Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:06/26/2013
Processo:11/2013
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:CONFLITO DE COMPETÊNCIAS.
REGRAS SOBRE DISTRIBUIÇÃO DE PROCESSOS.
PROVIDÊNCIAS CAUTELARES E ACÇÕES PRINCIPAIS.
APENSAÇÃO NOS TERMOS DO N.º 3 DO ARTIGO 113.º DO CPTA.
Texto Integral:Procº nº 10169/13
2º Juízo-1ªSecção

Processo urgente

Parecer ao abrigo do nº1 do artº 146º do CPTA

Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelo autor - cidadão natural dos Camarões, em 14-8-2012 – data da propositura da acção, internado no Centro de Instalação Temporária no Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa naquela data - da sentença que considerou improcedente a acção de condenação à prática do acto devido por si proposta contra o Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF), com vista à anulação do indeferimento do seu pedido de asilo e de autorização de residência por razões humanitárias.

O artigo 3.° da Lei n.° 27/2008, de 30 de Junho (diploma que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou protecção subsidiária) com a epígrafe “Concessão do direito de asilo” estatui o seguinte:

”1- É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.

2- Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual.”

O autor não alegou no seu requerimento de asilo, nem nos depoimentos que produziu no SEF que tenha alguma vez exercido no Estado da sua nacionalidade e residência habitual, nos Camarões, qualquer actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.

Também não foi eventualmente perseguido por ser cristão, mas sim, segundo refere, por não estar de acordo com os rituais em uso no seu país no que se refere à transmissão de poderes e usos, post mortem, de pais para filhos.

Assim, afigura-se-nos que não se encontram preenchidos preenchido os requisitos para a concessão do direito de asilo consagrado no artigo 3.°, n.°s 1 e 2 da Lei n.°27/2008, de 30 de Junho.

Refere o artigo 5.° da Lei n.°27/2008, de 30 de Junho no n.°1 que

“Para efeitos do artigo 3.°, os actos de perseguição susceptíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afectem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais.”

Estabelece no n.°2 designadamente o seguinte:

” 2- Os actos de perseguição referidos no número anterior podem, nomeadamente, assumir as formas: de actos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual ou actos cometidos especificamente em razão do género.”

Ora, verifica-se que os actos de perseguição referidos só fundamentam o pedido de asilo quando a pessoa perseguida tenha tido uma actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.

E bem se compreende que assim seja dado que se estes requisitos não fossem cumulativo, qualquer cidadão comum vítima de perseguição fosse por que motivo fosse, nomeadamente pelos motivos que o recorrente invoca, poderia pedir asilo.

Ora o instituto de asilado não visa propriamente substituir-se ao regime criminal dos países de onde os cidadão que pedem asilo são originários.

Assim, se o recorrente é perseguido por particulares, como alega, terá que usar de outro sistema para se proteger.

É de sublinhar, também, como já se referiu, que a alegada perseguição não é religiosa, étnica ou política, mas sim decorrente de o recorrente não querer seguir a tradição do país de origem, a qual sendo embora difícil de aceitar na Europa, por certo não constitui o que se designa de “actos violentos”.

Por outro lado, cabe ao Requerente do pedido de asilo, ora recorrente, o ónus da prova dos factos que alega, face ao disposto no art. 18º, nº 4 do DL. nº 27/2008, de 30/6, mas também é certo que o mesmo nº 4 excepciona tal prova quando estejam reunidas cumulativamente as condições referidas nas suas alíneas, entre elas “As declarações prestadas pelo requerente forem consideradas coerentes, plausíveis, e não contraditórias face às informações disponíveis e a credibilidade geral do Requerente”.

Para além disso, o “benefício da dúvida” a que se refere o manual de procedimentos e critérios a aplicar para determinar o estatuto de refugiado de acordo com a convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao estatuto dos refugiados, Alto Comissariado das Nações unidas Para os Refugiados, Genebra, Janeiro de 1992,deverá, apenas ser concedido quando todos os elementos de prova disponíveis tenham sido obtidos e confirmados e “quando o examinador esteja satisfeito no respeitante à credibilidade geral do requerente. As declarações do requerente deverão ser coerentes e plausíveis e não deverão ser contraditórias face à generalidade dos factos conhecidos” (destaque nosso)

Daqui decorre que é muito importante a opinião do funcionário que procede á audição do peticionante, uma vez que só o contacto directo com este permitirá aferir da credibilidade dos depoimentos, bem como da sua credibilidade geral como pessoa.

Assim, não pode o tribunal sindicar este aspecto que reputamos de grande importância para a atribuição do asilo peticionado.

Deste modo, considerando, a entidade recorrida, que este requisito não se verifica, fica desde logo, à partida, o tribunal impossibilitado de apreciar este requisito salvo havendo erro grosseiro, o que parece não se verificar.

E finalmente valem os argumentos utilizados, também para o pedido de autorização de residência por razões humanitárias, dado que, nos termos do artº34º da Lei 27/2008, “as disposições constantes das secções I, II, III e IV do presente capítulo são correspondentemente aplicáveis às situações previstas no artigo 7.º”

Nos termos do artº 7º,

“É concedida autorização de residência por razões humanitárias aos estrangeiros e aos apátridas a quem não sejam aplicáveis as disposições do artigo 3.º e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave”.

2 — Para efeitos do número anterior, considera –se ofensa grave, nomeadamente:

a) A pena de morte ou execução;

b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante

do requerente no seu país de origem; ou

c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física

do requerente, resultante de violência indiscriminada em

situações de conflito armado internacional ou interno ou de

violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos

Parece-nos que o recorrente não se encontra em nenhuma situação limite exigidas pelo nº2 do artº 7º para ser concedida residência por razões humanitárias.

Nestes termos é nosso parecer que o recurso jurisdicional em apreciação não merece provimento.


A Procuradora Geral Adjunta

Maria Antónia Soares