Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:12/21/2012
Processo:09562/12
Nº Processo/TAF:574/12.3BEALM
Sub-Secção:2.º JUÍZO
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR SUSPENSÃO EFICÁCIA.
PONDERAÇÃO INTERESSES (N.º 2 DO ART.º 120.º CPTA).
Texto Integral:
Tribunal Central Administrativo Sul

Proc. nº 09562/12 – Rec. Jurisdicional

2º Juízo/1ª Secção ( Contencioso Administrativo )


Venerando Juiz Desembargador Relator


A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos arts. 146º nº1 e 147º do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto, pelo Ministério, então Requerido, da decisão de fls. 201 e segs., do TAF de Almada, que deferiu a presente providência, decretando a suspensão de eficácia do acto que aplicou a pena disciplinar de reforma compulsiva ao Requerente, aqui recorrido.

Nas conclusões das suas alegações de recurso o recorrente, imputa à sentença recorrida erro de violação de lei por erro de facto por não atender ao transito em julgado da sentença crime proferida no âmbito do processo nº 1594/01.9TARLS e por erro de direito no que se refere à ponderação de interesses do nº 2 do art. 120º do CPTA.

O ora recorrido contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com base na prova documental e por acordo, os factos constantes das alíneas A a AM, do ponto 2, de fls. 207 a 217, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Desde já entendemos não enfermar a sentença recorrida dos erros que lhe são assacados.

No caso o recorrente apenas põe em causa a ponderação de interesses efectuada na sentença recorrida, para efeitos do nº 2 do art. 120º do CPC.

Invoca para o efeito que a sentença recorrida não considerou como relevante o trânsito em julgado da sentença penal ocorrida em Maio de 2011.

Todavia o que se refere na sentença é que “Ao que resulta do probatório, o processo disciplinar foi instaurado ao Requerente, em 2003 e a pena foi aplicada, por decisão de 11 de Maio de 2012, sendo que, antes da aplicação da pena o requerente encontrava - se em efectividade de funções.”, em seguida citando um acórdão deste TCAS, proferido em situação idêntica à dos presentes autos, sobre “a depreciação da imagem e o desprestígio das forças policiais, que resultam da manutenção do agente ao serviço, serem diminutas”, em confronto com os graves prejuízos resultantes da redução drástica do nível de vida do agente.

Ora, com tal fundamentação, a Mmª Juiz a quo não considerou nem deixou de considerar a data do trânsito em julgado da sentença penal, cujo trânsito em julgado o recorrido põe em causa (cfr. als. P a R do probatório).

O que foi avalizado foi o facto do ora recorrido ter permanecido em funções durante cerca de nove anos, sem que daí tivesse resultado depreciação da imagem e desprestígio da força policial onde as exerceu, sendo que acresce não resultar que durante esse tempo tivesse cometido qualquer outro acto constitutivo de ilícito disciplinar.

Neste mesmo sentido e em caso muito idêntico ao dos autos se pronunciou também este TCAS, no Acórdão de 19.01.2012, Rec. 08315/11, in www.dgsi.pt/, que passamos a citar: «Alegou o Recorrente que um militar da GNR tem o ónus de manter uma postura exemplar, quer profissional, quer pessoalmente, sob pena de perder o respeito da população na sua actuação, afectando de forma grave a imagem e prestígio da Guarda, violando o juramento que prestou e desrespeitando a disciplina e confiança interna da Corporação.
Mas, como se refere na decisão sindicada, não obstante estarmos perante uma conduta altamente reprovável e censurável, que foi cometida pelo Recorrido, a mesma já ocorreu há mais de 10 anos. E desde a data em que a medida de coacção de suspensão do exercício de funções foi declarada extinta, pelo despacho judicial de 21.11.2005, o Recorrido manteve-se em funções, ao serviço do Recorrente, exercendo a sua actividade de GNR. Durante este exercício nada lhe foi apontado, nomeadamente, não lhe foi apontada a prática de quaisquer outros ilícitos. Não se indicou nos autos, que durante todo esse tempo, tenham havido perturbações no serviço ou na imagem e prestígio da instituição, pelo facto de o ora Recorrido ter reiniciado funções. Também não ficou provado nos autos que «a população» tenha conhecimento da situação, e nessa medida, deixe de respeitar os guardas da GNR. Outrossim, não é indicado nos autos nenhum facto concreto que indique que a permanência em funções do Recorrido, desde 21.11.2005 até à data actual, foi causadora de qualquer perturbação efectiva. Assim, não se pode concluir que a permanência do exercício de funções, por bando do Recorrido na GNR, até ao termo da decisão principal, traga uma perturbação efectiva ao serviço e ponha em causa o prestígio e imagem da instituição.
Ou seja, não ficou provado nos autos a existência de um interesse público qualificado, específico e concreto, que justifique o não decretamento da providência. Existe apenas um interesse genérico, de eficácia dos actos administrativos, de manutenção genérica do prestígio da GNR, por ser vantajoso que desta força não façam parte elementos que hajam sido condenados em processo crime e que tenham sido alvo de um processo disciplinar e da correspondente pena de reforma compulsiva. Mas, esta vantagem, não é suficiente para se ponderar agora a favor do interesse público.
(…)
Também o TCA Norte, no Ac. n.º 146/06.1BEPRT, de 09.11.2006 (in http://www.dgsi.pt), refere: «ao preenchimento dos referidos critérios positivos de verificação da necessidade da providência acresce a ponderação da sua adequação e do seu equilíbrio nos termos que se mostram previstos nos n.ºs. 2 e 3 do art. 120.º.
Decorre, assim, do n.º 2 do aludido dispositivo legal que na situação prevista nomeadamente na alínea b) do n.º 1 do mesmo preceito “(…) a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências (…).”
Neste preceito introduz-se aquilo que já foi denominado como “cláusula de salvaguarda”, sendo que na e para justificação deste requisito refere a Dr.ª Ana Gouveia Martins que o “(…) requisito da ponderação de interesses constitui, …, um paliativo ao risco de erro na valoração dos elementos de facto e de Direito co-naturais ao juízo cautelar.
Consideramos, deste modo, que se afigura perfeitamente legítimo que o legislador, no exercício da sua margem de conformação do direito à tutela cautelar, consagre o critério da ponderação de interesses desde que não o configure em termos de fazer prevalecer sistematicamente o interesse público no não decretamento da providência. O direito fundamental à tutela cautelar tem, obviamente que ser integrado no sistema, em termos de ser indispensável definir os seus limites em caso de conflito com outros direitos fundamentais e valores jurídicos objecto de protecção constitucional (…).” (in: ob. cit., pág. 514).
Tal como é sustentado pelo Prof. M. Aroso de Almeida o “(...) artigo 120.º, n.º 2, introduz um inovador critério de ponderação, num mesmo patamar, dos diversos interesses, públicos e privados, que, no caso concreto, se perfilem, sejam eles do requerente, da entidade demandada ou de eventuais contra-interessados, determinando que a providência ou providências sejam recusadas quando essa ponderação permita concluir que «os danos que resultariam da sua concessão se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências».
Abandona-se, assim, a tradição, forjada no âmbito da aplicação do instituto da suspensão de eficácia de actos administrativos, de se ponderarem separadamente os pressupostos de que dependia a concessão da providência e em valor absoluto os riscos para o interesse público que dessa concessão poderiam advir. A justa composição dos interesses em jogo passa, pelo contrário, a exigir que o tribunal proceda, em cada caso, à ponderação equilibrada dos interesses, contrabalançando os eventuais riscos que a concessão da providência envolveria para o interesse público (e para interesses privados contrapostos) com a magnitude dos danos que a sua recusa com toda a probabilidade poderia trazer ao requerente” (in: ob. cit., págs. 301 e 302).
Temos, por conseguinte, que o juiz cautelar, fora da situação excepcional prevista no art. 120.º, n.º 1, al. a) do CPTA, mesmo verificados os requisitos ou pressupostos positivos supra aludidos deve recusar a concessão da providência cautelar quando o prejuízo resultante para o requerido se mostre superior ao prejuízo que se pretende obviar ou evitar com a decretação da providência.
Tal superioridade, nas palavras do Prof. J. C. Vieira de Andrade (in: ob. cit., págs. 353 e 354 - nota 795), “(...) há-de estabelecer-se tendo em consideração a possibilidade de evitar ou atenuar os prejuízos causados pela concessão através de contra-providências (...) artigo 120.º, n.º 2, in fine (...)”, sendo que na ponderação a efectuar-se ela deve ser feita entre prejuízos ou danos e não entre os interesses em presença.
Com efeito, não consagra a lei qualquer prevalência do interesse público face aos demais interesses em conflito, tanto mais que, como é defendido por este Professor “(...) não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados.
(...), o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar (…)” (in: ob. cit., pág. 355).
Temos, por conseguinte, que o juiz cautelar ao efectuar este juízo de ponderação está e terá de se colocar numa posição equidistante face aos interesses que se apresentam perante si, ponderando os direitos e bens em conflito, por forma a tentar obter a concordância prática em concreto dos mesmos.
Daí que para a recusa da concessão duma providência à luz do juízo de ponderação previsto no n.º 2 do art. 120.º não é suficiente ou idónea uma qualquer lesão do interesse público porquanto o interesse público, por natureza, está ínsito ou subjacente a qualquer actuação desenvolvida por parte da Administração.
Como impressivamente é afirmado pela Dr.ª Cármen Chinchilla Marín “(…) o interesse público há-de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia dos actos administrativos (…)” (in: “La tutela cautelar en la nueva justicia administrativa”, Civitas, Madrid, 1991, pág. 163).
Desta feita, estamos perante um interesse público qualificado sem que, todavia, se exija uma grave lesão do interesse público ou dos interesses dos contra-interessados, pois, o que é essencial é que, no caso concreto, a lesão daqueles interesses se traduza e assuma contornos tais que se torne desproporcionado o decretamento da(s) providência(s) deduzida(s).».
Igualmente, o STA, no Ac. n.º 1217/09, de 06.01.2010 (in http://www.dgsi.pt), defende o seguinte: «o que se estabelece no n.º 2 do art. 120.º do CPTA não é que a providência deva ser recusada quando tal seja preferível para o interesse público, quando a recusa traga mais vantagem para este interesse, mas sim que essa recusa deve acontecer quando dela resultem danos ao interesse público, o que é diferente de não haver vantagem.
(…)E, mesmo que houvesse dúvidas sobre a existência de hipotéticos danos, elas teriam de ser valoradas a favor do Requerente e não contra ele, por força da referida regra do ónus da prova. Isto é, tem de se ter como assente, para efeitos de decisão do presente processo, que a adopção da providência de suspensão de eficácia, diferindo o eventual cumprimento da pena, não acarretará quaisquer danos para o interesse público, apenas podendo obstar a não seja desse cumprimento retirada a vantagem que poderia ser retirada se o cumprimento fosse imediato.
Mas, numa situação deste tipo, a solução que resulta do n.º 2 do art. 120.º do CPTA é a de prevalecimento do direito do Requerente à tutela cautelar.» (cf. no mesmo sentido, Acs. do STA n.º 40915, de 3.10.1996, Acs. do TAC Sul n.º 6152, de 29.04.2010 e n.º 7893/11, de 08.09.2011, todos in http://dgsi.pt).».

Assim, também no caso dos autos, ponderados os interesses em presença, entendemos não prevalecerem os interesses públicos, pelo que haveria de deferir a requerida providência, conforme se decidiu na sentença recorrida, que dessa forma, em nosso entender, não enferma dos vícios que lhe são assacados.

IV – Pelo que, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo - se a sentença recorrida.



Lisboa, 2012 - 12 - 21


A Procuradora Geral Adjunta


( Clara Rodrigues )