Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:06/04/2013
Processo:09817/13
Nº Processo/TAF:431/12.3BECTB/T.A.F. CASTELO BRANCO
Sub-Secção:2.º Juízo - 1.ª Secção
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:JUNTA DE FREGUESIA.
FALTA DE APRESENTAÇÃO DAS CONTAS DA GERÊNCIA.
RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE.
ASSINATURA DA CORRESPONDÊNCIA.
Observações:P.A. n.º 18/12-M.ºP.º - T.A.F. CASTELO BRANCO; P.A n.º 181/12 (M.ºP.º - T.C.A. SUL).
Texto Integral:Procº nº09817/13
2º Juízo-1ª Secção

Acção administrativa especial

Recurso de Revista

Contra-alegações do M.P.

Venerandos Juízes Conselheiros junto do

Supremo Tribunal Administrativo

A magistrada do Ministério Público junto do TCAS, vem nos autos supra referenciados em que este órgão litiga como autor e em defesa da legalidade, apresentar as suas contra-alegações referentes ao recurso de revista que a entidade demandada, Junta de Freguesia de Cumeada, interpôs do douto acórdão deste TCAS que confirmando a douta sentença proferida pelo TAF de Castelo Branco, decidiu decretar a dissolução daquele órgão autárquico.

I - Introdução:

O magistrado do MP junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco propôs, em 2-10-2012, acção administrativa especial, com carácter urgente, com vista à declaração judicial de dissolução de órgão autárquico, nos termos do disposto nos artºs 11º nºs 1 e 2 e 15º da Lei 27/96, de 1-8 (Regime Jurídico da Tutela Administrativa), contra a Junta de Freguesia de Cumeada, Sertã, por esta não ter enviado ao Tribunal de Contas, até 30-4-2010, ou nos prazos que lhe foram posteriormente estipulados, os documentos de prestação de contas respeitantes à gerência de 2009.

II -Da admissibilidade do recurso de revista:

Nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, “excepcionalmente”, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

Segundo a recorrente, a questão que está essencialmente em causa neste recurso extraordinário é saber se, não obstante a falta de apresentação das contas de gerência a julgamento do Tribunal de Contas determinem, por regra, a dissolução do órgão colegial, no caso vertente tal dissolução não deve ocorrer, por o seu Presidente se encontrar incapacitado acidentalmente, por problemas psíquicos que contraiu em teatro de guerra, na Bósnia, o que o impedia de valorizar devidamente os seus actos e de prever as consequências dos mesmos

Ora, parece-nos que se trata de uma falsa questão uma vez que a lei é bem clara ao determinar que a competência para apreciação e remessa ao Tribunal de Contas das contas da gerência pertente ao órgão colectivo junta de freguesia e não ao seu presidente.

Nestes termos, sendo claro, por outro lado, que a actuação do presidente não pode ser considerada causa justificativa do incumprimento dos deveres por parte da Junta, nem a eventual isenção da responsabilidade do Presidente, na mera assinatura de correspondência, tem a virtualidade de isentar o órgão colegial desse dever.

Isto sendo certo que não vem invocado pela recorrente que o Presidente não estava ao serviço ou que faltou às reuniões do órgão colegial de que faz parte no período em que lhe competia assinar o ofício de envio ao Tribunal de Contas das contas da Gerência relativas a 2009.

Parece-nos, assim, que o direito foi bem aplicado aos factos dados como provados, que se mostram suficientes para a apreciação do litígio, não se verificando qualquer complexidade que justifique a admissão deste recurso de revista.

Por outro lado, afigura-se-nos que atendendo á especificidade da matéria de facto, a questão de direito, directamente conexionada com a mesma, não é passível de se repetir noutros casos, pelo que a questão não tem interesse fora deste processo que justifique a apreciação por esse Alto Tribunal com vista á uniformização do direito.

No sentido da rejeição do recurso de revista em caso semelhante em que estava igualmente em causa a dissolução de órgão colegial pelo não envio das contas de gerência ao TC se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 30-04-13, proferido no processo nº 645/13.

Assim, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que não se verifica qualquer dos pressupostos contidos no citado preceito legal pelo que será de indeferir o pedido de admissão do presente recurso de revista.

III - Das contra-alegações:

Como se referiu, a questão que está essencialmente em causa neste recurso extraordinário é saber se, não obstante a falta de apresentação das contas de gerência a julgamento do Tribunal de Contas determinem, por regra, a dissolução do órgão colegial, como vem reconhecido pela recorrente, no caso vertente tal dissolução não deve ocorrer, por alegada incapacidade acidental do seu Presidente.

Antes de mais importa referir que o Presidente da recorrente foi nomeado apesar dos alegados problemas psicológicos que diz sofrer desde 1996.

Por outro lado, problemas psicológicos não constituem, sem mais, incapacidade acidental, para efeitos de exclusão da culpa nos actos omissivos que praticou.

Como se irá tentar demonstrar, a legislação aplicável não prevê esta situação como causa de não dissolução do órgão colegial com competência para levar a cabo a conduta omissiva.

A menos que a conduta do presidente, como membro do órgão colegial, se traduzisse em “facto justificativo” da omissão da apreciação e apresentação de contas pelo órgão colegial, o que não está provado nos autos.

De facto, não existem nos autos indícios de inoperatividade da Junta de Freguesia por causa da “doença” do seu Presidente.

De todo o modo a Lei prevê a substituição do Presidente em situação de doença( artº 38º nº2 da Lei nº169/99, de 18-9)

Nos termos da alínea f), do artº 9º, da Lei nº 27/96 de 1-8 ),

“Qualquer órgão autárquico ou de entidade equiparada pode ser dissolvido quando não aprecie ou não apresente a julgamento, no prazo legal, as respectivas contas, salvo ocorrência de facto julgado justificativo” ( destaque nosso)

Por sua vez, o nº1 do artº 10º da mesma Lei estipula que,

“Não haverá lugar à perda de mandato ou à dissolução de órgão autárquico ou de entidade equiparada quando, nos termos gerais de direito, e sem prejuízo dos deveres a que os órgãos públicos e seus membros se encontram obrigados, se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa dos agentes”.

Ora, no caso vertente, nenhum facto ficou provado que constitua justificação para a omissão da conduta da Junta de Freguesia em causa, ou que demonstre o nexo causal entre a não apreciação das contas relativas ao ano de 2009 pela Junta de Freguesia e a alegada incapacidade do seu presidente.

De facto, não ficou provada qualquer causa justificativa da conduta da Junta, nem tão pouco que esta tivesse feito alguma diligência para lhe serem apresentadas as ditas contas no prazo legal.

Por outro lado, a apreciação e apresentação a julgamento das contas pela Junta de Freguesia é anterior à respectiva remessa efectiva ao Tribunal de Contas pelo seu Presidente, a qual constitui uma mera formalidade de assinatura da correspondência a enviar ao TC.

Assim, se nexo causal existe, é entre a omissão da apreciação das contas da Junta de Freguesia e a omissão do seu envio, pois este não pode ser efectuado sem que em primeiro lugar se proceda àquela apreciação.

Ou seja, sem a prévia apreciação da Junta não podia haver remessa das contas ao TC.

Verifica-se, assim, na falta de prova em contrário, que foi à Junta de Freguesia, como órgão colegial, que coube a responsabilidade de não ter apreciado as contas da gerência relativas ao ano de 2009, no prazo estipulado legalmente, e nos prazos posteriormente estipulados pelo Tribunal de Contas, o que originou que as mesmas não tivessem sido aprovadas pelo órgão deliberativo e posteriormente remetidas ao Tribunal de Contas pelo seu Presidente.

De referir que o Presidente é apenas competente para o envio das contas ao Tribunal de Contas, sendo da competência da junta de freguesia a sua elaboração e aprovação.

Estamos, pois, perante competências distintas para actuações diferenciadas, pelo que o incumprimento de uma não exclui o incumprimento de outra.

No caso vertente, a responsabilidade do Presidente no não envio das contas não exclui a responsabilidade da Junta na omissão do dever da sua apreciação.

De facto, compete à junta de freguesia no âmbito do planeamento da respectiva actividade e no da gestão financeira, “ elaborar e aprovar o relatório de actividades e a conta de gerência a submeter à apreciação do órgão deliberativo”, bem como “remeter ao Tribunal de Contas, nos termos da lei, as contas da freguesia”( cfr alíneas d) e e) do nº2 do artº 34º da Lei nº 169/99 de 18-9, alterada pela Lei 5-A/2002,de 11-1).

Compete ao presidente assinar, em nome da junta de freguesia, toda a correspondência, bem como os termos, atestados e certidões da competência da mesma, nos termos da alínea n) do nº1 do artº 38º da Lei nº 169/99.

Nestes termos, não se vê qualquer impedimento que tivesse sido invocado, para a mera assinatura de correspondência.

Ora, as contas devidamente elaboradas e aprovadas devem ser remetidas ao Tribunal de Contas até ao dia 30 de Abril do ano seguinte àquele que respeitam, de acordo com o estipulado no artº 52º nºs 1 e 4 da Lei 98/97, de 26-8, na redacção da Lei 48/06, de 29-8.

No caso vertente, só abril de 2011 é que as contas de 2009 foram elaborada pela recorrente e só sem 10-7-2012, depois de várias insistências dos serviços do Tribunal de Contas, nomeadamente em 14-12-2010, é que foram mandadas as contas da Gerência como consta da matéria de facto assente na sentença ( alíneas C)a J ) e L) a N) da factualidade assente).

Pelo não envio das contas foi o Presidente condenado em pena de multa, pela prática de um crime de desobediência qualificada.

Não ficou provado que houve uma causa justificativa da omissão da Junta de Freguesia, que obste à respectiva dissolução.

A invocada incapacidade acidental do Presidente nunca poderia, assim, ser causa impeditiva da dissolução da Junta de Freguesia.

Nestes termos, seria inútil a produção de prova sobre os factos invocados pela recorrente referentes à alegada incapacidade, nomeadamente a invocada realização de perícia médica, pelo que não se verifica omissão de pronúncia do acórdão recorrido tal como vem invocada pelo recorrente.

Verifica-se, assim, uma conduta omissiva por parte da Junta de Freguesia que a lei considera especialmente grave a ponto de determinar a sua dissolução.

Também não foi violado quer pela sentença, quer pelo acórdão recorrido, o nº3 do artº 242 da CRP - segundo o qual a dissolução de um órgão autárquico só pode ter por causa acções ou omissões ilegais graves - nem se mostra preterido o princípio da proporcionalidade, ao contrário do que defende a recorrente.

Nestes termos, o acórdão recorrido, confirmando a sentença proferida nos autos, deverá ser mantida

IV - Em conclusão:

1. O magistrado do MP junto do TAF de Castelo Branco intentou uma acção administrativa especial, com vista à dissolução da Junta de Freguesia de Cumeada, por esta não ter apreciado e enviado ao Tribunal de Contas até 30 de Abril de 2010, as contas de gerência relativas a 2009.

2. Está em causa o acórdão deste TCAS que na sequência do recurso interposto pela ora recorrente da sentença que considerou procedente a acção, decidiu pela manutenção desta.

3. Não se verificando, no caso em apreciação, nenhuma das situações previstas no nº1 do artº 150º do CPTA que justifique a admissão deste recurso de revista, nomeadamente erro manifesto na aplicação do direito, o mesmo não deverá, salvo melhor opinião, ser recebido.

4. É da responsabilidade da junta de freguesia, enquanto órgão executivo, a apreciação e remessa ao Tribunal de Contas das contas da gerência até ao dia 30 de Abril do ano seguinte a que respeitam, competindo ao seu presidente assinar a correspondência necessária a essa remessa.

5. Assim, a assunção da responsabilidade deste no não envio apenas se pode reportar ao acto que lhe competia, não podendo assumir a responsabilidade de actos para cuja prática não é legalmente competente.

6. Por outro lado, não ficou provado que houve uma causa justificativa da omissão da Junta de Freguesia, que obste à respectiva dissolução.

7. A invocada incapacidade acidental do Presidente nunca poderia, assim, ser causa impeditiva da dissolução da Junta de Freguesia.

8. Nestes termos, seria inútil a produção de prova sobre os factos invocados pela recorrente referentes à alegada incapacidade, pelo que não se verifica omissão de pronúncia do acórdão recorrido.

Termos em que, não se mostram violados pelo douto acórdão recorrido os preceitos legais e constitucionais apontados pela recorrente, motivo pelo qual o recurso, caso seja recebido, deverá improceder.


Assim decidindo, farão Vossas Excelências, a costumada,

JUSTIÇA !



A Procuradora –Geral Adjunta

Maria Antónia Soares