos art.º 9° n.º 2 do CPTA e 9° da Lei n° 107/2001, de 8 de Setembro, como preliminar da acção administrativa comum de condenação à adopção e abstenção de comportamentos (entretanto intentada), requerendo o decretamento da providência cautelar de intimação para abstenção de conduta por violação ou fundado receio de violação de normas de direito administrativo, com pedido de decretamento provisório, nos termos do art.º 131.º/1/CPTA, contra o Ministério das Finanças, o Secretário de Estado da Cultura, a Direcção Geral do Património Cultural, P..., SA, a P..., SA, e a Leiloeira C....

Tendo o Requerente MºPº invocado na Petição Inicial, a seguinte factualidade e legislação aplicável:
- O Ministério das Finanças é responsável pela gestão do património do Estado e através da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças é o accionista único da P..., SA, P..., SA e P..., SGPS, SA. (Dec. Lei n.º 117/11, de 15 de Dezembro).

- O Despacho nº 4326/2012, de 27 de Março, publicado no D.R. II série nº 63, que republicou o Despacho nº 12907/2011, de 14 de Setembro, estabelece que constituem atribuições do Ministério das Finanças em matéria de Tesouro e Finanças, designadamente:
“Exercer a tutela das empresas públicas, isoladamente ou em conjunto com o membro ou membros do governo responsáveis pelo respectivo sector de actividade”
(…)
“Exercer a função accionista do Estado”.
- Nos pontos 2 e 2.2 do referido Despacho foi ainda delegado na Secretária de Estado do Tesouro e das Finanças o exercício dos poderes de tutela das entidades públicas empresariais e da função de accionista do Estado.

- Nos termos da Lei Orgânica do XIX Governo Constitucional, aprovada pelo DL n.º 86-A/2011, de 12 de Julho, com as alterações constantes do DL n.º246/2012, de 13 de Novembro, DL n.º 29/2013, de 21 de Fevereiro e DL n.º 60/2013, de 9 de Maio, o Secretário de Estado da Cultura é responsável pela gestão do património cultural dispondo de competências delegadas para a definição e execução de políticas de desenvolvimento cultural, de incentivo à criação artística e à difusão e internacionalização da cultura e da língua portuguesa e ficando sob a sua superintendência e tutela os serviços, organismos e estruturas integrados ou dependentes do extinto Ministério da Cultura – art. 10º, n.º 14 da citada Lei Orgânica.

- Ao Secretário de Estado da Cultura compete ainda a definição das orientações estratégicas das empresas do sector empresarial do Estado com atribuições no domínio da cultura, bem como o acompanhamento da execução de tais orientações – cfr. artº 33º do DL n.º 126 – A/2011, de 29/12.

- Também a Lei Orgânica da Direcção-Geral do Património Cultural, aprovada pelo Dec. Lei nº 115/2012, de 25 de Maio, dispõe, no artº 2º, que:
2 — A DGPC prossegue as seguintes atribuições:
a) Assegurar o cumprimento das obrigações do Estado no domínio do inventário, classificação, estudo, conservação, restauro, protecção, valorização e divulgação do património cultural móvel e imóvel, e também no domínio do estudo, valorização e divulgação do património imaterial;
b) Propor a classificação de bens imóveis, de interesse nacional e de interesse público, e a fixação das respectivas zonas especiais de protecção, bem como propor a classificação e realizar a inventariação sistemática e actualizada dos bens que integram o património cultural móvel e imaterial, assegurando o registo patrimonial de classificação e o registo patrimonial de inventário dos bens culturais objecto de protecção legal;
[…]
i) Assegurar o acompanhamento do comércio de bens culturais, bem como os procedimentos relativos à exportação, expedição, importação e circulação de bens culturais móveis e exercer o direito de preferência na aquisição de bens culturais, nos termos da lei;

- Competindo ao Diretor-Geral, nos termos do artº 4º:
1 — Sem prejuízo das competências que lhe forem conferidas por lei ou nele delegadas ou subdelegadas, compete ao diretor -geral:
c) Aplicar as medidas preventivas e provisórias necessárias à proteção e integridade dos bens culturais imóveis ou de outros bens onde se presuma a existência de bens culturais;
e) Exercer o direito de preferência sobre bens culturais, na sua área de intervenção, nos termos da lei;
i) Assegurar e coordenar a instrução dos procedimentos administrativos de classificação e inventariação;
k) Aplicar as medidas previstas na lei, adequadas e necessárias à protecção e integridade dos bens culturais móveis, incluindo a proposta de depósito coercivo;

- No quadro da nacionalização e reprivatização do B... (através da Lei n.º 62/2008, de 11 de Novembro; DL 2/2010, de 5 de Janeiro e pelas Resoluções do Conselho de Ministros n.º 57-B/2010, de 16 de Agosto e n.º 80/2010, de 12 de Outubro), foi determinada a adopção de certas medidas destinadas a garantir a execução da operação com minimização do esforço financeiro do Estado, permitindo simultaneamente recolocar no mercado uma instituição devidamente capitalizada (pelos Despachos do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças n.ºs 739/10-SETF, de 19/17/2010 e 875/10-SET de 19/08/2010).

- A P..., SA e a P..., SA, sociedades anónimas constituídas por escritura pública em 16 de Setembro de 2010 são entidades públicas reclassificadas no perímetro das contas públicas, integrantes do sector empresarial do Estado – conferir DL n.º 558/99, de 17 de Dezembro, posteriormente alterado (e republicado) pelo DL n.º 300/2007, de 23 de Agosto e Despacho n.º 825/11-SETF de 3 de Junho de 2011.

-Estas sociedades foram constituídas para absorver os denominados activos tóxicos do B... (no âmbito do processo de reestruturação financeira do B..., com o objectivo de dar início ao processo de reprivatização do Banco) e o seu objecto social consiste na prestação de serviços de consultoria, aquisição para as sociedades de títulos ou de créditos e correlativa gestão da carteira de títulos ou de créditos pertencentes às sociedades – cfr. Despacho n.º 825/11 –SETF, de 3.06.2011; estatutos; pág. 7 do relatório de gestão da P..., de 24.04.2013.

- Pelo Despacho n.º 825/11 – SETF, de 3.06.2011 (informação n.º 516/2011, da DGTF, de 2.06.2011, no âmbito do Memorando designado por “ MEMORANDUM OF UNDERSTANDING ON SPECIFIC ECONOMIC POLICY CONDITIONALITY” de Maio de 2011 – que previu o encerramento do processo do B... até final de Julho de 2011, através do lançamento de um novo procedimento de alienação das respectivas acções por parte do Estado – foi decidida a aquisição, pelo Estado, de acções representativas do capital social das referidas sociedades.

- De acordo com o mesmo Despacho aquela operação subsume-se à actividade de gestão de activos financeiros do Estado, expressamente prevista na Lei Orgânica do Ministério da Finanças. Foi, simultaneamente, determinado que o montante despendido com a aquisição de tais participações sociais fosse financiado com recurso a verbas do Orçamento do Estado, inscritas no Capitulo 60º (Despesas Excepcionais) / Divisão 01/ Subdivisão 05 – Activos financeiros, a rubrica com classificação funcional 1.01.1 e económica 09.07.02.8000, correspondente a Dotações de Capital – Empresas públicas não financeiras.

- A aquisição, assim decidida, da totalidade das acções representativas do capital social da P..., SA e da P..., SA, veio a concretizar-se em 14 de Fevereiro de 2012, tendo o Estado português, através da Direcção Geral do Tesouro e Finanças, assumido directamente todos os direitos e obrigações daquelas sociedades “veículo”.

- A missão e objectivos estratégicos da P..., SA e da P..., SA são os mesmos desde a sua constituição, tal como foram delineados pelo Estado português, ou seja: aquisição de créditos do Grupo B..., no âmbito da nacionalização e venda deste, centrando-se tais missão e objectivos na gestão e cobrança dos créditos adquiridos, para pagamento das dívidas contraídas (à C... e ao Estado) para os adquirir – cfr. Relatório e Contas da P..., 2011.

- No ponto 4 da pág. 1 do Relatório e Parecer do Conselho Fiscal da P..., SA, relativo ao exercício de 2012, refere –se expressamente que a sociedade se encontra sujeita não só aos respectivos estatutos e às normas legais relativas às sociedades anónimas – designadamente ao Código das Sociedades Comerciais – mas também, entre outras, ao Regime Jurídico do Sector Empresarial do Estado e das Empresas Públicas, às normas legais aplicáveis à actividade da gestão e cobrança de créditos, à legislação referente ao controlo financeiro do Estado exercido pelo Tribunal de Contas e aos Normativos do Banco de Portugal relativos à centralização de riscos de crédito.

-Com referência à Resolução do Conselho de Ministros nº 49/2007, de 28 de Março - que define os Princípios de Bom Governo aplicáveis, quer à actuação do Estado enquanto accionista e responsável pela defesa dos interesses públicos legalmente consagrado, quer à actuação das empresas do Estado - a P... SA obriga-se ainda ao cumprimento das orientações estratégicas definidas pelo accionista para a empresa e para o sector empresarial do Estado -pág. 1 do relatório e Parecer do Conselho Fiscal relativo ao exercício de 2012 (doc. 1)

- De acordo com o Relatório de Gestão de 24.04.2013, a P..., SA, recebeu, no final de 2012, em dação em pagamento 68 das 85 obras da colecção de quadros do pintor ..., do mesmo relatório constando também que actualmente 72 obras são detidas pela P..., SA e as restantes 13 pela P..., SA.(doc.2)

- Por carta de 3 de Dezembro de 2012, dirigida pelas sociedades K…, T… e Z… à P..., SA, na pessoa do seu Presidente do Conselho de Administração, aquelas sociedades informaram que, para pagamento da totalidade da dívida contraída ao B... (e incluindo a dívida da sociedade E…), na sequência de contratos de abertura de crédito, “aceitam dar em pagamento (…) as obras de arte que constituem o Anexo I a esta carta”. (doc.3)

- A P..., SA, em declaração assinada por dois dos seus administradores, aceitou a “dação em pagamento para extinção total das aludidas responsabilidades” das sociedades K..., T..., Z... e E..., “no valor de 62.386.996,35 euros” e mais se comprometeu, caso o preço de venda das obras de arte constantes do Anexo I viesse a ser superior ao valor da dação em pagamento (majorado com o valor dos juros contratuais apurados até à data da dação), a depositar o valor excedente (descontadas todas as despesas e impostos suportados quer com a dação, quer com a guardas das obras, quer com a venda) “numa conta bancária titulada pela P..., SA para aplicação do mesmo no pagamento (…) de créditos da P..., SA sobre empresas a indicar pelas proponentes, sendo a decisão de afectação tomada de comum acordo entre a P..., SA e as proponentes”.

- O Anexo I – Relação de Obras de Arte ...” à citada carta, enviada pelas sociedades K..., T..., Z... à P..., SA, inclui oitenta e cinco obras de arte, sendo indicada a sociedade Z... como proprietária de 41 dessas obras.

- Em 16 de Outubro de 2002, a “Z...” dirigiu uma carta ao B..., pretendendo colocar 41 obras de ... no mercado Europeu, propondo o seguinte:
a) As obras deveriam ser objecto de exportação temporária para Portugal, ficando à guarda do B...;
b) As obras ficariam disponíveis, sempre que fosse necessário, para exposições públicas na Europa;
c) Para a eventualidade das obras de arte não serem vendidas até Outubro de 2003, o B... concederia um empréstimo até 18 milhões de euros, ficando com as obras como garantia;
d) As obras deveriam ser autenticadas por J..., especialista das Obras de ..., antes da exportação para Portugal-cfr. Fls( doc. 4).

- Em 30 de Outubro de 2002 o B... responde à “Z...” dizendo que poderia ter interesse na operação, se cumprissem as seguintes condições:
a) As 41 pinturas deveriam ser objecto de seguro;
b) O B... aceitava ser depositária das mesmas mediante o pagamento de uma comissão de 2% do respectivo valor;
c) As 41 pinturas seriam avaliadas em valor superior a 5% a acrescer ao valor do empréstimo;
d) O B... cobraria uma comissão de 5% na eventualidade da venda das obras.- Fls. 51.
A “Z...” aceita as condições da operação em 18 de Novembro de 2002 - Fls.53.

- Em Janeiro de 2003, o B... procede à importação temporária das 41 obras de ..., ficando com as mesmas à sua guarda, tendo o transporte sido efectuado pelo transitário “R.. - Fls. 154 a 156 e 166 (doc.5)

- As 41 obras de ... foram objecto de importação temporária para Portugal em 9 de Janeiro de 2003, não tendo saído da posse do B... desde essa data - cfr.Fls 166.

- Como se comprova do catálogo da C... sob o título – “..., Seven Decades of his Art”, Property Sold By Decision of Portuguese Republic – junto à Providência Cautelar nº 246/14.5BELSB, da 2ª U.O., por ordem da respectiva Juiz titular, constam diversas obras admitidas em território português desde 2003, a começar pela obra constante da capa do catálogo e descrita a fls. 128 do mesmo, sob o nº

- E ainda, entre outras, as obras nº 134, 290, 289, 136, 138, 140, 141, 142, 455, 293, 294, 295, 292, 300, 149, 458, 308, 309, 150, 312, 314, 315, 318, 317, 154, 321, 322, 320, 323, 326, 327, 288, 302, 305, 311, 152, 316, 324, 325, 330, todas do mencionado catálogo.

- A actividade da Direcção Geral de Activos, da P..., SA, doravante designada DGA, iniciou-se em pleno no decorrer do 3º quadrimestre de 2012, tendo como missão a gestão corrente e estratégica do património proveniente do espólio do B..., SA, nomeadamente nas áreas dos activos financeiros, activos imobiliários, obras de arte e moedas que constam dos activos da P...

- No final do ano de 2012, o valor estimado para o património da P... em obras de arte era de € 62.366.996 (activo bruto) e € 36.166.741 (activo líquido) – pág. 24 do Relatório de Gestão da P..., SA.

- O Plano de Actuação relativo ao portfólio das obras de arte “prevê a necessária reavaliação, para promover (…) o processo de alienação do acervo” – pág. 25 do Relatório de Gestão da P....

- No 3º parágrafo da pág. 25 do mesmo Relatório de Gestão consta igualmente que “relativamente à colecção ..., a tomada de posse efectiva da totalidade do portfólio ocorreu apenas no passado mês de Dezembro, pelo que se prevê a curto prazo o início do processo de alienação”.

- Referindo-se também que “a colecção integral é assim, composta por 85 obras que representam a maior colecção privada mundial deste artista” – pág. 25 do citado Relatório de Gestão.

- Na “Introdução” ao “Relatório de Visitas – Colecção ...”, elaborado pela DGA em Setembro de 2013 e anexo ao “Relatório Final” apresentado pelo júri no âmbito do “Procedimento de Ajuste Directo para Celebração de um Contrato de Prestação de Serviços para a Colocação de Obras de Arte em Leilão” diz-se o seguinte: “No âmbito da Resolução do Exmº Conselho de Administração e em consonância com as orientações específicas da Tutela, procedeu a DGA à preparação e efectivação de reuniões de trabalho com as leiloeiras internacionais, candidatas à realização de um contrato de prestação de serviços para colocação da colecção ... em leilão”. “Todas as leiloeiras mostraram verdadeiro entusiasmo perante a colecção, pela sua importância e valor, no contexto da arte surrealista, em que ... ocupa um lugar cimeiro” – pág.3 do “Relatório de Visitas Colecção ..., Direcção de Gestão de Activos (DGA) – Set. 2013 (doc. Nº6).

- O procedimento de ajuste directo n.º nº 1/2013, para a celebração de contrato de prestação de serviços para colocação de obras de arte em leilão, foi concluído com a “adjudicação da venda da colecção Miro” à leiloeira C....
Desconhece-se o teor do contrato celebrado entre a C... e a P..., SA.

-Todavia, “O Memorando” de 7 de Novembro de 2013, respeitante à avaliação das “vantagens e desvantagens das propostas contratuais apresentadas pelos dois concorrentes finais”, elaborado pelo escritório de advogados que prestou assessoria externa jurídica ao júri do procedimento, assinala, relativamente à “Proposta C... (Anexo XVI):
- “A proposta não segue o modelo contratual proposto pelas entidades contratantes onde o contrato de prestação de serviços seria o contrato base, posteriormente completado por anexos ao contrato onde se incluiriam as condições comerciais com compradores e vendedores”;
-“ A C… pretende seguir o seu próprio modelo contratual, onde a minuta de contrato de prestação de serviços é um mero anexo”, dificultando a percepção de que este é o “contrato base (…) que regula o essencial da relação comercial”;
- “Para além da estrutura se tornar, assim, muito menos clara e defensiva para as entidades contratantes, na medida em que o contrato base é remetido para mero anexo, não é claro que esse contrato prevaleça sobre as condições comerciais”, sendo certo que a C… estabelece “o limite de Eur 54.388.181,00 à sua responsabilidade, o que corresponde a fazer prevalecer as suas condições comerciais sobre o contrato de prestação de serviços”;
- “A C… não aceita duas cláusulas que já constavam do Caderno de Encargos, relativas a penalidades e execução de garantias, o que poderá ser problemático, na medida em que no convite a contratar não só não se previa a possibilidade de apresentação de propostas variantes ou condicionadas, como expressamente se referia que as propostas deveriam respeitar o conteúdo do caderno de encargos”.

- Mais salienta o aludido “Memorando” que a eventual adjudicação e consequente celebração de um contrato divergente do caderno de encargos seria violadora do princípio da igualdade e colocaria “em crise todo o procedimento”, relembrando ainda, “a este propósito, que, sendo as entidades contratantes de capitais integralmente públicos, deverão fazer observar os princípios gerais que regem a actividade administrativa”.

- Na sequência da “adjudicação da venda da colecção ...”, a C... colocou, em Janeiro de 2014, 85 obras de ... em Londres, com vista à realização de um leilão agendado para 4 e 5 de Fevereiro passado, sem que se fizesse acompanhar as obras das correspondentes guias de transporte e seguros.

- As obras foram retiradas do leilão, por iniciativa da leiloeira C... , e enviadas para Portugal. Recentemente, os órgãos de comunicação social noticiaram amplamente que a referida leiloeira iria colocar novamente as obras de arte no exterior com vista á realização de novo leilão no mês de Junho, e que tal ocorreria até ao final do mês de Abril.

- A factualidade supra descrita revela que não tem sido considerada, relativamente às 85 obras do artista … a sua natureza de bens culturais móveis, que os distingue de mercadorias ou bens de equipamento.

- Com efeito, se quanto a estes últimos bens deve privilegiar-se a segurança do comércio jurídico e a rapidez das transacções, nos bens culturais confrontam-se outros valores, que condicionam, necessariamente, a transferência.

- Não foram, designadamente, tidos em conta os valores e pressupostos constantes da Lei de Bases do Património Cultural, Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro (doravante designada LBPC), lei de valor reforçado, que visa assegurar, no Território Português, a efectivação do direito à cultura e à fruição cultural e a realização dos demais valores culturais e das tarefas e vinculações impostas, neste domínio, pela Constituição e pelo Direito Internacional.

- A LBPC perspectiva o bem cultural como categoria inegavelmente mais ampla do que bem classificado ou em vias de classificação, não autonomizando a noção de património cultural nem pretendendo significar que o âmbito de protecção dos bens culturais se restringe a bens culturais classificados ou em vias e classificação.

- O Direito Internacional, v.g. a Convenção da UNESCO de 1970, ratificada em 1985, e a Convenção Unidroit de 1995, ratificada em 2002, reforça um tal entendimento. Acrescem ainda as normas de Direito da União Europeia, v.g. o Regulamento (CE) n.º 116/2009 do Conselho, relativo à Exportação de Bens Culturais e a Directiva n.º 93/7/CEE do Conselho, sobre a restituição de bens culturais que tenham saído ilicitamente do Território de um Estado Membro alterada posteriormente, em 1997 e 2001.

- Neste sentido, o artigo 2º da LBPC, sob a epígrafe «Conceito e âmbito do Património Cultural», dispõe no seu nº 1 que «integram o património cultural todos os bens, que sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização».

- Estatuindo o artigo 14º, nº1 da mesma lei, que se consideram «bens culturais os bens móveis e imóveis que, de harmonia com o disposto nos n.ºs 1, 3 e 5 do artigo 2º representem testemunho material com valor de civilização ou de cultura».

- Determinando o artigo 16º, n.º 3, também da LBPC, sob a epígrafe “Formas de protecção dos bens culturais”, que “A aplicação de medidas cautelares previstas na lei não depende de prévia classificação ou inventariação de um bem cultural”.

- Definindo igualmente a LBPC, no seu artigo 11º, sob a epígrafe “Dever de preservação, defesa e valorização do património cultural” e em consonância com o disposto no artigo 78º da Constituição da República Portuguesa, que “Todos têm o dever de preservar o património cultural”, designadamente “não contribuindo para a sua saída do território nacional em termos não permitidos pela lei”- vide Acórdão do Pleno da Secção do STA, processo nº0672/02 de 24/11/2004.

- Por outro lado, o património cultural de um país não se circunscreve à nacionalidade dos autores das obras. A menos que se pretenda defender a devolução do quadro de Bosch do Museu de Arte Antiga ou a transferência para Itália da própria Mona Lisa.

- Nos termos do artigo 55º, n.ºs 2 e 3 da LBPC, consideram-se “bens culturais móveis integrantes do património cultural” aqueles que, “não sendo de origem ou de autoria portuguesa, se encontrem em território nacional e se conformem com o disposto no n.º 1 do artigo 14º».

- O Direito à Cultura é um verdadeiro direito fundamental, integrado no Capítulo da Constituição da República Portuguesa intitulado “Direitos e Deveres Culturais”, incumbindo ao Estado “promover a salvaguarda e a valorização do património cultural” e
“articular a política cultural e as demais políticas sectoriais” (artigo 78º, n.º 2, als. c) e e) da CRP).

- No cumprimento destas disposições constitucionais a LBPC define, no seu artigo 3º, sob a epígrafe “Tarefa Fundamental do Estado”, que “O Estado protege e valoriza o património cultural”, constituindo um dever seu “o conhecimento, estudo, protecção e valorização do património cultural”.

- O dever, imposto no artigo 64º da LBPC, de comunicação da exportação e da expedição temporária ou definitiva de bens que integram o património cultural, ainda que não inscritos no registo patrimonial de classificação ou inventariação, não constitui, assim, um mero “formalismo”, antes o seu cumprimento visa salvaguardar o interesse público, constitucional e legalmente estabelecido, de protecção do património cultural.

- A imposição deste dever tem por objectivo permitir que a Administração, através dos órgãos competentes, avalie do interesse cultural de determinados bens e tome, eventualmente, medidas provisórias (que não dependem da prévia classificação ou inventariação) visando a protecção do património cultural.

- Para garantir a defesa do interesse público da protecção dos bens culturais ou outros valores integrantes do património cultural, é reconhecido aos administrados “o direito de participação procedimental e de acção popular” (art. 9º,n.º 2 da LBPC).

- É reconhecido aos administrados, expressamente, o direito a impulsionar a abertura de um procedimento administrativo com o objectivo de se estabelecer se certos bens culturais merecem ou não ser classificados (art. 25º, n.º 1 da LBPC).

- Constituindo a “classificação” o “acto final do procedimento administrativo mediante o qual se determina que certo bem possui um inestimável valor cultural (art. 18º, n.º 1 da LBPC).

- O acto administrativo que ordena a abertura do procedimento impulsionado nos termos do n.º 1 do artigo 25º da LBPC é um acto vinculado, conforme decorre do disposto no número 5 do mesmo artigo: “Um bem considera-se em vias de classificação a partir da notificação ou publicação do acto que determine a abertura do respectivo procedimento, nos termos do número 1 do presente artigo, no prazo máximo de 60 dias úteis após a entrada do respectivo pedido”.

- Sendo certo que os bens em vias de classificação ficam sujeitos a um regime especial, nos termos da lei (n.º 4 do artigo 25º da LBPC).

- Nomeadamente, nos termos do artigo 65º, n.º1 da LBPC, é interdita a saída do território nacional de bens classificados como de interesse nacional ou em vias de classificação como tal.

- Dependendo de autorização ou licença da administração do património cultural a exportação e a expedição definitivas ou temporárias de bens classificados como de interesse público ou em vias de classificação como tal (art. 66º, n.º 1 da LBPC).

- Conforme salientado por técnicos no âmbito de procedimento que correu termos na DGPC, o acervo de 85 obras em causa é constituído por pinturas, desenhos, colagens, esculturas – assemblages e objectos de autoria de ... e, no seu conjunto, permite compreender as diversas fases e processos de trabalho deste importante representante do modernismo.

- O conjunto de pinturas de ... provém da maior colecção privada do mundo sobre este artista, adquirido pelo empresário K…, em 1990, à família de P… e constituía parte dos fundos da sua galeria de Nova Iorque – parecer de P... (doc. 7)

- Trata-se de um conjunto amplo e extremamente significativo de obras que representam as mais diversas fases do artista, um dos nomes maiores e mais universais de Arte Moderna do século XX – conferir parecer de P....

- Mesmo numa selecção tão específica como foi a recente retrospectiva “Painting and Anti-Painting 1927-1937”, que o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque dedicou ao artista em 2008, três obras deste núcleo integraram a referida exposição.

- É considerado que o bem em causa, um vasto conjunto de 85 obras de arte (entre pinturas, desenhos, colagens, esculturas/assemblages e objectos) da autoria de ..., representando algumas das mais importantes fases da sua produção artística, reveste-se de “inestimável valor cultural”- conferir parecer de D… (doc.8)

- E que da eventual degradação, extravio ou saída definitiva do bem do território nacional decorrerá “perda irreparável” para o património cultural, nos termos a que se refere o número dois do artigo 18.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro (LBPC).

- Também no Relatório da Direcção Geral de Activos da P..., produzido no âmbito do Procedimento de Ajuste Directo para a colocação das mesmas 85 obras de arte em leilão, foi registado tratar-se de “colecção” com “importância e valor no contexto da arte surrealista em que ... ocupa um lugar cimeiro”.

- Existem, pois, indícios muito fortes de que se trata de bens móveis abrangidos pelos artigos 2º e 15º da LBPC, integrantes do património cultural e portadores de interesse cultural relevante, não devendo tais bens ser tratados como simples mercadoria objecto de comércio jurídico.
- - -O legislador sujeitou estes bens ao regime específico de direito público, característico da dominialidade, em termos de os mesmos se encontrarem, senão sujeitos a um direito de propriedade pública, pelo menos submetidos a um poder particularmente intenso de uma entidade administrativa.

- O próprio direito comunitário não deixa de ser sensível a estes aspectos, designadamente quando permite, no artigo 30.º do Tratado da Comunidade Europeia, a elaboração de regulamentações nacionais destinadas a proteger o património nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico, mesmo que contenham restrições à entrada e saída de mercadorias proibidas pelos artigos 25.º e seguintes.

- Salientando a inaplicabilidade do princípio da livre circulação de mercadorias aos bens pertencentes ao Estado, de acordo com as legislações nacionais – in “o Domínio Público –O Critério e o Regime Jurídico da Dominialidade”, Ana Raquel Gonçalves Moniz págs 257 e ss.

- Sendo dever do Secretário de Estado da Cultura e da Direcção-Geral do Património Cultural, promover a protecção dos referidos bens culturais, mediante a abertura de procedimento administrativo de classificação.

- Acresce que foram apresentados pelo menos dois pedidos de inventariação e classificação das referidas obras de arte, formulados ao abrigo do disposto no art. 25º da LBPC (Docs 9e10)


- Pelo que a administração do património cultural, por se tratar de um poder vinculado, tem o dever de iniciar o procedimento de inventariação e classificação, com a subsequente instrução e decisão, como decorre aliás dos artigos 25º, 26ºe 27º,28º,29º e 30º, todos da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro.

- Por outro lado, como atrás se demonstrou, as RR P..., SA e P…, SA, não são “particulares”, na acepção da LBPC. São entidades públicas reclassificadas no perímetro das contas públicas, integrantes do sector empresarial do Estado, detidas exclusivamente pelo Estado, instituídas para finalidades públicas.

- E mesmo que se entendesse que se está perante um pedido formulado por particulares, porque formulado alegadamente por meras empresas privadas, o que como vimos não é o caso, as referidas sociedades não teriam fundamento para se opor à classificação das mencionadas obras de arte porque as mesmas se encontram em território nacional há mais de dez anos.

- Com efeito, há que salientar que, tratando-se de obras de arte admitidas em Portugal há mais de 10 anos, não é aplicável a regra constante do art.º 68º n.º 2 al. b) da LBPC.

- O Estado adquiriu a totalidade das acções representativas do capital social da P..., SA e da P..., SA e exerce, por isso, um poder de domínio total sobre as referidas entidades, instituídas para finalidade públicas sob a forma de sociedades comerciais.

- Decorrendo do Dec. Lei n.º 133/2013, de 3/10, designadamente do estatuído no artº 37º n.º 1, que a função accionista é exercida pelo titular da participação social, neste caso pelo Estado “através da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, sob a Direcção do Ministro das Finanças”, com faculdade de delegação (art. º 10º, n.º 1 do Regime Jurídico do SEE).

- Mesmo nos casos em que a função accionista é exercida pelos órgãos de administração respectivos – sujeitos, nos termos do artigo 15º do Regime Jurídico do SEE, ao estatuto do gestor público estabelecido pelo DL 71/2007, de 27 de Março - deve-o ser com respeito pelas orientações transmitidas pelo membro do governo responsável pela área das Finanças, com faculdade de delegação (art. 39º do DL n.º 133/2013).

- O Estado Português exerce também relevantes poderes de superintendência e tutela sobre as sociedades P..., SA e P…, SA, designadamente:
1) Poderes de orientação de gestão, gerais e específicas (artº 11º do Dec. Lei nº 558/99);
2) Poderes de controlo financeiro, exercidos pela Inspecção-Geral das Finanças, que compreendem designadamente a análise de sustentabilidade e a avaliação de legalidade, economia, eficiência e eficácia da sua gestão (artº 11º do Dec. Lei nº 558/99).

- A utilização do direito privado, por parte da Administração, para a gestão de tarefas que continuam, materialmente, a ser públicas (administrativas), não afasta o cumprimento das obrigações da Administração para com o interesse público e os direitos e interesses legítimos dos administrados.

- Salientando-se, de entre os limites de direito público que não podem ser postos de lado, o respeito pelo princípio da prossecução do interesse público e pelos princípios gerais da actividade administrativa, os quais, em face do n.º 5 do art. 2º do CPA, “são aplicáveis a toda e qualquer actuação da administração pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada” (cfr. José Eduardo Figueiredo Dias, Fernanda Paula Oliveira, in “Noções Fundamentais de Direito Administrativo”, Almedina, 2010, 2ª Edição, pág. 111).

- Acrescendo, no caso concreto, que disposições de Direito Administrativo vinculam a administração do património cultural a determinar a abertura e instrução de um procedimento de classificação, já impulsionado, para defesa do interesse público, nos termos do art. 25º, n.º 1 da LBPC e impõem que a apreciação e decisão da expedição temporária/definitiva/exportação do acervo de obras de ... ocorra no âmbito desse procedimento cujo início é obrigatório.

- Não podendo a administração do património cultural olvidar que o vasto conjunto das 85 obras de arte de ... representa algumas das mais importantes fases da sua produção artística e é considerado como revestindo “inestimável valor cultural”, pelo que a sua eventual degradação, extravio ou saída definitiva do território nacional é suscetível de constituir “perda irreparável” para o património cultural, nos termos do artigo 18.º, número 2 da LBPC.

- As obras de ... não podem, pois, voltar a sair de Portugal sem a obrigatória abertura do procedimento de inventariação e classificação.

- Nunca a P..., S.A, e a P…, SA, poderiam opor-se à classificação das 85 obras de ... por, além do mais, como referido nos artigos 30º, 31º, 32º, 33º, 85º, e 86º, pelo menos 41 das obras desta colecção se encontrarem em território nacional há mais de dez anos.

- A intimação dos Requeridos a absterem-se de colocar no mercado externo as obras de arte de ..., sem que se mostre concluído e decidido o procedimento de inventariação e classificação, deve ser decretada atendendo ao carácter manifesto das ilegalidades de que todo este processo enferma.
Do ponto de vista constitucional, constitui tarefa (fundamental) do Estado, promover a salvaguarda e valorização do património cultural e dos bens culturais, nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 78º da Constituição da Republica Portuguesa . A dimensão de protecção associada ao património cultural é uma dimensão clássica que não suscita quaisquer cisões.

- A Lei nº107/2001, de 8 de Setembro, que define as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural (Lei de Bases do Património Cultural - LBPC), estabelece um conceito amplo e abrangente de património cultural, que inclui tanto os bens materiais de interesse cultural relevante, móveis e imóveis, como os bens imateriais, caso da língua portuguesa.

- Da lei em geral, resulta um dever genérico de preservação, defesa e valorização do património cultural, segundo o qual todos têm o dever de preservar o património cultural, não atentando contra a integridade dos bens culturais, defendendo-o, conservando-o e impedindo a sua destruição, deterioração ou perda, e disponibilizando a sua fruição a toda a comunidade

- A propriedade de um bem cultural, quer se trate do Estado, quer de uma entidade pública ou de um particular, implica um feixe de direitos e deveres que acrescem aos resultantes da simples qualidade de proprietário.

- No caso do Estado, naturalmente, estes deveres surgem de uma forma bastante mais intensa (dir-se-ia que atingindo um máximo de intensidade).

- A protecção dos bens de interesse cultural pode afirmar-se concretizada, do ponto de vista formal, por duas vias: a classificação - reconhecimento, por ato administrativo, do valor cultural de um determinado bem, de acordo com um superior interesse público que o individualizou como sendo necessário preservar qualificadamente - e a inventariação - levantamento sistemático e completo dos bens culturais existentes e que, para além dos classificados, inclui outros bens com relevância cultural (nº 1 do artigo 16º LBPC).

- A inventariação (e, subsequentemente, a eventual classificação) dos bens culturais constitui um dever do Estado independentemente de quaisquer formalidades, bastando para tal o conhecimento da existência de bens de relevo cultural.

- Como decorre do já referido nº 1 do artigo 16º da LBPC, a protecção legal dos bens culturais assenta na classificação e na inventariação. Mais ainda, nos termos do 3 do mesmo artigo, «.A aplicação de medidas cautelares previstas na lei não depende de prévia classificação ou inventariação de um bem cultural».

- Neste contexto constitui um dever inultrapassável do Estado proceder à inventariação (e classificação) das obras de ..., previamente à decisão sobre o seu destino.

- Como resulta do 1 do artigo 25º da LBPC, «0 impulso para a abertura de um procedimento administrativo de classificação ou inventariação pode provir de qualquer pessoa ou organismo, público ou privado, nacional ou estrangeiro».

- E apesar de solicitada a abertura do procedimento de inventariação e classificação das obras de ..., tal procedimento obrigatório não se mostra efectuado em violação ao estatuído nos artigos 25º a 30º da Lei de Bases do Património Cultural (LBPC).

- Em consequência, a colocação no mercado externo das obras do pintor ..., sem que previamente se tenha procedido à sua inventariação e classificacão constitui uma manifesta ilegalidade para efeitos da alínea a) do nº 1 do artigo 120ºdo CPTA.

- Tanto mais quanto, nos termos do já citado 3 do artigo 16º da LBPC, «A aplicação de medidas cautelares previstas na lei não depende de prévia classificação ou inventariação de um bem cultural»

- Pelo que é evidente a providência da acção a formular no processo principal face à manifesta Ilegalidade da colocação das obras do pintor J. ... no mercado externo, sem que previamente se tenha procedido à respectiva inventariação e classificação como claramente o impõe a LBPC.

- Tal é suficiente para assegurar o preenchimento do requisito do fumus bonus juris qualificado estabelecido na al. a) do nº1 do artigo 120º do CPTA e para excluir a ponderação dos critérios estabelecidos nas restantes alíneas e no nº2.

- Seja como for, sempre se deve dar por preenchido o requisito do fumus bonus juris (não qualificado) consagrado nas restantes alíneas do 1 do artigo 120º do CPTA.

- As alíneas b) e c) do nº1do artigo 120º, nº1,do Código do Processo nos Tribunais Administrativos exigem como requisito genérico da concessão de providências cautelares o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que os requerentes visam assegurar no processo principal - o que também é aqui o caso.

- A colocação das obras de arte de ... no mercado externo comprometeria gravemente o cumprimento dos deveres impostos pela LBPC, e reduziria a nada a concretização dos deveres de protecção do património cultural.

- O efeito útil das medidas cautelares necessárias não se compadece com a realização de tal leilão, sendo indispensável a prolação da decisão cautelar requerida como único meio de efectivação do direito invocado.

- Acresce que a colocação dos bens em causa no mercado externo será efectuada segundo um modelo que conduz necessariamente a um evidente prejuízo financeiro para os interesses do Estado Português.

- Desde logo porque a colocação no mercado das obras de arte, em bloco, dado o valor das obras, reduz sensivelmente a concorrência, dado que muito poucos pretendentes terão capacidade financeira para licitar.

- Como é óbvio, a concorrência e o potencial de valorização do acervo aumenta no caso de obras individuais ou lotes mais pequenos.

-Tendo em conta que a única razão para operação é a da recolha de meios financeiros suplementares, a metodologia escolhida é incompreensível e redundaria num prejuízo do interesse público.

- Por outro lado, os factos descritos anteriormente evidenciam uma enorme flutuação quanto à determinação do valor económico das obras, motivo pelo qual deixa de se ter qualquer parâmetro para aferir da vantagem ou desvantagem económica da alienação.

- Afirmar que se pretende obter um 'encaixe' de 35 M€, como tem sido alegado, nada significa se as obras em causa valerem bastante mais que isso. Ora, as avaliações iniciais apontavam para montantes superiores a 100 M€.

O pedido formulado foi o seguinte:
Pelo que deverá intimar-se:
1-O Secretário de Estado da Cultura a exercer os poderes de tutela, nomeadamente determinando à Direcção-Geral do Património Cultural a abertura do devido procedimento de inventariação e classificação, já impulsionado, nos termos dos artigos 25º a 30º da LBPC.
2-A Direcção-Geral do Património Cultural a assegurar e coordenar a instrução do procedimento administrativo de classificação e inventariação das obras de arte de ..., incluindo a obrigatória audição dos órgãos consultivos competentes (art. 26º, n.º 3 da LBPC).
3-O Ministério das Finanças, accionista único da P..., SA e P..., SA , através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, a exercer os poderes de superintendência e de tutela, através de orientações e instruções no sentido de não serem executadas as anunciadas decisões de venda enquanto não se mostrar produzido despacho ordenando a abertura do referido procedimento, subsequente instrução e decisão, proferida no exercício de poderes vinculados.
4-As empresas públicas P..., SA e P... SA a abster-se de colocar no mercado externo as obras de arte em causa enquanto não for produzido, pela administração do património cultural, despacho ordenando a abertura do procedimento administrativo anteriormente referido, e nesse âmbito, apreciado o pedido de expedição/exportação conforme expressamente impõe a LBPC.
5- A Leiloeira C... a abster-se de colocar no mercado as mesmas obras de arte enquanto não for produzido, pela administração do património cultural, despacho ordenando a abertura do procedimento administrativo anteriormente referido, e nesse âmbito, apreciado o pedido de expedição/exportação conforme expressamente impõe a LBPC.

Assim, do objecto do processo, tal como foi delimitado pelo requerente MºPº na PI, resulta que está em causa:

a - uma colecção de obras constituída por 85 quadros do pintor ... ..., considerada de inestimável valor cultural, que veio à posse e titularidade do Estado após a nacionalização do B... e que foi transportada para Londres, sem guias de transporte e seguros, sem decisão sobre a sua expedição/exportação e sem observância do formalismo fixado LBPC, na sequência de adjudicação da venda à leiloeira C…, com vista à realização de leilão (os leilões que estavam agendados só não foram realizados porque a C…, na sequência de providência cautelar instaurada pelo MºPº, retirou as obras de leilão);

b- O conjunto das 85 obras de arte da autoria de ..., com importância no contexto da arte surrealista em que ... ocupa um lugar cimeiro, representando algumas das fases mais importantes da sua produção artística, é portadora de interesse cultural relevante, sendo susceptíveis de integrar o património cultura português que o Estado visa promover, salvaguardar e valorizar nos termos do artigo 78º, nº2, als c) e e) da CRP e da LBPC e que o direito comunitário prevê – artº 30º do Tratado da Comunidade Europeia pelo que é necessária a sua inventariação e classificação;

c- a expedição/exportação de tais obras culturais está sujeita aos procedimentos previstos na LBPC, nomeadamente, ao imposto nos artigos 65º e 66º da LBPC que visam salvaguardar o interesse público constitucional e legalmente estabelecido, de protecção do património cultural;

d- mesmo não classificados nem em vias de classificação, a expedição/exportação de tais obras, porque consideradas bens culturais nos termos do artigo 14º da LBPC, sempre estaria sujeita aos procedimentos previstos no artigo 64º da LBPC, o qual permite que a Administração, através dos órgãos competentes, avalie do interesse cultural de determinados bens e tome medidas provisórias que não dependem da prévia classificação ou inventariação, visando a protecção do património cultural;

e- A colecção de obras em causa é propriedade do Estado a quem compete, do ponto de vista constitucional – artigo 78º, nº 2 al c) da CRP – promover a salvaguarda e valorização do património, sendo que, de acordo com a Lei nº 107/2001 de 8.9 que define as bases da politica e do regime de protecção e valorização do património cultural, tem de ser observado pela administração, pelas entidades públicas e pelas empresas que integram o sector empresarial do Estado, detidas exclusivamente pelo Estado e instituídas para finalidades públicas (como a P..., SA e a P...);

f- A Administração do Património cultural – GGPC – incluindo o seu Director – Geral , por se tratar de um poder vinculado, têm o dever de iniciar o procedimento de inventariação e classificação, com a subsequente realização da inventariação e classificação, incluindo a instrução e decisão, como decorre dos artigos 25º, 26º, 27º, 28 a 30º, todos da Lei nº 107/2001 de 8/09;



g- As Sociedades P... SA e a P..., SA, atento o regime que lhes é aplicável, não se podem opor ao procedimento previsto na LBPC ( que inclui, nomeadamente, a instrução, inventariação e classificação), nem podem obstar ao prosseguimento dos seus trâmites, em virtude de serem entidades públicas reclassificadas no perímetro das contas públicas, integrantes do sector empresarial do Estado, detidas pelo Estado e instituídas para finalidades públicas do Estado, estando, também elas adstritas ao cumprimento das funções que incumbem ao Estado, no âmbito da Constituição, de promoção, da salvaguarda e valorização do património cultural ;

h- não é aplicável o disposto no artigo 68º, nº2, al b) da LBPC porque, por um lado, o pedido formulado não foi feito por particulares e, por outro, as obras de arte foram admitidas em Portugal há mais de 10 anos, pelo menos;

i - a colocação dos bens em causa no mercado externo será efectuada segundo um modelo que conduz necessariamente a um evidente prejuízo financeiro para os interesses do Estado Português, desde logo, porque a colocação no mercado das obras de arte, em bloco, dado o valor das mesmas, reduz sensivelmente a concorrência, já que muito poucos pretendentes terão capacidade financeira para licitar, pois a concorrência e o potencial de valorização do acervo aumenta no caso de obras individuais ou lotes mais pequenos e, tendo em conta que a única razão para operação é a da recolha de meios financeiros suplementares.

j- Pelo que, a metodologia escolhida é incompreensível e redundaria num prejuízo do interesse público;

l- A colocação das obras de arte de ... no mercado externo comprometeria gravemente o cumprimento dos deveres impostos pela LBPC, e reduziria a nada a concretização dos deveres de protecção do património cultural.

O douto despacho/sentença submetido à apreciação do TCA Sul determinou a extinção da instância por inutilidade da lide, ordenando o arquivamento dos autos.

Para o efeito, como resulta da sua análise, o douto despacho/sentença considerou:
1 - factualidade relevante apurada em sede de decisão do pedido de decretamento provisório das providências requeridas (cfr. fls. 1316 e segs.) que, a seguir se indica, na parte que nos interessa:

a) Na sequência da nacionalização do B… (B...), foram constituídas, por escritura publica de 16.09.2010, as sociedades anónimas designadas P..., SA e P…, SA, para absorver os denominados activos tóxicos do B... (no âmbito do processo de reestruturação daquele Banco, com o objectivo de dar inicio ao processo de reprivatização do mesmo), sendo aquelas, sociedades de capitais exclusivamente públicos, o que se verificou quando o Estado adquiriu a totalidade das acções representativas do capital social da P..., SA, P..., SA, em 14.02.12, através da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças – DGTF -, sendo acionista único da P..., SA, P..., Sa e P..., SGPS, SA (cfr. Docs juntos com a pronúncia das Requeridas, certidões permanentes e escrituras públicas de constituição das sociedades – Despacho nº 825/11-SEFT de 3.6.2011, e por acordo das partes);
b) Do Relatório e Parecer do Conselho Fiscal da P..., Sa, relativo ao exercício de 2012, consta que, pela operação concretizada em 14.02.12 (referenciada em a), o Estado português assumiu, assim diretamente, todos os direitos e obrigações desta sociedade, e do Relatório de Gestão da referida sociedade, relativo ao ano de 2012, resulta que a P..., SA, integra o Sector Empresarial do Estado – SEE 8 docs 1 e 2 juntos com o requerimento inicial – cujo teor aqui se dá por reproduzido na integra).
c) O Ministério das Finanças, através da Direção Geral do Tesouro e finanças, é responsável pela gestão integrada do património do Estado e exerce a tutela sobre o Sector Empresarial do Estado ( SEE) e no tocante à função acionista ( vide DL nº 117/2011 de 5/12, que aprovou a L.O, do Ministério das Finanças, alterado pelo DL nº 200/12 de 27/08 – v.g. artºs 8º e 13º).

2 - a factualidade relevante, face aos elementos entretanto carreados aos autos, consubstanciada nas seguintes alíneas do probatório:
A. Por decisão prolatada nos autos em 26 de Maio de 2014, nos termos do art.º 131.°/6/CPTA, foi mantido o decretamento provisório da(s) providência(s) cautelar(es) requerida(s) - cfr. fls. 1316 e segs. dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido-, da qual foi interposto recurso, encontrando-se o mesmo pendente no TCA Sul (P.º 955/14.8BELSB-A).
B. Por despacho do Director-Geral do Património Cultural, de 21 de Julho de 2014 em cumprimento do despacho do Secretário de Estado da Cultura, de 18 de Julho de 2014 foi determinada a abertura do procedimento de classificação das 13 obras de ... pertencentes à P..., SA, ora Requerida (cfr. Doc. 1 junto com o requerimento da P... e P..., de fls. 1606 e segs, dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se da por reproduzido na íntegra).
C. Por despacho do Director-Geral do Património Cultural, de 21 de Julho de 2014, em cumprimento do despacho do Secretário de Estado da Cultura, de 18 de Julho de 2014, foi determinada a abertura do procedimento de classificação das 72 obras de ... pertencentes à P..., SA, ora Requerida (cfr. Doc. 2 junto com o requerimento da P... e P..., de fls. 1606 e segs. dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por reproduzido na integra).
D. Ambos os despachos de abertura dos procedimentos administrativos de classificação das obras em causa nestes autos, foram objecto de publicação em Diário da República - Anúncios n.ºs 197/2014 e 198/2014, respectivamente, publicados no DR, 2.ª Série, n.º 146, de 31/07/2014 (cfr. Doc. 3 junto com o requerimento da P... e P..., de fls. 1606 e segs. dos autos).
E. Em 19 de Agosto de 2014, pelo Director-Geral do Património Cultural, foram proferidas decisões de arquivamento dos procedimentos administrativos de classificação das obras em causa nestes autos, as quais foram objecto de publicação em Diário da República- conforme Anúncios n.ºs 215/2014 e 216/2014, publicados no DR, 2.ª Série, n.º 166, de 29/08/2014 (cfr. Doc. 1 junto com o requerimento da P... e P..., de fls. 1663 e segs, dos autos em suporte de papel).
F. Do supra referido arquivamento, foram as ora Requeridas P... e P... notificadas, através dos ofícios n.ºs 8453 e 8452, respectivamente, ambos datados de 19/08/2014, e com cópia das referidas decisões, exaradas sobre as Informações n.ºs 2007/DPIMI/2014 e 2006/DPIMI/2014, ambas de 12/0812014, das quais se retira que, o fundamento que esteve na base das decisões de arquivamento, foi a oposição expressa das ora Requeridas P... e P... à classificação das ditas obras de ... Míró, seja como bens móveis de interesse nacional, seja como bens móveis de interesse público, por se tratar de obras importadas há menos de 10 anos (cfr. Docs. 1 e 2 juntos pela Requerida DGPC, com o Seu requerimento de fls. 1766 e segs. dos autos em suporte de papel, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).
G. No processo cautelar n.º 246/14.4BELSB, foi proferida sentença em 24/09/2014, indeferindo a providência ali requerida (cfr. Doc. junto aos autos a fls. 1738 e segs, e respectivo processo no SITAF).
H. Em 27 de Outubro de 2014, deu entrada neste Tribunal o processo cautelar n.º 2527/14.8BELSB, no qual o ora Requerente Ministério Público, vem requerer a providência cautelar de suspensão de eficácia dos despachos de arquivamento dos procedimentos de classificação supra mencionados, como preliminar de acção administrativa especial de impugnação dos actos administrativos, que reputa de ilegais (cfr. requerimento inicial do aludido processo, no SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - facto que não carece de alegação, ao abrigo do art.º 412.º/2/CPC, ex vi art.º 1.º/CPTA e, encontrando-se tal articulado no SITAF, não se junta).

Como, acima se referiu, o douto Acórdão, ora recorrido, entendeu não padecer o despacho/sentença de nulidade ou erro de julgamento.

Contudo, face ao que acima indicou expressamente, verifica-se que o douto despacho/sentença, concluiu pela extinção da instância sem que tivesse em conta o objecto do processo, tal como foi delimitado pelo requerente e, consequentemente, sem ter resolvido questões suscitadas na PI, em violação do disposto no art.º 608º, nº2 e 615.º, n.º 1, al. d), ambos do CPC.

Tais questões, são as supras referidas em e-,f-,g- e h) e que estão relacionadas quer com a qualidade e funções do autor do despacho de arquivamento, liminar, quer com a qualidade e regime legal aplicável às sociedades P..., SA e P..., SA, em cuja manifestação de vontade, no sentido de oposição expressa à classificação das obras em causa como de interesse público ou nacional, assentou o despacho de arquivamento, que determinou o não prosseguimento do procedimento previsto na LBPC.

Mas, (mais!) as questões a resolver também estavam contidas na factualidade constante das alíneas a),b),c) e d) apurada no douto despacho/sentença, mas este olvidou-as, pelo que incorreu em ofensa ao disposto nos artigos 608.º, n.º 2, e 615, nº1, al d) do CPC.

Parece-nos, pois, não poder o douto despacho/sentença ter concluído pela extinção da instância, sem que, previamente tivesse resolvido as questões supra referidas.

Por outro lado, padece, também, o douto despacho/sentença, de contradição entre a factualidade apurada que considerou para a decisão (nomeadamente as alíneas a) a d) do probatório), pois refere que as obras em causa são pertença das sociedades P..., SA e P..., SA, sem que tenha indicado qualquer fundamento para chegar a tal conclusão, em violação do artigo 615º, nº1, al c) do CPC .

Em consequência, o douto Acórdão recorrido, padece dos mesmos vícios que se imputam ao douto despacho/sentença, porquanto, também ele, na decisão que proferiu, não teve em conta o objecto do processo, como deveria, nem teve em conta as questões que deveriam ter sido resolvidas pelo despacho sentença (suscitadas na PI), assim como não teve em conta toda a factualidade que tinha sido considerada pelo douto despacho/sentença para a sua decisão.

Limitou-se, salvo o devido respeito que é muito, o douto acórdão recorrido a considerar apenas, a factualidade resultante dos elementos entretanto vindos aos autos, ou seja, a constante dos supra referidos pontos de A. a H.

Igualmente, também, não teve em conta que o despacho/sentença incorrera em contradição entre a própria fundamentação da decisão e respectiva factualidade.

O que deveria, antes de concluir pela extinção da instância com base no despacho de arquivamento do Director – Geral do Património Cultural que obstou ao prosseguimento dos termos subsequentes do procedimento fixado na LBPC.


Nem, consequentemente, poderia o douto Acordão em crise, olvidar a legislação referente ao regime jurídico aplicável aos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º Requeridos, onde se incluem a P..., SA e P..., SA ( nomeadamente a Lei nº62/2008 de 11.11, o DL nº2/2010, as Resoluções do Conselho de Ministros nº 57-B/2010 de 16.8 e nº80/2010 de 12.10 bem como o DL nº558/99 de 17.17, posteriormente alterado e republicado pelo DL nº 300/2007 de 23.8, o Dec. Lei nº 133/2013 de 3/10, o Dec. Lei nº 71/2007 de 27.03 e despacho nº 825/11- STF de 3.6.20118 Informação da DGTF de 2.6.2011 bem como a Resolução do Conselho de Ministros nº 49/2007 de 28.03).

O douto Acórdão, recorrido, errou ao considerar que tendo sido aberto o procedimento de inventariação e classificação e arquivado, liminarmente, o fim pretendido com a providência cautelar foi alcançado.

Mas não será assim, porque o procedimento fixado na LBPC foi mandado abrir por Despacho do Secretário de Estado da Cultura mas não foi concluído, como se pretende na presente providência.

Para além de que, é de acentuar que do regime legal aplicável ao autor do despacho e ás referidas sociedades resulta que estão obrigados ao cumprimento e observância de todos os trâmites de tal procedimento, não podendo arquivá-lo, liminarmente, sem estar concluído nem podendo ser relevante qualquer manifestação de vontade no sentido de obstar aos seus trâmites e consequente conclusão nem à decisão sobre a expedição/exportação.

Por outro lado, não vemos como se possa concluir que a pretensão do requerente está satisfeita porque alcançou o fim visado com a providência, porquanto:

- O objecto da providência é exactamente o perigo da saída do território nacional de obras de J. ..., consideradas de inestimável valor cultural e patrimonial, susceptíveis de poderem vir a ser classificadas como bens móveis de interesse nacional ou de interesse público e, portanto susceptíveis de vir a enriquecer o património cultural que ao Estado Português compete constitucionalmente salvaguardar e proteger, sem que tenham tais obras sido sujeitas a decisão de expedição/exportação aos e aos termos do procedimento da LBPC;

- Tal como está delineada a venda em leilão das obras, o seu valor é suscetível de importar lesão para o interesse público.

E, não se diga, que o pedido formulado na acção subjacente á providência sempre conduziria a tal desiderato pois dele resulta:
- a condenação dos 3 primeiros Requeridos, á prática, no exercício das suas funções, da emissão de decisão no procedimento de inventariação e classificação, assegurando a respectiva instrução.
- a abstenção, pelos 4º, 5º e 6º RR., de colocação no mercado externo sem a conclusão do formalismo legal imposto.

Aliás, mesmo que tal se não entendesse, poderia ser possível a ampliação do pedido na acção subjacente, e até, caso a providência fosse procedente, não haveria impedimento à instauração de outra acção, nos termos do artº 371º, nº1 do CPC, para satisfação da sua pretensão.

Ao contrário do afirmado no douto Acórdão, ora recorrido, não será a providência cautelar de suspensão de eficácia dos despachos de arquivamento, requerida pelo MºPº, a prevenir o perigo da saída das obras em causa para fora do território nacional sem os formalismos exigidos por lei.

Refere, a este propósito, o douto Acórdão, ora recorrido, que caso tal providência seja declarada procedente e declarada a suspensão dos actos, ressurgem os efeitos dos despachos proferidos pelo Director – Geral do Património Cultural que ordenaram a abertura do procedimento de inventariação e classificação das 85 obras de J. ..., passando tais bens a estar em vias de classificação, de acordo com o nº1 do artº 25º da LBPC, sujeitos a um regime especial de protecção, nomeadamente no que toca à exportação e expedição, nos termos que resultam artigos 65º, nº1 e 66º da referida Lei.

Mas, de que serve ressurgirem os despachos de abertura nos procedimentos de inventariação e classificação das obras em causa e a consequente sujeição a regime especial de protecção, enquanto bens culturais em “ vias de classificação” se tais obras, entretanto, já não estiverem no território nacional ?

É que um há perigo concreto de que tais obras possam sair do território nacional, como resulta dos factos invocados na PI pelo requerente da providência e constantes da factualidade relevante ( adjudicação da venda da colecção ... à C… para leilão que esteve agendado mais de uma vez) e o receio efectivo de que mesmo que venha a ser declarada a suspensão dos despachos de arquivamento fiquem sem objecto os procedimentos de inventariação e classificação e também de expedição/exportação.

Parece-nos, salvo o devido respeito, ser irrelevante para aquilatar, no caso em apreço, da utilidade ou não da providência, a alegação constante do acórdão recorrido que a seguir se transcreve, sendo, para além, do mais tautológico:

“…Elabore-se o seguinte raciocínio partindo do pressuposto – especulativo – de acordo com o qual o recurso mereceria provimento. Então, nessa hipótese, o Tribunal, se verificados os pressupostos de que depende legalmente a adopção de providências cautelares, intimaria os requeridos com competência para tal, nos termos peticionados, a abrir novos procedimentos iguais aos que já foram abertos e arquivados, procedimentos que teriam, necessariamente, de terminar com uma decisão por parte da Administração; contudo nem nesta hipótese se poderia configurar, necessariamente, uma situação de inutilidade da lide dado que, seguindo esta linha especulativa, sempre poderia o ora recorrente invocar que os despachos finais a proferir em tais hipotéticos procedimentos padeceriam de vícios e que novos procedimentos deveriam ser (re)abertos, o que arrastaria ad eternum o processo até que a decisão se mostrasse, no entender do recorrente, isenta de qualquer invalidade, raciocínio hipotético que demonstra, no entender do Tribunal, não merecer provimento o presente recurso…”.

Não podemos concordar com tal raciocínio, desde logo, porque o Ministério Público, requerente da providência está sujeito a critérios de estrita legalidade e depois, porque o objecto da sua pretensão está devidamente delimitado, para além de que, tal raciocínio é suscetível de redundar na violação do direito à tutela judicial efetiva sendo de realçar que resulta da Constituição Portuguesa que incumbe ao Estado proteger e valorizar o património cultural, e articular a politica cultural com as demais politicas sectoriais ( artº 78º, nº2, alíneas c) e e) da CRP.

As providências cautelares destinam-se a evitar que o tardio julgamento do processo principal possa determinar a inutilidade da decisão neste proferida e que, por via disso, o interessado seja colocado numa situação de facto consumado ou numa situação em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilize a possibilidade de reverter à situação que teria se a ilegalidade não tivesse sido cometida.

A instância extingue-se por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277º al. e) do C. P. Civil, quando uma ocorrência jurídica torna a instância desnecessária, o que se não verifica no caso dos autos pelo que errou douto Acórdão ao não ter ordenado a baixa dos autos à 1ª instância para apreciação dos requisitos previstos no artigo 120º do CPTA ou, a não ter considerado verificados os mesmos.

Pelo exposto, o facto superveniente indicado como obstando ao prosseguimento da causa, não tem a virtualidade de permitir extinguir o direito que o Requerente visa acautelar pelo que ao decidir como decidiu o douto Acórdão recorrido violou os artigos 277º, al e), 608º, nº2, 615º, nº1, als c) e d) todos do CPC , 112º, nº1 e 2 al f) e 120º, todos do CPTA.

Caso assim se não entenda,
Estabelece o artº 6º,nº2 do CPC, no âmbito do dever de gestão processual que incumbe ao juiz que:
“2. O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.”

No caso em apreço, decidindo como decidiu violou o douto Acórdão, ora em crise, aquele preceito legal pelo que deveria o douto Acórdão ter ordenado a baixa à 1ª instância para cumprimento de tal preceito legal.

Caso assim se não entenda,

Deveria, ao menos, o douto Acórdão recorrido, suspender a instância, nos termos do nº1 e 3 do artº 273º do CPC, em virtude de ocorrência de causa prejudicial, decorrente da pendência da providência cautelar requerida para suspensão da eficácia dos Despachos em causa, a que alude o douto Acórdão (nº 2527/14,SBELSB).

Pelo exposto, deverá, o douto despacho, ora recorrido, ser revogado nos termos acima expostos.

II - Admissibilidade do recurso de revista e seus fundamentos:

O art.º 150º n.º 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, a título excecional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. A excecionalidade deste recurso tem sido reiteradamente sublinhada pela jurisprudência do STA, referindo que só pode ser admitido nos estritos limites fixados naquele preceito.

A jurisprudência desse Colendo Supremo Tribunal tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo artigo 150.° n.º 1 do CPTA, se verifica tanto em face de questões de direito substantivo, como de direito processual, sendo essencial que a questão atinja um grau de relevância fundamental, e é o caso, tanto mais que importa clarificar as questões jurídicas suscitadas que se podem equacionar em muitos outros processos.

Nos termos daquela jurisprudência, o preenchimento do conceito indeterminado da relevância jurídica fundamental, verifica-se, designadamente, quando se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e conjugação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina.

E, tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos.

Ora, no caso em apreço, estamos perante um contencioso que envolve interesses públicos muito relevantes do Estado Português, relacionados com o património cultural, sendo crucial a apreciação das questões em apreço, podendo subsistir dúvidas no seu tratamento e importando delimitar a interpretação a dar aos preceitos invocados como
na apreciação da factualidade que fundamentou a decisão e na errada interpretação das normas legais aplicáveis.

Pelo que, a intervenção do STA é de se considerar justificada in casu, atenta a assinalável relevância e a utilidade prática, podendo, para além do exposto, a decisão recorrida, a manter-se, constituir um clamoroso erro julgamento, se o recurso não for apreciado, devendo o douto Acórdão ser sindicado e
da justiça administrativa, pelo que, deverá ser admitido o presente recurso de revista, face à clara necessidade de uma melhor aplicação do direito em causa com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objetivo, e sendo necessária orientação jurídica esclarecedora que possa surgir do entendimento desse Supremo Tribunal – art.º 150.º, n.ºs 1, 2 e 4, do CPTA.


III – EM CONCLUSÃO:

1. Estão em causa questões relacionadas com o património cultural português e lesão de interesses patrimoniais do Estado Português, publicamente suscitadas e referentes à saída do território nacional e colocação para venda em leilão das obras do pintor J. ..., sem observância do procedimento fixado na LBPC;

2. Impondo-se a intervenção desse mais alto órgão de cúpula da justiça administrativa, face ao erro de julgamento clamoroso do Venerando Tribunal recorrido, com o prejuízo daí decorrente para interesses públicos de muito relevo e para dissipar dúvidas sobre a matéria em apreço e sobre o quadro legal que a regula, bastante complexos,

3 E dada a utilidade prática na apreciação das questões suscitadas, tendo em vista uma boa administração da justiça, e por ser necessária orientação jurídica esclarecedora do STA, devendo o recurso ser admitido, nos termos do art.º 150.º do CPTA;

4. Começaremos por dizer, de uma forma simples, salvo o devido respeito, que o douto Acórdão, ora recorrido, ao considerar não padecer o douto despacho/sentença que declarou extinta a instância por inutilidade, de nulidade ou erro de julgamento, deu relevo a uma palavra (“enquanto”), constante do pedido do requerente na PI,

5. Tendo considerado, apenas, uma parte da factualidade apurada no douto espacho/sentença, para concluir pela existência de facto superveniente, determinante da extinção da instância, e olvidando também o objecto do processo;

6. Ao decidir como decidiu, o douto Acórdão, ora em crise, não teve em conta a factualidade indicada e apurada pelo despacho/sentença, constante das alíneas a), b), c) e d) para concluir como concluiu, nem o objecto do processo tal como foi delimitado pelo MºPº, nem o regime jurídico referente à qualidade, natureza e atribuições dos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º Requeridos;

Com efeito,

7. Da conjugação dos factos invocados na PI pelo requerente com o pedido por si formulado, resulta que o fim visado com a providência é obstar à saída do país de 85 obras de J. ..., consideradas de grande valor monetário e de inestimável valor cultural para Portugal, sem terem sido sujeitas a procedimento e decisão previsto e fixado na LBPC para bem cultural em vias de classificação,

8. Procedimento que inclui a instrução, a audição dos órgãos consultivos, a realização da instrução, inventariação, classificação e, também, as formalidades da expedição/exportação (cfr., designadamente, pontos 1º a 122º da PI);

9. Resulta também, daquela conjugação, que as obras em causa são propriedade do Estado Português (designadamente, pontos 1 a 19º da PI);

10. E que a realização do procedimento previsto na LBPC, com a necessária instrução, inventariação e classificação, bem como a decisão de expedição/exportação, é necessário porque se trata de obras, susceptíveis de integrar o património cultural Português, por serem portadoras de interesse cultural relevante, para além do valor económico-patrimonial que representam para o Estado Português ( pontos 8º a 39º da PI;

11. Assim como resulta da factualidade invocada na PI que as obras em causa foram adjudicadas à R. C… com vista à realização de leilão, tendo tais obras, sido transportadas para Londres, sem guias de transporte e seguros, sem decisão da administração do património cultural sobre a expedição/exportação e sem terem sido sujeitas ao procedimento integral fixado na LBPC (designadamente, pontos 38º a 75º da PI );

12. Resultando, igualmente, do regime legal aplicável que a Administração do Património Cultural, incluindo o do seu Director-Geral, por se tratar de um poder vinculado, têm não só o dever de realizar o procedimento tendente à realização e decisão de tal procedimento previsto na LBPC, como têm o dever de apreciar (e decidir) a observância dos requisitos da Expedição/exportação de tais obras, como bens culturais em vias de classificação,

13. Como ainda, têm o dever de tomar as medidas provisórias prevista na LBPC para avaliar do interesse cultural de bens culturais não classificados, nem em vias de classificação (cfr. designadamente, pontos 1º a 7º, 33º a 75º da PI);

14. Daquela conjugação resulta também, que as sociedades P..., SA e P…, atento o regime legal que lhes é aplicável, são consideradas entidades públicas, não podendo opor-se à realização e conclusão de todos os trâmites previstos no procedimento fixado na LBPC - designadamente, pontos 8º a 16º da PI);

15. Por outro lado, também resulta do invocado na PI que, para além do valor que as obras poderão ter para o património cultural do Estado, ao qual compete promover a salvaguarda, protecção e valorização do património cultural (artigo 78º, nº2 al c) e ) da CRP e 3º da LBPC), também têm valor patrimonial sendo, por isso, o modelo que se pretende aplicar no leilão ( venda em bloco) lesivo para os interesses do Estado Português, dado que, a única razão para a operação é a recolha de meios financeiros suplementares (designadamente, pontos 110º a 115º da PI);

16.Ora, a decisão de extinção da instância baseou-se em facto superveniente, consubstanciado em despachos de arquivamento, liminares, do Senhor Director-Geral do Património, cujo fundamento foi o não prosseguimento do procedimento previsto na LBPC, (com a necessária instrução e termos subsequentes), em virtude de as sociedades P..., SA e P..., Sa se terem oposto a que tais obras fossem classificadas, quer como de interesse nacional, quer como de interesse público;

17. Como fundamento do arquivamento – liminar - do procedimento, invocaram os referidos Despachos, o disposto no artº 68º , nº2 al b) da LBPC, preceito que, como resulta do seu n.º 2, só se aplica “Ás importações e admissões de bens culturais promovidas por particulares…”;

18. Tendo em conta, o supra referido e o que foi alegado na PI, verifica-se que o requerente/MºPº suscitou nesta peça processual, não só questão relativa à propriedade das obras pelo Estado, como também questão referente à ilegitimidade do 4º e 5º Requeridos para se oporem à instrução e consequentes termos do procedimento a que se vem aludindo, da LBPC, atento o regime legal aplicável a tais sociedades (entidades públicas adstritas ao cumprimento das funções e deveres que ao Estado estão cometidas, na área cultural pela CRP e LBPC);

19. Todavia, as mesmas não foram resolvidas pelo tribunal, devendo sê-lo, sob pena de violação do disposto no artº 608º, nº2, e 615.º, n.º 1, al. d), ambos do CPC, sendo certo que até resultavam da matéria considerada apurada pelo douto despacho/sentença, constante das alíneas a),b), c) e d) ;

20. Ora, o douto Acórdão recorrido, ao decidir que o douto despacho/sentença não padecia de nenhum dos vícios que lhe foram imputados, errou porque não teve em conta que neste se proferiu decisão da extinção da instância por inutilidade da lide, com base nos referidos Despachos de arquivamento liminares do Director-Geral da DGP, sem que tivesse, previamente, resolvido todas as questões que haviam sido suscitadas na PI e, consequentemente, sem ter em conta o regime aplicável aos 3º, 4º e 5º Requeridos, para além de que não considerou, como deveria, o fim visado com a providência;

21.O douto Acórdão recorrido também errou ao ao não verificar que o douto despacho/sentença para a sua decisão, não considerou toda a factualidade que apurou, tendo-se limitado a considerar a matéria constante dos pontos A a H.
22. De facto, da análise da decisão da 1ª instância, verifica-se que para a conclusão de extinção da instância teve em consideração: a factualidade relevante apurada em sede de decisão do pedido de decretamento provisório das providências requeridas (cfr. fls. 1316 e segs.) - als a) a w) e a factualidade relevante, face aos elementos entretanto carreados aos autos, consubstanciada nas citados pontos A.a H;

23. Da mesma forma errou o douto Acórdão, ora recorrido, ao não verificar que o despacho/ sentença padecia de contradição entre a factualidade, que diz ter considerado para a decisão e a fundamentação ao referir que .as obras são pertença da P..., SA e P..., sem que indique qualquer fundamento para tal conclusão;

24. Entendeu o douto Acórdão recorrido, que o vim visado com a providência tinha sido alcançado, com o proferimento dos despachos de arquivamento – liminar - do Director-Geral do Património, todavia, salvo o devido respeito, entendemos que incorreu em erro de julgamento em tal conclusão;


25. Se o objectivo da providência, tal como foi delimitado pelo requerente, é exactamente o evitar o perigo de saída do território nacional das citadas obras de J..., susceptíveis de poderem vir a ser classificadas como bens móveis de interesse nacional ou de interesse público e, assim, poderem vir a enriquecer o património cultural do Estado Português, sem que esteja observado o procedimento previsto na LBPC, supra referido no n.º 8, que não foi concluído, não vemos como se possa entender que o fim visado com a providência está satisfeito;

26. Assinala-se que ainda faz parte do objecto do processo, tal como foi delimitado, o receio de saída do território nacional das obras culturais em causas, sem a observância dos formalismos previstos na LBPC porquanto, tal como está delineado o leilão, decorrente da adjudicação à C…, o seu valor é susceptível de importar lesão para o interesse público, pelo que, também com este fundamento, não estaria satisfeito o fim visado com a providência;

27. O entendimento do douto Acórdão, em apreço, no sentido de que o pedido formulado na acção subjacente à providência sempre conduziria a tal desiderato, não poderá ser acolhido porque do pedido resulta que se pretende a condenação à prática da instrução e conclusão do referido procedimento, mas, mesmo que assim não se entenda, o certo é que olvidou que o requerente ainda poderá ampliar o pedido em tal acção;

28. Ao contrário do entendimento expendido pelo douto Acórdão recorrido, não será a providência cautelar de suspensão de eficácia dos despachos de arquivamento, requerida pelo MºPº, a prevenir o perigo de saída das obras em causa para fora do território nacional sem os formalismos exigidos por lei, mas sim a presente providência;

29. Não podendo aceitar-se o argumento invocado de que, em caso de procedência da mesma providência, ressurgiam os despachos proferidos pelo Director-Geral de abertura do procedimento previsto na LBPC, passando as 85 obras de J. ... a estar em vias de classificação e sujeitas a um regime especial, no que toca à expedição e exportação, porquanto, de que servirá ressurgirem os despachos de abertura do procedimento previsto na LBPC, com o consequente regime de protecção, se entretanto, tais obras já não estiverem no território nacional ?

30. Quanto ao entendimento de que no mesmo pressuposto se arrastaria “ad eternum” o processo, porque ao requerente poderia nunca satisfazerem os despachos finais no procedimento da LBPC, discorda-se em absoluto de tal raciocínio, desde logo, porque o Ministério Público está sujeito a critérios de estrita legalidade e o objecto da sua pretensão está devidamente delimitado, podendo redundar, tal entendimento, em violação do direito à tutela judicial efectiva, sendo de salientar ainda, que resulta da Constituição Portuguesa que incumbe ao Estado proteger e valorizar o património cultural, e articular a politica cultural com as demais politicas sectoriais ( artº 78º, nº2, alíneas c) e e) da CRP);

31.Atendendo ao exposto, o facto superveniente indicado como obstando ao prosseguimento da causa, não tem a virtualidade de permitir extinguir o direito que o requerente visa acautelar;

32. Decidindo como decidiu, o douto Acórdão, ora recorrido, violou os artigos 277º, al e), 608º, nº2 e 615º, c) e d), todos do CPC e o artigos 112º, nº1, al f) a al f) e 120º, todos do CPTA;

33. Pelo que, deveria o douto Acórdão ter ordenado a baixa dos autos à 1ª instância para serem aferidos os requisitos do art.º 120º CPTA, ou considerar verificados tais requisitos;

Caso assim se não entenda,
34. Ao decidir como decidiu, violou o douto o artigo 608º, nº2 do CPC, porquanto deveria ter mandado sanar a falta de eventuais pressupostos processuais, com vista à regularização da instância, conforme exposto.

E ainda, sem nada conceder,

35.Deveria, ao menos, o douto Acórdão em apreço suspender a instância, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do art.º 272.º, do CPC, em virtude da ocorrência de causa prejudicial, decorrente da pendência da providência cautelar n.º 2527/14. BELSB, a que no mesmo se alude.

Em face do exposto, deverá ser admitido o presente recurso de revista e ser revogado o douto Acórdão recorrido e ser substituído por outro que decida em conformidade com o exposto.
Assim decidindo farão Vossas Excelências
A costumada,
JUSTIÇA!
A Procuradora – Geral Adjunta

Fernanda Carneiro