Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:12/17/2014
Processo:11590/14
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 1.ª SECÇÃO
Magistrado:Fernanda Carneiro
Descritores:AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE POR MENOR CUJOS PAIS ADQUIRIRAM A NACIONALIDADE PORTUGUESA.
Texto Integral:

Procº nº 11590/14
2º Juízo-1ª Secção
Recurso Jurisdicional – CPTA
(Acção com processo especial de Oposição à Aquisição de Nacionalidade Portuguesa)


Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº, junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada do Acórdão proferido a fls. 79 e seguintes, na presente Acção com processo especial, de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, que confirmou a sentença proferida em 1ª instância, julgando improcedente a presente oposição deduzida pelo Ministério Público à aquisição da nacionalidade portuguesa de S…, nascida a 23.06.2000, representada por seus pais A… e F…, dele vem interpor Recurso Extraordinário de Revista para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do art. 150º do CPTA, o qual tem efeito suspensivo e sobe imediatamente nos próprios autos, nos termos dos arts. 141º, 142º nº 1 e 143º nº 1 do CPTA.
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Seguem as Alegações de Recurso.
Procº nº 11590/14 - 2º Juízo-1ª Secção
Autos de Recurso Jurisdicional – CPTA
(Acção com processo especial de Oposição à Aquisição de Nacionalidade Portuguesa)



Recurso de Revista

Alegações do Ministério Publico

Venerandos Juízes Conselheiros do
Supremo Tribunal Administrativo


A Magistrada do MP junto deste TCAS, não se conformando com o Douto Acórdão proferido a fls. 79 e seguintes, por este Tribunal nos autos supra referenciados, vem do mesmo interpor recurso de revista para esse STA, o que faz nos termos do art.º 150.º do CPTA e com os seguintes fundamentos:

I – Introdução:

O Ministério Público veio, em 03-06-2013, interpor no TAC de Lisboa, nos termos do artigos 9º e 10º da Lei 37/81 de 3/10, na redacção dada pela Lei nº 2/2006 de 17/04 e artigos 56º e seguintes do Regulamento da Nacionalidade portuguesa, aprovado pelo DL 237-A/2006 de 14-12, uma acção, com processo especial, de Oposição à Nacionalidade Portuguesa contra S…, nascida a 23.06.2000, representada por seus pais A… e F…, peticionando que se ordenasse o arquivamento do processo conducente ao registo de aquisição da nacionalidade portuguesa pela menor S…, pendente na Conservatória dos Registos Centrais, por inexistência de ligação efectiva á comunidade portuguesa ( artº 9º al a) da Lei nº 37/81 e artº 56º e seguintes do Dec. Lei nº 237-A/2006).

A douta sentença proferida em 28.11.2013 deu como assentes os seguintes factos:
1- A requerida S…, nacional da Gâmbia, nasceu a 23.6.2013, em Julangel, República da Gâmbia, filha de A… e F…, ambos, ao tempo do seu nascimento nacionais da República da Gambia.
2- O pai da requerida A…, adquiriu a nacionalidade portuguesa, nos termos do artº 7º da Lei 37/81 de 3.10.
3- A mãe da requerida F…, adquiriu a nacionalidade portuguesa nos termos do artº 3º da Lei nº 37/81 de 3.10.
4- A menor requerida, representada pelos seus progenitores na qualidade de seus representantes legais, apresentou requerimento, no qual declarou a vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa, pelo menor, ao abrigo do artº 2º da Lei 37/81, por ser filho de individuo que adquiriu a nacionalidade portuguesa, e com base em tal declaração foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais, o processo nº 21389/12.
5- A requerida reside com os seus progenitores no Luxemburgo.
6- A requerida frequenta curso, no Luxemburgo, para aprendizagem da língua portuguesa.

Vindo a concluir a douta sentença que“… Em face da prova produzida, nos presentes autos apura-se que os pais da menor, requerida, ambos têm nacionalidade portuguesa, bem como a menor está a aprender a língua portuguesa, o que por si só revela preocupação e esforço de criar elos com Portugal, apesar de não residir em Portugal, e por isso, no caso vertente é de concluir pela existência de ligação à comunidade nacional, já que a menor reside com os seus pais ambos já portugueses, e além de tudo o mais, o “ principio da unidade familiar” e a defesa da família impõe no caso sub-judice a atribuição da nacionalidade portuguesa.”

Não se conformando com a sentença que julgou improcedente a oposição à aquisição da nacionalidade, veio o Ministério Público interpor recurso jurisdicional da mesma para este TCA Sul, imputando à douta sentença proferida em 1ª instância erro de julgamento em relação ao juízo de ligação efetiva à comunidade portuguesa, em violação dos artigos 56º, nº2, alínea a) do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo DL nº 237-A/2006, artigo 9º, al. a) da Lei da Nacionalidade Portuguesa e artigo 343º nº1 do Código Civil defendendo, no essencial, que perante a matéria fáctica dada como provada deveria o tribunal considerar que a requerente não demonstrou, como lhe competia, já que de uma acção de simples apreciação negativa se trata, ter um contacto permanente e consistente com a comunidade cultural e social portuguesa, não podendo a ligação efectiva à comunidade nacional circunscrever-se às relações de parentesco e que o interesse na unidade familiar não é um elemento relevante para a aquisição da nacionalidade portuguesa.

O douto Acórdão do TCA Sul, ora recorrido, concluindo que:
“ O fundamento nuclear trazido a recurso em sede de conclusões consiste em que “ tratando-se de uma acção de simples apreciação negativa, impunha-se que a Ré trouxesse ao processo os elementos que pudessem fundar o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa, afirmado nas declarações prestadas na Conservatória dos Registos Centrais, sendo que, pelas razões referidas em sede de transcrição dos fundamentos exarados em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo prolatado em 19.06.2014 no procº nº 103/14, na acção para oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, incumbe ao Ministério Público o ónus da prova da existência de factos impeditivos do direito (aquisição da nacionalidade) que o interessado quis fazer valer (artºs 9º a) Lei 37/81, 3.10, 342º, nº2 e 343º do Cód. Civil.
Por outro lado, na circunstância importa atender à expressão da vontade manifestada pela interessada em adquirir a nacionalidade portuguesa, representada pelos seus pais, também cidadãos portugueses, no quadro da solução legal que se inspira na protecção do interesse da unidade da nacionalidade familiar, pois, embora o legislador não imponha este princípio, trata-se de uma realidade em que se encontra interessado e que promove ou facilita sempre que ela seja igualmente querida pelos interessados, como é o caso dos autos.”,

Julgou improcedente o recurso interposto pelo MºPº e confirmou a sentença da 1ª instância.

Foi lavrado voto de vencido no sentido da discordância, apenas da fundamentação, no que concerne ao ónus da prova, remetendo para os fundamentos vertidos no Acórdão deste TCAS no Proc. 11025/14.

II - Delimitação do objecto do presente recurso de revista:

Pretende-se, com este recurso de revista, impugnar o douto acórdão ora recorrido que, apreciando a sentença, nos termos em que foi impugnada pelo recorrente, decidiu confirmá-la, julgando improcedente a oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa.

Desde já se assinala que padece a douta sentença da 1ª instância e também o douto Acórdão, ora recorrido, de manifesto lapso de escrita, na indicação da data de nascimento da Requerida S… pois resulta dos documentos juntos aos autos a fls. 12 – certidão de nascimento – e de fls. 19, que nasceu a 23 de Junho de 2000, como é indicado na Petição Inicial, e não em 23 de Junho de 2013 como naquelas decisões se escreveu.

Impugna o Ministério Público o douto acórdão proferido em 20.11.2014, por entender que:

1- A factualidade dada como assente é insuficiente, só por si, para a aquisição da nacionalidade porquanto o único elo de ligação entre a requerida e a comunidade nacional é o facto dos seus progenitores terem adquirido, após o seu nascimento, a nacionalidade portuguesa, circunstância que não evidência, tal como vem sendo considerado pela jurisprudência, a existência de persistentes elos que possam corporizar um sentimento de pertença perene à comunidade nacional, de modo a poder afirmar-se que a Requerida, é psicológica e sociologicamente portuguesa, pelo que se mostra verificada a inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa;
2- As alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2006 de 17/04 não permitem alterar a qualificação da ação destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa como ação de simples apreciação negativa pelo que, nos termos do artigo 343.º, n.º 1 do C.C. compete ao Requerido/Réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga;
3- O artº 9º, al a) da Lei da Nacionalidade estabelece um fundamento (negativo) de oposição à aquisição da nacionalidade mas nada prevê quanto ao ónus da prova de tal facto, que terá que ser encontrado por aplicação das regras gerais, concretamente, do disposto no artº 343º, nº1 do CC, uma vez que está em causa uma ação de simples apreciação na qual se justifica que seja atribuído ao Réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, dada a impossibilidade de provar factos negativos;
4- Tal regime de ónus da prova em sede do processo judicial é consentâneo com as exigências de instrução do procedimento administrativo que recaem sobre o requerente do pedido de aquisição da nacionalidade, cuja pronúncia sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional não pode indiciar a falta dessa ligação sob pena de recair sobre o Conservador dos Registos Centrais o dever de participar tal facto ao MºPº e sobre este recair o dever de intentar a ação de oposição à aquisição da nacionalidade (nºs 1, 7 e 8 do artº 57º do Regulamento da Nacionalidade).

III - Admissibilidade do recurso de revista e seus fundamentos:

“O art.º 150.º n.º 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamenta” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. A excepcionalidade deste recurso tem sido reiteradamente sublinhada pela jurisprudência do STA, referindo que só pode ser admitido nos estritos limites fixados naquele preceito.

A intervenção do STA é considerada justificada apenas em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador. A jurisprudência desta formação tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo artigo 150° nº 1 do CPTA, se verifica tanto em face de questões de direito substantivo, como de direito processual, sendo essencial que a questão atinja o grau de relevância fundamental.

Nos termos daquela jurisprudência, o preenchimento do conceito indeterminado da relevância jurídica fundamental, verifica-se, designadamente, quando se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina. E, tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando tenha repercussão de grande impacto na comunidade.

Ora, no caso em apreço, estamos perante uma manifestação de vontade na aquisição da nacionalidade portuguesa feita por uma menor de 18 anos (representada pelos seus pais), ao abrigo do disposto no artº 2º da Lei da Nacionalidade, que nasceu na Gâmbia e reside no Luxemburgo com os pais, os quais adquiriram a nacionalidade portuguesa após o seu nascimento e que se encontra a aprender a língua portuguesa.

Assim, desde logo, estamos perante o contencioso da nacionalidade, cujo procedimento e ações de oposição à aquisição de nacionalidade são muito frequentes e com implicações de grande relevância na vida familiar, social e comunitária, pelo que tal matéria assume importância fundamental.

Por outro lado, estando em causa a manifestação de vontade de uma menor de 18 anos, que nasceu na Gâmbia e vive com os pais no Luxemburgo, os quais adquiriram a nacionalidade portuguesa, encontrando-se a aprender a língua portuguesa, importa que o Venerando Tribunal aprecie e decida se o conceito de ligação efetiva à comunidade nacional deve ou não ser demonstrado e aferido de modo diferente daquele que se encontra firmado na jurisprudência (“… A conclusão pela existência ou não de ligação efectiva ou pertença a comunidade nacional terá de resultar da ponderação de um conjunto de circunstâncias, como é o caso do domicilio, da estabilidade da fixação, da família, relevando a nacionalidade portuguesa do cônjuge e dos filhos, da atividade económica ou profissional, do conhecimento da língua falada ou escrita, dos usos, costumes e tradições, da história, da geografia, do convívio e integração nas comunidades portuguesas, das relações sociais, humanas, de integração cultural, da participação na vida comunitária portuguesa, designadamente, em associações culturais, recreativas, ou desportivas, humanitárias e de apoio, isto é, de todos os aspetos familiares, sociais, económico-profissionais, culturais e de amizade reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em Portugal ou no estrangeiro, relevando para tanto todos os elementos fatores suscetíveis de revelar a efetiva inserção do interessado na cultura e no meio social nacional que no caso concorram – ou deixem de concorrer.” – cfr. Acórdão do STJ de 6 de Julho de 2006, Proc. nº 06 B 1740., in www. Dgsi.pt.” )

A solução envolve a concatenação das Lei da Nacionalidade e respetivo Regulamento com vários princípios como, por exemplo, o da consideração do superior interesse da criança estabelecido no artº 3º da Convenção dos Direitos da Criança bem como o direito ao respeito pela vida familiar consignado no artigo 8º da Convenção para a Salvaguarda do Homem e das Liberdades Fundamentais pelo que se configura questão jurídica de elevada complexidade.

Estamos, pois, perante assunto de relevância fundamental cuja solução pode ser um paradigma para se apreciarem outros casos, de pedidos de menores que manifestam a vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa e se encontrem nas mesmas circunstâncias (cujos pedidos são frequentes).

Quanto à questão do ónus da prova, no que concerne ao requisito estabelecido no artº 9º, al a) da Lei da Nacionalidade, recair sobre o Ministério Público, subsistem dúvidas no tratamento de tal questão processual, bem patentes na falta de unanimidade dos juízes que intervieram no acórdão recorrido, conforme resulta do voto de vencido lavrado e também, entre outros, no entendimento vertido no recente e douto Ac. do TCA Sul de 6.11.2014, 11025/14, cujo teor aqui se reproduz.

Assim, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula a situação em apreço, deverá ser admitido o recurso face à clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo.

IV - Mérito do recurso de revista:

A - Questão de fundo:

Os fundamentos do douto Acórdão, ora recorrido, para negar provimento ao recurso que o MºPº interpôs da sentença que declarou improcedente a presente oposição deduzida à aquisição da nacionalidade portuguesa de S…, nascida a 23 de Junho de 2000, conforme certidão de nascimento junta a fls. 12 e não 23.6.2013 como por manifesto lapso de escrita se escreveu, consistiram, por um lado:

1º- no entendimento de que a partir da entrada em vigor da Lei 2/2006 recai sobre o MºPº o ónus da prova da “ inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional”, fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade previsto no artigo 9.º, al. a) da Lei da Nacionalidade, fundamento que considerou não ter sido provado pelo MºPº, e por outro lado,

2º- na consideração de que o quadro da solução legal se inspira na proteção do interesse da unidade familiar, realidade que deve ser facilitada sempre que seja querida pelos interessados, como é o caso dos autos.

A nossa divergência quanto ao 1ª fundamento, supra referido, assenta nas seguintes considerações:

Face à atual redação da Lei da Nacionalidade e do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa a ação de oposição à aquisição da nacionalidade configura-se como uma ação de simples apreciação que visa unicamente obter a declaração de inexistência de um direito ou de um facto – art.º 4.º,n.º 2, al. a) do CPC, competindo à parte demandada, nos termos do artigo 343.º, n.º 1do CPC, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito cuja inexistência a parte demandante pretende ver ser declarada. Compreendendo-se que assim seja porque constitui princípio que a parte contra quem é invocada a inexistência de um direito, está em melhores condições de provar que esse direito existe.

No que respeita à questão de saber se com as alterações introduzidas pela Lei nº 2/2006, de 17 de Abril, o ónus da prova da inexistência da ligação efetiva à comunidade portuguesa independentemente da sua natureza jurídica ser constitutiva ou impeditiva, inverteu o ónus da prova cabendo ao Ministério Público fazer prova de tal requisito já se pronunciou, no sentido negativo, o TCA Sul nos doutos Acórdãos de 2.10.2008, 04125/08, de 2.4.2014, 10952/14 e de 6.11.2014,11025/14, cujos fundamentos perfilhamos.

Com efeito, como se escreve no Sumário do douto Acórdão do TCA SUL de 6.11.14, proc. 11025 “ I – O artigo 9.º/a) da Lei da Nacionalidade estabelece um fundamento (negativo) de oposição à aquisição da nacionalidade, mas nada prevê quanto ao ónus da prova de tal facto, que terá que ser encontrado por aplicação das regras gerais, concretamente, do disposto no artigo 343.º/1 do CCiv, uma vez que está em causa uma ação de simples apreciação na qual se justifica que seja atribuído ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, dada a dificuldade ou mesmo impossibilidade de provar factos negativos (que, no caso, são também factos pessoais do réu).
II – Este regime de ónus da prova em sede do processo judicial é consentâneo com as exigências de instrução do procedimento administrativo que recaem sobre o requerente do pedido de aquisição da nacionalidade, cuja “pronúncia” sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional não pode indiciar a falta dessa ligação, sob pena de recair sobre o Conservador dos Registos Centrais o dever de participar tal facto ao Ministério Público e sobre este o dever de intentar ação de oposição à aquisição de nacionalidade (n.ºs 1, 7 e 8 do artigo 57º do Regulamento da Nacionalidade). …”

Relativamente ao 2º fundamento supra mencionado:

O princípio da proteção do interesse da unidade da nacionalidade familiar não é um elemento relevante na aquisição da nacionalidade portuguesa.

Apesar do interesse da família nuclear e da unidade de nacionalidade de pais e filhos, o certo é que a lei não arvorou em elemento suficiente ou particularmente relevante para a aquisição da nacionalidade por estrangeiros filhos de quem tenha adquirido a cidadania portuguesa.

Por outro lado, as alterações introduzidas à LN pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17.04 e o atual texto do RN, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14.12, não passaram a estabelecer qualquer presunção legal de que o cidadão estrangeiro que seja filho ou case com um cidadão português passa a deter uma efectiva ligação à comunidade portuguesa.

No caso em apreço, resulta da prova documental junta aos autos que a Requerente não fez prova da sua ligação efetiva à comunidade portuguesa e que o MºPº, na sequência da respetiva participação efectuada pela Conservatória instaurou a presente oposição à aquisição de nacionalidade, invocando na PI factos demonstrativos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, com base nos elementos documentais juntos aos autos.

No caso vertente, resulta da materialidade dada como assente que a Requerente S… nasceu na Gâmbia e vive no Luxemburgo com os seus pais que adquiriram a nacionalidade portuguesa, encontrando-se a frequentar, no Luxemburgo, um curso para aprendizagem da língua portuguesa.

Tal factualidade, não é suficiente para que se possa afirmar que a requerente possui já uma real e convincente ligação á comunidade portuguesa, não revelando a sua efetiva inserção na cultura e no meio social nacional.

Pelo que só se poderá concluir pela inexistência de ligação efetiva à comunidade portuguesa por parte da Ré, Requerente do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa.

V – EM CONCLUSÃO:

1 - Os presentes autos respeitam a ação com processo especial de Oposição à Aquisição da Nacionalidade instaurada pelo MºPº, na sequência de participação da Conservatória, contra S…, nascida a 23.06.2000, na Gâmbia e residente no Luxemburgo, representada por seus pais A… e F…, que apresentara requerimento a declarar a vontade de aquisição da nacionalidade portuguesa, ao abrigo do artº 2º da Lei 37/81, por ser filha de indivíduos que adquiriram a nacionalidade portuguesa;

2 – O MºPº invocou na Petição Inicial factos que entendeu demonstrativos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional, porquanto dos elementos documentais juntos aos autos apenas resultava ter a menor S… nascido na Gâmbia, residir no Luxemburgo com os seus pais, também originários da Gâmbia mas, que haviam adquirido a nacionalidade portuguesa, e frequentar no Luxemburgo curso de aprendizagem da língua portuguesa ;

3 - A sentença proferida em 1ª instância declarou improcedente a oposição à aquisição da nacionalidade contra a S… por ter concluído pela existência de ligação à comunidade nacional com base no facto de se ter apurado que os pais da menor têm ambos a nacionalidade portuguesa, a menor estar a aprender a língua portuguesa, o que por si só revela preocupação e esforço de criar elos com Portugal e, para além de tudo o mais, por o “ principio da unidade familiar” e a defesa da família, imporem no caso “sub judice” a atribuição da nacionalidade portuguesa;

4 - O douto Acórdão do TCA Sul proferido a 20.11.2014, negou provimento ao recurso que o MºPº interpusera da sentença supra referida, que manteve, com o fundamento de que a “ inexistência de ligação efetiva “ tinha quer ser provada pelo MºPº, conforme decorre da nova redação dada ao artigo 9º da Lei 37/81 e, por outro lado, no caso dos autos importava a consideração relevante da proteção do interesse da unidade da nacionalidade familiar;

5 - Ora, não só o artigo 9º, al a) da Lei da nacionalidade nada prevê quanto ao ónus da prova de tal facto que terá que ser encontrado por aplicação das regras gerais – artigo 343, nº1 do CC - uma vez que está em causa uma ação de simples apreciação, como não resulta da Lei da Nacionalidade Portuguesa, para os casos de pretensão de aquisição da cidadania portuguesa por filho menor de quem a adquiriu, a desvinculação de alguma das suas exigências ou a relevância do principio da unidade da nacionalidade familiar ou, até da defesa da família;

6 - Por outro lado, o conceito de ligação efetiva à comunidade nacional tem sido considerado pela jurisprudência como aferido através de elementos reveladores de um sentimento de pertença à comunidade portuguesa em Portugal ou no estrangeiro, relevando para tanto, todos os fatores suscetíveis de revelar a efetiva inserção do interessado na cultura e no meio social nacional, circunstância que a materialidade assente, no caso em análise, não parece ser suficiente para preencher;

7 - Mas, o certo é que estamos perante manifestação de vontade em adquirir a nacionalidade portuguesa de menor de 18 anos de idade que, embora tenha nascido na Gâmbia e resida no estrangeiro, vive com os pais que adquiriram a nacionalidade portuguesa pelo que será, ou não, de considerar relevantes princípios que não resultam da Lei da Nacionalidade Portuguesa, como o fez a douta sentença e também o douto Acórdão do TCA Sul e/ou até direitos consignados noutros diplomas e aferir de outro modo o que se deve considerar a ligação efetiva à comunidade portuguesa, em casos como o dos autos;

8 - Afigura-se-nos estarem preenchidos os requisitos exigíveis pelo nº 1 do artº 150º do CPTA porque, desde logo, estamos perante o contencioso da nacionalidade, cujo procedimento e ações de oposição à aquisição da nacionalidade são muito frequentes e com implicações de grande relevância na vida familiar, social e comunitária, matéria que assume relevância fundamental;

9 - Por outro lado, a solução envolverá a concatenação da Lei da Nacionalidade Portuguesa e respetivo Regulamento com princípios consignados noutros institutos jurídicos como, por exemplo, o da consideração do superior interesse da criança estabelecido no artº 3º da Convenção dos Direitos da Criança e o do respeito pela vida familiar consignado no artº 8º da Convenção para a Salvaguarda do Homem e das Liberdades Fundamentais, configurando-se questão jurídica suscetível de elevada complexidade;

10 - Quanto à questão do ónus da prova, no que concerne ao requisito estabelecido no artº 9º, al a) da Lei da Nacionalidade, recair sobre o Ministério Público, subsistem dúvidas no tratamento de tal questão processual, bem patentes na falta de unanimidade dos juízes que intervieram no acórdão recorrido, conforme resulta do voto de vencido lavrado e também, entre outros, no entendimento vertido no recente douto Ac. do TCA Sul de 6.11.2014, 11025/14;

11 - Estamos, pois, perante assunto de relevância fundamental cuja solução será um paradigma para se apreciarem outros casos, de pedidos de menores que manifestam a vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa e se encontrem nas mesmas circunstâncias (cujos pedidos são frequentes);

12 - Em face do exposto, deverá ser admitido o presente recurso de revista.


Assim decidindo farão Vossas Excelências
A costumada,

JUSTIÇA!


A Procuradora – Geral Adjunta

Fernanda Carneiro