Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:06/15/2012
Processo:08926/12
Nº Processo/TAF:1491/09.0BESNT
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:ACÇÃO ESPECIAL DE IMPUGNAÇÃO.
A.I.M.´S E P.V.P. ´S.
LEI N.º 62/11, DE 12/12.
APLICAÇÃO RETROACTIVA.
(IN)CONSTITUCIONALIDADE.
Texto Integral:Tribunal Central Administrativo Sul


Proc. nº 08926/12 – Rec. Jurisdicional

2º Juízo/1ª Secção ( Contencioso Administrativo )


Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº, junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do artº 146º nº1 do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

O presente recurso vem interposto, pelas então AA., da sentença proferida, a fls. não numeradas, pelo TAF de Sintra, que julgou improcedente a presente acção e absolveu a Entidade Demandada e as contra - interessadas do pedido de declaração de nulidade ou de anulação das deliberações do Conselho de Administração do Infarmed, de Autorizações de Introdução no Mercado (AIMs) dos medicamentos genéricos descritos nas als. n) a p) do probatório, às contra - interessadas.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, as ora recorrentes, imputam à sentença em recurso violação dos arts. 102º, 338º, 7º, 30º e 101º do CPI; arts. 369º e 371º do CC; art. 62º da CRP e 133º nº 2 al. d) do CPA; errada aplicação dos arts. 18º, 22º e 62º da CRP e 25º,15º nº 1 e 19º nº 1 do EM; art. 16º do EA e arts. 3º, 6º, 31º e 56º do CPA.

A Entidade recorrida e a Contra - Interessada C… contra - alegaram pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida, levantando, como questão prévia, a superveniente entrada em vigor da Lei nº 62/2011 de 12/12 e a sua aplicação aos autos por via da norma interpretativa do nº 1 do art. 9º daquela Lei.

As AA, aqui recorrentes, ofereceram contra - alegações sobre questão prévia invocada pelas recorridas defendendo a não aplicação da referida Lei 62/2011 e a inconstitucionalidade das normas dos arts. 9º, 19º, 25º e 179º da mesma Lei.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com base nos documentos juntos aos autos, os factos constantes das alíneas a) a q), sob o título “Os factos”, a fls. não numeradas, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

III – Sobre a questão prévia, da aplicação da Lei nº 62/2011 temos a dizer o seguinte:

Vinha sendo nosso entendimento, seguindo a jurisprudência maioritária deste TCAS, que, em caso de concessão de AIMs pelo Infarmed de medicamentos genéricos contendo como princípio activo um produto protegido por patente, deveriam ser declarados nulos tais actos de concessão das AIMs impugnadas por violação do art. 133º nº 2 al. d) do CPA e dos arts. 62º, 17º e 18º da CRP.

Recentemente (em 12/12/2011) foi publicada a Lei nº 62/2011 que, entre o mais, veio alterar os arts. 19º, 25º, 179º e 188º e o nº 6 da parte ii do anexo i do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto.

Assim, os nºs 2 e 3 do art. 25º do DL 176/2006 passaram a ter a seguinte redacção:
“2 - O pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 18.º
3 - Para determinar se um medicamento preenche as condições previstas nas alíneas c) a f) do n.º 1, o INFARMED tem em conta os dados relevantes, ainda que protegidos.”

Por sua vez o nº 2 do art. 179.º do mesmo diploma passou a ter a seguinte redacção:
2 - A autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial.

Ainda o art. 23-A aditado ao DL nº 176/2006 estipula que:
“Objecto do procedimento
1 - A concessão pelo INFARMED, I. P., de uma autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento de uso humano, bem como o procedimento administrativo que àquela conduz, têm exclusivamente por objecto a apreciação da qualidade, segurança e eficácia do medicamento.
2 - O procedimento administrativo referido no número anterior não tem por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.”

Por sua vez, o art. 8.º da referida Lei 62/2011 determina:
“Autorização de preços do medicamento
1 - A decisão de autorização do PVP do medicamento, bem como o procedimento que àquela conduz, não têm por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
2 - A autorização do PVP dos medicamentos não é contrária aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos.
3 - O pedido que visa a obtenção da autorização prevista nos números anteriores não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
4 - A autorização do PVP do medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial.

E, o art. 9.º da mesma Lei determina ainda:
“Disposições transitórias
1 - A redacção dada pela presente lei aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa.”

Ora, como é sabido, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (art. 13º, nº 1 do C. Civil), ou seja, “retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª Edição, anotação ao art. 13º).

Assim sendo, que não haja outra alternativa, a nosso ver, senão a de que a orientação jurisprudencial maioritária deste TCAS deverá naturalmente ser reponderada, com a convocação desse novo elemento de ordem legal, conforme, aliás, já o vem a fazer.

E, face a tais disposições legais citadas, que os actos de concessão das AIMs em causa nos autos, sem atender à violação de direitos que decorrem da titularidade de patentes, se tenham de considerar como actos vinculados para o Infarmed.

Com efeito, conforme se exara, a propósito, no Ac. deste TCAS de 19/01/2012, Rec. 08253/11, in www.dgsi.pt/ «uma lei interpretativa (assim declarada por lei ou assim por natureza) só existe se a solução do direito anterior for controvertida ou pelo menos incerta e se a solução da lei nova se situar dentro dos quadros da controvérsia existente de modo que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normais de interpretação e aplicação da lei. Caso contrário, a lei nova será inovadora e não interpretativa, precisamente porque violou expectativas fundadas (J. BAPTISTA MACHADO, Introdução…, 1985, p. 245 ss; OLIV. ASCENSÃO, O Direito…, 4ª ed., 1987, nº 245 a 247; Assento do STJ de 16-4-1982, DR-1ª, 18-6-1982).
Como é sabido, a jurisprudência superior maioritária tem entendido que a AIM de medicamentos deve considerar também o direito fundamental à propriedade industrial, titulado por patentes, não podendo por isso emitir a AIM se houver uma patente alheia em vigor. Minoritariamente, entendia-se o que consta agora do art. 25º cit. O legislador veio assim “optar” por “fixar” que a solução legal era e é a da jurisprudência superior minoritária.».

Daí que tais normas da Lei nº 62/11, sejam aplicáveis aos processos pendentes como é o caso dos presentes autos.

Sendo que a imputada inconstitucionalidade material de tais normas, por violação dos art. 62º nº 1, 266º, e 268º nº 4 da CRP sempre cumprirá, em termos de fiscalidade, em nosso entender, ao Tribunal Constitucional.

Não obstante, tendo em conta o preceituado nos arts. 2º e 3º da Lei 62/11 – quanto a ficarem sujeitos à arbitragem necessária os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, na acepção da alínea ii) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de protecção – cabendo recurso da decisão arbitral para o Tribunal da Relação competente, dessa forma se mostra garantida a tutela jurisdicional efectiva das questões relacionadas com a eventual possibilidade de comercialização por inerência da concessão de AIMs e PVPs de medicamentos protegidos por patentes e certificados complementares de protecção em vigor.

Por outro lado, as limitações legais impostas ao direito de propriedade, constitucionalmente consignado, afigura - se não serem inconstitucionais na medida em que tal direito não é absoluto, nem tal refere a CRP.

Na verdade, os direitos de propriedade – onde se podem incluir o direito de propriedade industrial – por mais relevantes que sejam não são direitos absolutos, podendo sofrer as restrições previstas na lei e na Constituição (cfr. anotações ao artº 62º da CRP in Constituição da República Portuguesa Anotada, I volume, dos Profs. Vital Moreira e J. J. Gomes Canotilho).

Por isso, se nos afigure inexistir qualquer inconstitucionalidade das disposições da Lei nº 62/11 que alteraram, com natureza interpretativa, o Dec. Lei nº 176/2006, nomeadamente, dos princípios da confiança e da tutela jurisdicional efectiva, bem como do direito de propriedade.

IV – Assim, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mas com os fundamentos deste parecer.


Lisboa, 2012 - 06 - 15

A Procuradora Geral Adjunta


( Clara Rodrigues )