Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:12/03/2012
Processo:09433/12
Nº Processo/TAF:1400/11.6BELSB
Sub-Secção:2.º JUÍZO
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:DECRETO-LEI N.º 362/78.
Texto Integral:
Tribunal Central Administrativo Sul

Proc. nº 09433/12 – Rec. Jurisdicional
2º Juízo/1ª Secção ( Contencioso Administrativo )


Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº, junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do artº 146º nº1 do CPTA, vem, ao abrigo do disposto no art. 145º nº 5 do CPC, emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto, pela então Ré, CGA, da sentença proferida a fls. 70 e segs., pelo TAC de Lisboa, que julgou procedente a presente acção, condenando a Ré a proferir no prazo de 60 dias decisão que defira a pretensão e aposentação formulada pelo A, mediante atribuição de pensão a que o mesmo tem direito em função do tempo de serviço que prestou ao estado no antigo Ultramar e dos descontos efectuados para a aposentação, com efeitos à data de 01.10.1981, e a pagar ao A. juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data de 01.10.1981, até à data em que ocorrer o efectivo e integral pagamento, a liquidar em sede de execução de sentença.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, a recorrente imputa à sentença recorrida (in)correcta interpretação e aplicação do disposto no art. 9º nº 2 do CPA e art. 67º nº 1 al. a) do CPTA.

O então A., ora recorrido, contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com interesse para a decisão e com fundamento na prova documental, os factos constantes dos pontos 1 a 5, de IV, a fls. 71, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Em questão está saber se, como defende o recorrente sustentando - se no Ac. do STA de 13/07/2011, Rec. nº 102/11, que fez juntar com as alegações de recurso, e noutros posteriores que invocou, o ato de arquivamento de 27.05.1985, que recaiu sobre o pedido de pensão formulado pelo ora recorrido, em 16.09.1980, ainda que fazendo referência a uma possível reabertura para ulterior reapreciação, constitui indeferimento do mesmo pedido, consolidado na ordem jurídica, pelo que à data de 01.11.1990, data da caducidade do regime do DL nº 362/78, de acordo com o DL nº 210/90, estando arquivado, já não estava pendente para efeitos do art. 2º deste último DL e como tal não havia qualquer pensão requerida que houvesse de ser decidida.

Pese embora, a solução dada pelos invocados Acórdãos do STA, com cujos fundamentos, salvo o devido respeito, não estamos de acordo, antes continuando a seguir jurisprudência anterior do STA, afigura - se - nos que o presente recurso deve improceder, pelas razões que em seguida se expõem.

Da matéria factual assente, que o recorrente não põe em causa, resulta, a nosso ver e salvo o devido respeito por opinião contrária, que o acto de arquivamento de 1985, embora constituindo um acto de indeferimento, não se pode considerar como constituindo caso resolvido ou decidido, face ao requerimento do A. formulado em 2011, sobre o qual não recaiu qualquer acto expresso.

Com efeito, tendo o ora recorrido requerido, em 1981, a concessão da sua aposentação ao abrigo do Dec. Lei nº 362/78 de 28/11, na redacção dada pelos Decs. Leis nº 23/80 de 29/02 e 118/81 de 18/05, foi o respectivo processo mandado arquivar, em 1985, por falta dos elementos solicitados em 1984, entre eles certificado da nacionalidade (cfr. pontos 1 e 2 da matéria factual assente e doc. do fls.4 do PA), desconhecendo se o ora recorrido foi ou não notificado de tal arquivamento, nada constando sobre eventual notificação e assim se tal acto se tornou ou não efeicaz.

Em 20.12.2007, o ora recorrido enviou á ora recorrente os documentos comprovativos de que prestou serviço ao Estado Português durante mais de cinco anos prestando os devidos descontos para efeitos da aposentação (ponto 5 da matéria factual assente), acompanhado de requerimento renovando o pedido formulado em 1981.

Sobre tal requerimento e docs não recaiu qualquer despacho da ora recorrente, que se submeteu ao silêncio.

Em 14.01.2011, o ora recorrido, solicitou a reapreciação do pedido, formulado em 1981, agora com fundamento no Acórdão nº 72/2002 do TC, sobre o qual igualmente não recaiu qualquer decisão.

Tendo o ora recorrido deduzido, em 23.05.2011, o presente pedido de condenação da ora recorrente à prática de acto devido, com o deferimento da concessão da aposentação.

Ora, como se pode ler no Ac. deste TCAS de 27/01/2005, Rec. 00449/04, com o qual estamos em perfeita consonância, e que temos vindo a citar noutros pareceres em matéria idêntica à dos presentes autos « O artº 9º, nº2 do CPA, dispõe que “Não existe o dever de decisão quando, há menos de dois anos contados da data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um acto administrativo sobre o mesmo pedido formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos.”
Deste normativo resulta com suficiente clareza, numa interpretação a contrario, que o dever de decisão da Administração sobre as pretensões que lhe são dirigidas se renova passados que sejam mais de dois anos sobre a prática de anterior acto. Este dever renovado de decisão vem de encontro ao reforço das garantias dos administrados, presumindo-se tal prazo de dois anos como o tempo mínimo de estabilidade das circunstâncias ou pressupostos do primeiro acto (Mário Esteves de Oliveira in CPA Comentado, 1993, vol. I, pag. 172), possibilitando-se aos administrados o exercício mais amplo dos seus direitos, fixando-se o quadro legal no qual os administrados podem questionar, de novo, a Administração, sobre situações anteriormente apreciadas e decididas.
Por outro lado, como se fez constar no Ac. do STA de 14.11.01, in Rec. 46256 (disponível em www.dgsi.pt), “(...) o nº2 veio também retirar à anterior definição da situação do interessado o carácter de caso resolvido ou decidido, na justa medida em que se recoloca o interessado na mesma situação em que se encontrava quando pela primeira vez formulou o pedido. Não há, assim, qualquer razão para afirmar que só o acto anterior é lesivo(...).”
(…) perante a nova pretensão do recorrente (…) não pode deixar de se entender que o recorrente, ao formular tal nova pretensão viu reabrir-se a possibilidade legal de ver satisfeita a mesma em termos substantivos. Ora, é precisamente esta possibilidade legal, de o administrado poder obter nova apreciação substantiva da sua pretensão, que, colocando o administrado na mesma situação jurídica em que se encontrava quando formulou a pretensão pela primeira vez, que potencia a situação de o mesmo obter da Administração um deferimento ou indeferimento da sua pretensão. Assim sendo, a decisão que sobrevier a nova pretensão, seja expressa ou seja tácita, desde que negativa, apresenta-se com lesividade própria dos direitos ou interesses do administrado.» (sublinhado e bold nosso).

Assim, renovado que foi o pedido do ora recorrido, em 2011, sendo que em 2007 havia juntado os docs. até então em falta, com pedido de reapreciação do apresentado em 1981, sem resposta, e decorridos muito mais de dois anos sobre o acto de 1985 (que, como atrás dissemos, nem sequer consta como notificado ao recorrido e, consequentemente, eficaz), que a ora recorrente tivesse obrigação de sobre ele se pronunciar, nos termos do art. 9º do CPA, o que não fez, pelo que não há que considerar qualquer consolidação daquele acto de 1985, sendo este último acto que se apresenta definidor da situação jurídica actual do ora recorrente, para efeitos do pedido de condenação à prática do acto devido formulado.

Na verdade, a reiteração ou renovação, pelo A., ora recorrido, do pedido anterior, tendo já anteriormente, em 2007, junto os documentos, cuja falta tinha determinado o arquivamento procedimental constituindo o indeferimento do seu pedido, não só retirou “o carácter de caso resolvido ou decidido, na justa medida em que se recoloca o interessado na mesma situação em que se encontrava quando pela primeira vez formulou o pedido, como também não possa ser entendido como um pedido novo, mas tão - só como isso mesmo, ou seja, a reiteração do mesmo pedido, agora com acréscimo de novos argumentos (acórdão do TC) como tal não sendo extemporâneo, por não lhe ser aplicável o DL nº 210/90, atento o seu nº 2.

Assim, que a sentença recorrida, ao decidir pela improcedência do invocado caso decidido ou consolidado na ordem jurídica e, consequentemente, da não caducidade do regime, a nosso ver, e embora pelos fundamentos exarados neste parecer, não tenha incorrido nos vícios que lhe são apontados.

Por outro lado, o facto da referida certidão ter a data de 2007 e ter sido apresentada nessa data, após o prazo previsto no DL nº 210/90 de 27/06, não releva, já que como atrás foi dito a recorrente não se pronunciou sobre o requerimento de 2007 e tinha arquivado o processo em 1985 até apresentação dos documentos em falta.

Ora, como se refere no Acórdão de 27/09/2007, Rec. 02228/07, que confirmou integralmente a sentença de 1ºinstância ali recorrida, pode ler - se: « a declaração certificada de que o interessado “(..) prestou serviço (..) tendo sofrido os descontos legais para efeitos de compensação de aposentação (..)” não pode valer com o sentido de que os descontos se verificaram à data da apresentação do requerimento para aposentação porque esta data se refere a evento distinto da data em que os mesmos se comprovam, à luz do disposto no artº 238º nº 1 C. Civil.
De modo que, na exacta medida das razões de direito bem como da doutrina e jurisprudência expostas e citadas pelo Tribunal a quo e no douto parecer do EMMP, supra transcritos, que a presente formação deste TCA Sul subscreve integralmente sem qualquer declaração de voto e para os quais remete, confirma-se o julgado em 1ª Instância nos termos e com os efeitos consignados no artº 713º nº 5 CPC ex vi artº 140º CPTA.» (bold nosso).

Sentença essa de 1º instância, transcrita no referido Acórdão, na qual se afirma: «Diga-se que, relativamente ao requisito de realização de descontos para efeitos de aposentação, o Autor apenas em 8 de Março de 2006 juntou aos autos certidão de onde resulta claro que terá realizado tais descontos (cfr. 9. do probatório).
Desse modo, certo é que os descontos se verificaram à data da apresentação do requerimento para aposentação (o que é distinto da data em que os mesmos se comprovam).».

Também do Acórdão do STA de 20/01/2010, Rec. 0729/09, em que perante o DL 362/78, estava em causa o ónus da prova e a comparabilidade de certidões tendo duas sido apresentadas, respectivamente em 15.08.2007 e 19.12.2007, se aceitou no mesmo Acórdão as mesmas, como documentos autênticos, a comparar no seu teor, enquanto o doc. apresentado em 1980, por não se tratar de certidão mas de mera fotocópia de certidão foi postergada.

Assim, no caso em apreço, comprovando a certidão datada de 2007, enviada no mesmo ano à recorrente, que o ora recorrido prestou mais de cinco anos efectivos à Administração Pública Portuguesa na Guiné - Bissau, de 01.01.1957 a 09.09.1974, pelos quais foi abonado dos seus vencimentos e sofreu os respectivos descontos para compensação da aposentação, que nos termos da mesma certidão, à data da apresentação, em 1981, do requerimento para aposentação, se encontrassem já efectuados os descontos.

E, porque uma coisa é a data da realização dos descontos e outra é a data em que os mesmos se comprovam e verificado que à data da apresentação do requerimento para aposentação os mesmos já tinham sido efectuados, que não releve o facto da certidão em questão ter sido apresentada após a publicação do DL nº 210/90.

IV – Pelo que, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo - se a decisão recorrida, embora com os fundamentos deste parecer.

Lisboa, 2012 - 12 - 03

A Procuradora Geral Adjunta


( Clara Rodrigues )