Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:06/14/2012
Processo:07813/11
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE.
ÓNUS DA PROVA DOS PRESSUPOSTOS DE LIGAÇÃO EFECTIVA À COMUNIDADE PORTUGUESA..
Texto Integral:Procº nº 07813/11
Acção Administrativa Especial
Recurso de revista para o STA
Contra-alegações do M.P.

Venerandos Juízes Conselheiros



O Ministério Público junto deste TCAS vem nos autos supra referenciados, em que litiga como parte principal, apresentar as suas contra-alegações no âmbito do recurso de revista interposto por Thais de Avila Rates, o que faz nos termos do artº 150º nº1 do CPTA e com os seguintes fundamentos:

I - Sobre a violação do dever de correcção:

Emprega, o Exmo Advogado da demandada e ora recorrente, autor das peças processuais apresentadas nos autos, expressões manifestamente ofensivas e indecorosas, atentatórias do respeito que é devido ao tribunais e aos magistrados, violando nomeadamente os deveres a que se refere o nº2 do artº 266-B do CPCivil.

Por este motivo já foi feita participação à Ordem dos Advogados pelo Mmo Juiz aquo.

Entendemos, assim, que também deverá ser extraída certidão das alegações agora apresentadas pelo citado Advogado, e a mesma ser enviada à Ordem dos Advogados para os efeitos tidos por convenientes, o que desde já se requer.


II - Sobre a admissibilidade do recurso de revista:

O presente recurso de revista vem interposto do acórdão do TCAS que manteve a sentença da primeira instância que considerou procedente a acção administrativa especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa interposta pelo MP contra Thais de Avila Rates, de nacionalidade brasileira, nascida a 5-3-1998, filha de pais, à data do seu nascimento, de nacionalidade brasileira e residente no Brasil desde o seu nascimento.

O fundamento da presente acção foi o facto de a menor em causa não possuir qualquer ligação efectiva à comunidade nacional portuguesa, para isso não bastando que seu pai, já após o seu nascimento ( Maio de 2008 ), tenha adquirido a seu pedido, a nacionalidade portuguesa, nada mais tendo sido invocado ou provado pela interessada.

O presente recurso de revista baseia-se, essencialmente, na interpretação que terá sido dada pelo acórdão recorrido à alteração introduzida pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17-4, à alínea a) do artº 9º da Lei nº 37/81 de 3-10, nos termos da qual deixou aquela alínea de referir, como fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, “a não comprovação pelo interessado, da ligação efectiva á comunidade nacional” para passar a referir como fundamento dessa oposição “ a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional”.

Deste modo, passou o MP, mediante a propositura de uma acção de simples apreciação negativa, a ter o ónus de prova dos factos impeditivos da atribuição da nacionalidade portuguesa, os quais terão que ser por si alegados na petição.

Mas ao contrário do que refere a recorrente, o douto acórdão recorrido não vai contra esta interpretação, antes a acolhe, não sem antes conjugar a nova disposição legal com o artº 57º nº1 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa aprovado pelo DL nº 237-A/2006, de 14-12, nos termos do qual “quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional…”

Daqui decorre que o douto acórdão recorrido interpretou correctamente os dispositivos legais aplicáveis à situação de facto em análise, não existindo qualquer erro manifesto ou clara má interpretação do direito que leve à sua imperiosa alteração.

Por outro lado, existe já vasta jurisprudência sobre o que se considera necessário para preencher o requisito exigido por lei, da ligação efectiva à comunidade portuguesa, não existindo acórdão contraditórios ou substancialmente diversos sobre esta matéria.

De resto, as questões vertidas nos autos não nos parecem de especial complexidade, nem de especial relevância jurídica ou social, a ponto de impor uma reapreciação excepcional por uma terceira instância.

Para além disso, saber se houve ou não no caso presente ligação efectiva à comunidade nacional por parte da menor demandada é uma questão de facto que parece que está fora do âmbito de apreciação deste recurso de revista

Nestes termos, entendemos, salvo melhor opinião, que não estão reunidos os requisitos necessários previstos no nº1 do artº 150º do CPTA, para ser admitido o presente recurso de revista.

III - Sobre o mérito do recurso:

Conforme já se referiu, com a alteração introduzida à alínea a) do artº 9º da LN pela Lei Orgânica nº 2/2006, passou o MP, mediante a propositura de uma acção de simples apreciação negativa, a ter o ónus de prova dos factos impeditivos da atribuição da nacionalidade portuguesa, os quais terão que ser por si alegados na petição, quando nos termos da anterior redacção, bastava a falta de prova dessa ligação efectiva para ser impugnado pelo MP, o acto da entidade pública competente que determinava .a atribuição da nacionalidade portuguesa, ou para ser por este deduzida oposição em acção intentada para o efeito.

Mas, ao contrário do que refere a recorrente, o douto acórdão recorrido não vai contra esta interpretação, antes a acolhe.
Não poderia, porém, deixar de a conjugar com o artº 57º nº1, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL nº 237-A/2006, de 14-12, nos termos do qual “quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional…”


Assim, não existe qualquer presunção de ligação efectiva à comunidade nacional do declarante da nacionalidade, ao abrigo do artº 2 da Lei nº 37/81, que o desobrigue, na declaração apresentada às autoridades referidas nos artºs 16º e 17º da Lei nº2/2006, de referir essa ligação efectiva.

Ora, no caso vertente, essa ligação foi declarada no formulário preenchido pelos representantes da demandada, para efeitos de declaração para aquisição da nacionalidade, motivo pelo qual a demandada e ora recorrente sabia perfeitamente que esse requisito era exigido também no caso de declaração apresentada ao abrigo do artº 2º da LN.

Actualmente, compete, porém, ao Conservador dos Registos Centrais providenciar junto das entidades referidas no nº5 do artº 27º do RNP, a obtenção de informações sobre essa falta de ligação e enviar o processo ao MP se obtiver essas informações, nos termos dos nºs 7 e 8 do artº 57º do RNP.

No caso vertente, o CRC considerou que era manifesta a existência de ligação efectiva à comunidade portuguesa e, em consequência, prescindiu de qualquer indagação adicional e determinou o envio do processo administrativo ao MP. para a propositura de uma acção administrativa especial de reconhecimento da não existência de ligação efectiva à comunidade nacional, o que equivale a uma acção de simples apreciação negativa em processo civil.

Nestes termos, é aplicável à presente acção, o artº 343º nº1 do CC, nos termos do qual, nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

Porém, a demandada nada acrescentou na sua contestação, nem juntou qualquer documento, que pudesse demonstrar a sua ligação efectiva a Portugal.

A demandada parece que questiona se , tratando-se de menor, a lei obriga a essa ligação para ser adquirida a nacionalidade portuguesa, ou se se basta com a detenção da nacionalidade portuguesa por um dos progenitores.

Estabelece o artº 2º da Lei da Nacionalidade, inserido na secção I com o título “aquisição da nacionalidade por efeito da vontade” que os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa, podem, também adquiri-la mediante declaração”.

O requisito da existência de ligação efectiva à comunidade nacional é exigido em princípio, em todos os casos de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, conforme decorre do título do capítulo IV onde está incluído o artº 9º .

Nestes termos, não se pode considerar que a demandada, por ter 12 anos à data da declaração da aquisição da nacionalidade, e por ser filha de pai de nacionalidade portuguesa, não teria que ter essa ligação.

É certo que o artigo 2º da LN não distingue entre menores de 12 anos e menores de 1 ano, e entre menores cujo progenitor detinha a nacionalidade portuguesa antes do seu nascimento e aqueles que cujo progenitor apenas adquiriu essa nacionalidade depois do nascimento. Assim, em princípio, não podemos nós fazer essa distinção.

Contudo, se é certo que, pela ordem natural das coisas, parece não poder ser exigido a um menor de meses, ou um ano, a sua ligação “efectiva” à comunidade portuguesa, já poderá, a nosso ver, ser exigida a um menor de doze ou mais anos.

Portanto, nada impede que, no caso vertente, seja aplicada a regra geral da exigência da ligação efectiva à comunidade nacional.

Não tendo a demandada contrariado os factos invocados na petição, os mesmos foram dados como provados na sentença que, por sua vez, o acórdão recorrido deste TCAS confirmou na íntegra.

Esses factos não podem ser apreciados ou alterados no presente recurso de revista, nos termos do artº 150º nºs 2 e 4 do CPTA.

Ora esses factos demonstram, cremos que suficientemente, a inexistência de ligação da demandada `a comunidade nacional, não tendo sido impugnados, nem alegados outros factos que os contrariem ou que sejam susceptíveis de por em causa a sua veracidade.

São eles os seguintes:

A Ré nasceu no Brasil;
A Ré desde sempre residiu no Brasil ( ponto 4);
A Ré nunca veio a Portugal;
A Ré tem pais que nasceram no Brasil
A Ré tem uma irmã brasileira

Assim, tal como foi referido na petição e não foi contrariado pela demandada, “todo o processo de crescimento, desenvolvimento e maturação, com a consequente absorção de costumes, referências e valores sociais e culturais se identificam e se integram com a comunidade brasileira e não portuguesa”.

Por outro lado e em consequência do exposto, não basta, para se considerar que existe “ligação efectiva” que o pai da demandada tenha adquirido a nacionalidade portuguesa após o nascimento desta, e antes da declaração de nacionalidade apresentada por esta (cfr acórdão do STJ de 22-6-2005, in procº nº 1802/05).
Também não basta, para esse efeito, que fale brasileiro, pese embora as semelhanças que tem com a língua portuguesa ( cfr, neste sentido, ( cfr acórdão proferido no procº nº 04125/08, do TCAS ).

De facto, é vasta a jurisprudência quer dos tribunais judiciais, quer dos tribunais administrativos, que considera que a aquisição da nacionalidade ao abrigo do artº 2º da Lei da Nacionalidade ( que não foi alterado pela Lei nº2/2006), não é automática, sendo necessário, para que tal aconteça, que o interessado possua um sentimento de pertença à comunidade portuguesa, o qual decorre dos laços familiares ou de amizade com portugueses, do domicílio e convívio com portugueses, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica em Portugal, de modo a que sejam respeitados os valores nacionais ( cfr, entre outros, os ac do TCAS de 12-11-2009 e de 15-4-2010 in procºs nºs 05367 e 06045/10, respectivamente e ac da RL de 6-2-07 in Procº nº 10-181/06-2).

A não ser assim, nenhum significado teria para o interessado e para o País, a aquisição da nacionalidade portuguesa, o que a lei pretendeu logicamente evitar.

Assim, não existe qualquer dúvida de que tal requisito continua a ser exigido. Ora, os factos provados nos autos revelam, com toda a probabilidade, que tal requisito não se verifica no caso presente.

Nestes termos, não merece qualquer censura o douto acórdão recorrido, pelo que, a ser admitido o presente recurso de revista, o mesmo deverá ser considerado improcedente, mantendo-se a sentença que considerou procedente a presente acção.

IV - Em CONCLUSÃO:

1- Emprega, o Exmo Advogado da demandada e ora recorrente, autor das peças processuais apresentadas nos autos, expressões manifestamente ofensivas e indecorosas, atentatórias do respeito que é devido ao tribunais e aos magistrados, violando, assim, nomeadamente os deveres a que se refere o nº2 do artº 266-B do CPCivil,
2- À semelhança do que foi feito em relação às alegações produzidas no recurso interposto pata este TCAS, deverá ser participado à Ordem dos Advogados este comportamento .
3- Salvo melhor opinião, não estamos perante uma questão de direito processual ou substantivo que pela sua importância, complexidade ou erro manifesto, justifique a admissão do presente recurso de revista.
4- A alteração operada na redacção da alínea a) do artº 9º da Lei da Nacionalidade introduzida pela Lei nº2/2006, não veio excluir da atribuição da nacionalidade portuguesa a necessidade do requisito da ligação efectiva à comunidade nacional atenta a sua conjugação com o artº 57º nº1, do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL nº 237-A/2006, de 14-12.
5- Do pedido de atribuição da nacionalidade a menor de 12 anos, a que se refere o artº2º da LN, não está excluída a necessidade da existência desse requisito.
6- Ao MP compete propor acção administrativa especial de reconhecimento da inexistência do direito à aquisição da nacionalidade por falta desse requisito, competindo-lhe, assim, a alegação e prova dos factos demonstrativos dessa inexistência.
7- Na petição foram alegados factos não impugnados ou contrariados por outros factos pela demandada que revelam suficientemente a falta de ligação efectiva desta à comunidade portuguesa
8- Bem andou, pois. a douta sentença, bem como o douto acórdão deste TCAS, ora recorrido, que a manteve, motivo pelo qual deverá o mesmo serconfirmado, com o que se negará provimento ao presente recurso de revista, caso o mesmo venha a ser admitido.



Assim decidindo, farão Vossas Excelências, a costumada,

JUSTIÇA!

A Procuradora Geral Adjunta



Maria Antónia Soares




















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