Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:11/10/2011
Processo:08203/11
Nº Processo/TAF:00716/11.6BELSB
Sub-Secção:2.º Juízo
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:MEDICAMENTOS GENÉRICOS.
AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO PELO INFARMED.
MEDICAMENTOS DE REFERÊNCIA PATENTEADOS.
INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A AIM (EO PVP) E OS PREJUÍZOS INERENTE À COMERCIALIZAÇÃO DO GENÉRICO.
Data do Acordão:01/26/2012
Texto Integral:Vem o presente recurso interposto pela requerente, Novartis AG da sentença que considerou improcedente o seu pedido de suspensão de eficácia das AIMs atribuídas pelo INFARMED às contra-interessadas HELM AG, Ratiofharm-Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos, Lda e Laboratórios Liconda SA, relativa ao medicamento genérico Valsartan com as várias designações comerciais e nas várias dosagens indicadas pela requerente e consequentemente improcedentes os demais pedidos formulados na petição, nomeadamente o pedido de intimação do INFARMED a não autorizar ou a não realizar a transferência da titularidade das AIMs concedidas durante o período de vigência da patente nº 96799 e respectivo CCP20, até 23-09-2013, relativamente aos mesmos produtos, bem como o pedido de intimação para abstenção da DGAE/MEI a abster-se de emitir os PVPs requeridos ou a requerer.
A requerente ora recorrente, aborda as seguintes questões nas suas alegações de recurso jurisdicional:

1 – Atribuição de efeito suspensivo ao recurso.

2 – Violação do princípio do contraditório.

3 – Existência dos pressupostos necessários ao deferimento da suspensão de eficácia.

A nosso ver, porém, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura. Vejamos porquê:

1 - Atribuição de efeito suspensivo ao recurso.

Segundo a recorrente deveria ter sido dado efeito suspensivo ao recurso nos termos do artº 143º nº1 do CPTA, uma vez que o efeito devolutivo a que se reporta o nº2 do mesmo artigo deverá ser atribuído apenas quando se está perante uma sentença que tenha decretado a adopção da providência cautelar.

Parece-nos que terá, efectivamente razão.

De facto, o nº2 do artº 143º constitui uma excepção ao que refere o nº1, pelo que não admite interpretação extensivo.

Ora, afigura-se-nos que a letra do nº2 é bem clara ao consignar apenas duas excepções uma das quais é a de ser adoptada a providência requerida.

É aliás, o que também acontece em processo civil, sendo que o recurso interposto de decisão que não adopte uma providência tem efeito suspensivo ( cfr alínea d) do nº3 do artº 692º do CPC).

Também no âmbito da LPTA existia esta diferenciação entre recurso da sentença que suspendia a eficácia com efeito meramente devolutivo, nos termos do nº2 do artº 105º e recurso da sentença que considerava o pedido improcedente com efeito suspensivo(cfr anotação 3. Ao artº 113º in Contencioso Administrativo anotado e comentado, 2ª edição, de José Manuel dos Santos Botelho).

E parece que faz sentido que assim seja uma vez que a não adopção da providência no caso presente, não implica a cessação automática dos efeitos do acto suspendendo prevista no nº1 do artº 128º do CPTA, mantendo-se os mesmos até transito em julgado da decisão recorrida.

Isto excepto quando existe uma declaração fundamentada devidamente aceite, como é o caso presente e não acontecia nos processos onde emitimos os pareceres juntos a estes autos pela recorrente ( fls 1586 e segs).

É certo que a recorrente impugnou neste recurso a aceitação pelo tribunal a quo, da resolução fundamentada. só que, a nosso ver, tal impugnação deverá ser indeferida pois é manifesto que a resolução fundamentada apresentada pelo Infarmed, alude, como devia aludir, aos notórios e graves prejuízos que para a saúde pública, para as finanças públicas e para a imagem de Portugal na CE, acarreta a suspensão de eficácia aqui solicitada.

Neste caso, uma vez que o Infarmed pôde de imediato executar o acto suspendendo, por razões de manifesto interesse público, não faz sentido o recurso ter efeito suspensivo, tal como acontece nos casos previstos no nº3 do artº 142 doCPTA.

Nestes termos, deverá no nosso entender, este TCAS manter, no caso vertente e por via da declaração fundamentada, o efeito devolutivo dado ao presente recurso jurisdicional.

2 – Violação do princípio do contraditório.

Nas contra-alegações vem referido que este despacho não foi especificadamente objecto de recurso pelo que a sua impugnação não pode ser apreciada.

O despacho que considera que não foi violado o princípio do contraditório precede imediatamente a sentença, mostrando-se autónomo desta pelo que deveria, na verdade, ter sido objecto de recurso jurisdicional também autónomo, à semelhança do que acontece com os despachos interlocutórios ( cfr anotação nº5 ao artº 142 e artº 144 do CPTA, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha).

Assim, dado que a sentença de que se recorre não contempla esta questão, as conclusões que à mesma se referem devem ser dadas como não escritas.

Mas ainda que assim não fosse, sempre o recurso improcederia pois a falta de pronúncia sobre a ilegitimidade activa excepcionada na oposição da contra-interessada Helm AG, é passível de ser considerada “manifestamente desnecessária”, caso em que, nos termos do nº3 do artº 3º do CPC, pode não ser cumprido o contraditório.

Ora, douta sentença recorrida, no âmbito dos seus poderes de ampla apreciação da necessidade ou desnecessidade do contraditório, considerou, por despacho prévio à sentença propriamente dita, que a falta de notificação à requerente, ora recorrente Novartis AG, da oposição apresentada nos autos pela contra-interessada Helm AG e consequente não pronúncia sobre a excepção da ilegitimidade activa na mesma aduzida, não constituíam violação do princípio do contraditório uma vez que a requerente teve oportunidade de sobre a mesma se pronunciar e pronunciou-se efectivamente, pois foi notificada das oposições do Infarmed e da contra-interessada Ratiopharm, onde foi suscitada a mesma excepção.

Por outro lado era manifesta a improcedência desta excepção como efectivamente veio a ser considerado, pelo que se tratava, também, duma questão incontroversa.

E, finalmente, ao contrário do que pretende a requerente, ora recorrente, nenhuma outra excepção foi invocada na oposição da Helm AG, sendo que a invocada ilegalidade/nulidade da patente não constitui qualquer excepção peremptória uma vez que diz respeito à apreciação dum pressuposto necessário ao deferimento da suspensão de eficácia e, portanto ao mérito da causa.

3 – Existência dos pressupostos necessários ao deferimento da suspensão de eficácia.

1. A sentença proferida nos autos, considerou que não existe evidente procedência da pretensão formulada no processo principal dando como não verificado o requisito constante na alínea a) do nº1 do artº 120º do CPTA.

Considerou, ainda, que inexistia nexo causal entre as AIMs e os PVPs, e o alegado direito patenteado da recorrente , uma vez que a atribuição da licença de comercialização não pressupõe a comercialização efectiva do medicamento genérico. Assim, entendeu que a prolação dos actos suspendendos não causarão à recorrente prejuízos de difícil reparação ou verificação de um facto consumado, pelo que considerou não se verificar o periculum in mora, o que obsta à apreciação da “ponderação de interesses” .

2. A recorrente nas suas longas alegações defende a manifesta procedência da acção principal bem como a existência do periculum in mora e da ponderação de interesses a seu favor, baseando-se na vasta jurisprudência do TCAS que tem considerado de suspender a eficácia em casos semelhantes.

3.Contra-alegaram o Infarmed e as contra-interessadas Ratiopharm e Helm AG, tendo a primeira feito, nomeadamente, referência á Proposta de Lei nº 13/XII de 1-9-11 que prevê alterações aos arts 19 nº7, 25 nº2 e 179º nº2 do Estatuto do Medicamento aprovado pelo DL n~176/06, de 30-8, no sentido de afastar mais claramente as questões sobre propriedade industrial da aprovação dos medicamentos genéricos e a segunda deduzido oposição à invocada ilegalidade do despacho que negou a violação do princípio do contraditório.


***

a. Quanto ao requisito contido na alínea a) do nº1 do artº 120º do CPTA.

Tal como bem decidiu a sentença recorrida, na senda, aliás, do entendimento jurisprudencial unânime quanto a esta questão, não se verifica este requisito da manifesta ilegalidade dos actos suspendendos e consequente evidente procedência da acção principal.

E isto desde logo porque é controversa e tem sido amplamente discutida, conduzindo à prolação de decisões diversas, nomeadamente a questão da obrigatoriedade ou não de apreciação pelo Infarmed da existência de patentes.

a. Quanto ao requisito contido na alínea a) do nº1 do artº 120º do CPTA.

Tal como bem decidiu a sentença recorrida, na senda, aliás, do entendimento jurisprudencial unânime quanto a esta questão, não se verifica este requisito da manifesta ilegalidade dos actos suspendendos e consequente evidente procedência da acção principal.

E isto desde logo porque é controversa e tem sido amplamente discutida, conduzindo à prolação de decisões diversas, nomeadamente a questão da obrigatoriedade ou não de apreciação pelo Infarmed da existência de patentes..

b. Quanto ao requisito da alínea b) do nº1 do artº 120º do CPTA - periculum in mora.

Concordamos inteiramente com a sentença proferida, a qual integra, na sua essencialidade, o entendimento que vimos defendendo reiteradamente em casos semelhantes, pelo que nos limitamos a reproduzir os argumentos que invocámos a título de exemplo nos processos nºs 07947/11 e 07948/11.

É verdade que a Jurisprudência deste TCAS tem-se inclinado, quase maioritariamente para, em casos semelhantes, suspender a eficácia das AIM e também das PVP, dando como verificada a existência duma patente integrante dos direitos de propriedade das sociedades farmacêuticas que comercializam o princípio activo que também integra o medicamento genérico que se pretende ex novo introduzir no mercado e, consequentemente, considerando que a AIM concedida nestes casos pelo INFARMED, é ilegal por não ter apreciado in totum todas as limitações impostas pelo ordenamento jurídico a essa introdução no mercado e, nomeadamente, as previstas no Código de Propriedade Industrial.

Não concordamos, salvo o devido respeito, com este entendimento.

Na verdade, existe um processo de AIM dos medicamentos genéricos, devidamente regulamentado, aí se estabelecendo, taxativamente, não só as respectivas fases, como as razões que levam ao seu indeferimento.

É o que, aliás, também acontece nos processos centralizados de obtenção de autorização de introdução no mercado, da competência da Comunidade Europeia, cujo Regulamento (CE) n.º 726/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, estabelece no nº2, do artº 18º, que a AIM “só pode ser concedida, recusada, suspensa, retirada ou revogada em conformidade com os procedimentos e pelas razões previstas”-

Assim é que, em consonância com esta directiva comunitária, o DL nº 176/2006, de 30-8, que aprovou o actual Estatuto do Medicamento (EM), revogou o anterior regime estatuído pelo Decreto-Lei n.º 72/91, de 8 de Fevereiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 242/2000, de 26 de Setembro, cujo artigo 19.º estipulava o seguinte:

1 - São considerados medicamentos genéricos aqueles que reúnam cumulativamente as seguintes condições:

a) Serem essencialmente similares de um medicamento de referência, de acordo com o previsto nas alíneas i) e j) do artigo 2.º;

b) Terem caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico; ( destaque nosso).

c) Não se invocarem a seu favor indicações terapêuticas diferentes relativamente ao medicamento de referência já autorizada,

2 - A exigência de demonstração da bioequivalência, para a concessão da autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos, segue estritamente o disposto nas normas comunitárias sobre a matéria.

Em consonância com este normativo, estipulava o nº1, do artº 20º, do mesmo Decreto-Lei que “a autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos está sujeita ao disposto na secção I deste capítulo, com as alterações decorrentes do estabelecido no artigo anterior”

Isto significava que a requerente, no âmbito do anterior E.M., teria que instruir o seu pedido de AIM com documento que comprovasse “terem caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico”.

Ora, nos termos do actual DL nº 176/2006, de 30-8, tal exigência deixou de existir, referindo o seu artº 25º taxativamente que “o requerimento de AIM é indeferido sempre que um dos seguintes casos se verifique:

a) O requerimento, apesar da validade, não foi apresentado em conformidade com o art. 15º.;

b) O processo não está instruído de acordo com as disposições do presente decreto-lei ou contém informações incorrectas ou desactualizadas;

c) O medicamento é nocivo em condições normais de utilização;

d) O efeito terapêutico do medicamento não existe ou foi insuficientemente comprovado pelo requerente;

f) A relação benefício-risco é considerada desfavorável, nas condições de utilização propostas;

g) O medicamento é susceptível, por qualquer outra razão relevante, de apresentar risco para a saúde pública”.

Por sua vez, também o artº 15º citado na alínea a) do dispositivo legal transcrito, não prevê qualquer prova da caducidade da patente como requisito da AIM de um medicamento genérico.

Verifica-se, assim que, para um medicamento ser considerado genérico, não é necessário que tenham caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico, pelo que o INFARMED, atentos os citados artºs 25º e 15º do E.M., não pode recusar a AIM com base na existência duma patente ainda em vigor.

Parece-nos, efectivamente, clara, a intencionalidade da alteração legislativa neste sentido.

Isto não obsta a que, como se refere no acórdão do TCAS de 14-2-08, in procº nº 03165/07 “a AIM não confira aos particulares direitos de que não sejam titulares relativamente à comercialização de medicamentos, não os dispensando, por isso, da sujeição aos exclusivos resultantes das patentes nem da responsabilização civil ou criminal (cfr. art. 14º. Nº4 do EM)

Porém, quanto a nós e salvo o devido respeito, a conclusão a tirar desta asserção, não é a mesma do acórdão citado, mas sim a de que é aos particulares ou empresas requerentes, que compete “o não exercício de direitos de que não são titulares”, sob pena de serem responsabilizados por isso, e não ao INFARMED o dever de fiscalização nessa matéria.

Ou seja, a eventual ilicitude de condutas tanto a nível do direito comercial como do direito criminal, incluindo a validade da patente, terá que ser discutida entre as partes da relação jurídica donde emanou a conduta indevida e no foro próprio

Portanto, no foro do Contencioso Administrativo e, em particular, num processo cautelar, não pode dar-se como assente a existência duma patente que não se sabe se é válida, para servir de fundamento principal à suspensão de eficácia dum acto administrativo cuja prolação não depende da inexistência daquela.

Mas assim sendo, não se poderá considerar a AIM, à qual não foi atribuída a violação de qualquer dispositivo constante do Estatuto do Medicamento em vigor, causa adequada de qualquer dano que a Requerente invoca neste processo.

De facto, a verificação de qualquer circunstância danosa para esta, advirá duma relação de direito privado que se estabelecerá entre esta, alegadamente detentora duma patente que lhe confere direitos, e a recorridas.

Sintomaticamente a Requerente não indica quaisquer factos concretos que elucidem o tribunal das razões porque existe colisão entre a existência da patente e a comercialização do genérico, não obstante essa invocação ser essencial para se aferir da eventual existência de prejuízos de difícil reparação e do periculum in mora.

Efectivamente, não nos parece de todo incompatível a existência dessa patente com a comercialização de medicamento genérico.

Isto sob pena da impossibilidade quase total de introdução do medicamento genérico no mercado, sendo certo que em muitos casos coexistem no mercado medicamentos genéricos e não genéricos ( vários) com o mesmo princípio activo.

Assim, importava que a Requerente tivesse especificado os prejuízos concretos que neste caso ocorreriam com a autorização concedida pelo Infarmed , sem a qual não se descortina se são ou não de difícil reparação ou se existe o nexo causal exigível .

Com efeito, a existência de nexo causal entre o dano e o acto suspendendo tem vindo a ser considerada necessária unanimemente pela jurisprudência do STA (cfr, entre muitos, os acs do STA de 29-1-91, de 3-7-03 e de 19-3-03, in recºs nºs 028742, 0782ª/03 e 0484/03, respectivamente).

Assim, nos termos do último acórdão citado “Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto (v. entre outros, acórdão de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236 in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes)”.

Portanto, o requisito do periculum in mora constante da alínea b) do nº1 do artº 120º do CPTA, não poderia dar-se como verificado ( cfr, neste sentido, os acórdãos deste TCAS in recºs 03247/07 e 03222/07 ).

Não podemos, também, deixar de sublinhar mais um ponto essencial que decorre da alegada violação do direito fundamental e que é o direito de propriedade industrial decorrente do registo da patente, supostamente corolário do direito de propriedade privada constitucionalmente consignado, que a Recorrente defende que lhe assiste sobre o princípio activo comum ao medicamento de referência que comercializa e aos medicamento genéricos que as Requeridas pretendem introduzir no mercado.

Realmente e salvo o devido respeito, não podemos concordar com o “individualismo possessivo” que a Requerente imprime à defesa do que considera serem os seus direitos, como se estes fossem os únicos direitos a considerar na problemática que aqui nos ocupa e tem ocupado os Tribunais Administrativos nos últimos tempos, da relevância que assume um princípio activo patenteado, para a introdução no mercado de medicamentos genéricos com o mesmo princípio activo.

E isto porque, simplesmente, consideramos que está em jogo não apenas o direito à propriedade industrial – aliás sem assento constitucional específico – mas muitos outros direitos, alguns, esses sim, com assento constitucional específico, como o direito à saúde a que se reporta o artº 64º da CRP, de que é corolário lógico o direito consignado na alínea e), do nº3 deste dispositivo constitucional, bem como o direito dos consumidores à protecção do Estado estatuído na alínea e) do artº 99º da C RP.

É, em face dos interesses sociais em jogo, que a introdução dos genéricos em Portugal e também em muitos outros países, obedece a legislação própria e específica com vista à prossecução duma política integrada de defesa da saúde.

Nesta senda e para além da própria lei não o exigir, não se pode aqui relevar, sem mais, em nosso entender, o registo da patente, com preterição de todos os outros direitos e interesses em jogo.

Isto, salvo se se provar no foro próprio, que houve efectiva violação da patente e que essa violação acarreta responsabilidade civil e criminal, como já se referiu.

De facto, a defesa que faz a Requerente, de que a introdução no mercado dum medicamento genérico com as mesmas características e propriedades de um medicamento de referência “só pode ser autorizada quando não existam patentes válidas eficazes relativas ao medicamento de referência”, para além de, no nosso entender, não merecer qualquer apoio legal, é uma violação não só dos interesses privados que também existem na comercialização dos genéricos, idênticos, aliás, aos da proprietária da patente, mas também e sobretudo dos direitos dos cidadãos, quer directamente dos seus direitos no âmbito da saúde, quer indirectamente dos direitos que lhes advêm do benefício que o Estado retira da comercialização dos genéricos em termos económicos.

Tal resulta, temos para nós que inequivocamente, do facto dos direitos de propriedade – onde se poderá incluir o direito de propriedade industrial – por mais relevantes que sejam, - não serem direitos absolutos, sofrendo as restrições prevista na lei e na Constituição, nomeadamente enquanto são susceptíveis de colidir com outros direitos de igual ou superior importância, como nos parece ser o caso dos autos ( cfr, sobre esta problemática, as anotações ao artº 62º da CRP in Constituição da República Portuguesa Anotada, I volume de V.Moreira e J.J.Gomes Canotilho e em especial o recente acórdão do STA de 8-9-11in procº 0508/11).

Ora, uma das restrições ao direito de propriedade duma patente protectora dum princípio activo é, para nós, o facto da lei prever expressamente a concessão de autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos pelo INFARMED e a consequente e necessária fixação dos preços de mercado pela DGAE, sem que tais medidas possam ser recusadas com base na existência duma patente, como decorre da alteração legislativa levada a cabo pelo DL nº 176/2006, de 30-8 que revogou anterior legislação que o permitia, bem como da Proposta de Lei nº 13/XII de 1-9-11 que prevê alterações aos arts 19 nº7, 25 nº2 e 179º nº2 do Estatuto do Medicamento aprovado pelo DL n~176/06, de 30-8, no sentido de afastar mais claramente as questões sobre propriedade industrial da aprovação dos medicamentos genéricos.

De facto, não faz, a nosso ver, qualquer sentido, a lei prever a AIM e o PVP de medicamentos genéricos com vista à protecção de direitos sociais e económicos, e depois, na prática, dar-se relevo apenas a um direito de propriedade da patente estritamente privado e de forma alguma absoluto, para justificar um total impedimento da comercialização do medicamento genérico.

Como é sabido, os direitos de propriedade não são absolutos sofrendo as restrições que a lei lhes impõe e que são muitas.

Veja-se o caso das restrições ao direito de construir, ao direito de condução automóvel, ao direito de habitação, todas restritivas de direitos de propriedade.

Com semelhança ao caso presente – mutatis mutandis - temos a autorização ou atribuição de licença a um particular, para construir por parte de uma Câmara Municipal. Se essa licença respeitar todas as normas respeitantes ao licenciamento terá que ser atribuída.

Mas poderá acontecer que um outro particular se considere lesado não com a construção, mas com a colocação, pelo proprietário da construção, de materiais necessários a essa construção, no seu terreno.

Ora, também aqui a atribuição da licença foi a decisão central que permitiu (ou obrigou) a invasão do terreno vizinho. Sem esta, tal invasão não teria acontecido.

Contudo, seria impensável, o proprietário do terreno invadido, pedir responsabilidades à CM - ainda que o construtor não dispusesse de qualquer outro meio de colocar os materiais - com o argumento de que deveria ter respeitado os direitos de propriedade dos vizinhos do prédio a construir.

E isto precisamente porque a causa invocada – licenciamento – não é adequada à produção do dano, tal como acontece no caso presente.

Por outro lado, manter durante anos suspenso - que pode atingir os vinte, através de sucessivas prorrogações do direito patenteado – um processo de autorização que a lei permite e regula, à espera que a patente perca a validade, não poderia merecer apoio legal, sob pena da violação dos princípios da necessidade adequação e proporcionalidade. E o mesmo aconteceria caso as entidades públicas optassem por indeferir o pedido com base na existência da patente, impedindo a comercialização de genéricos contra a política da saúde fomentada pelo próprio Governo.

Não se verifica, pois, o requisito do periculum in mora, motivo pelo qual se torna desnecessário proceder à apreciação do requisito do fumus boni iuris também contido na alínea b) do nº1 do artº 120º do CPTA, uma vez que a existência destes requisitos é de verificação cumulativa.

Mas ainda que se verificassem os pressupostos contidos na alínea b) do nº1 do artº 120º do CPTA, afigura-se-nos que a providência conservatória requerida, a fim de suspender as AIMs e os PVPs, teria que ser indeferida por não se verificar o pressuposto contido no nº2 do artº 120º do CPTA, uma vez que os graves prejuízos causados ao erário público e à saúde pública, na medida em que impede os utentes economicamente mais carenciados de aceder a um determinado medicamento, serão mais relevantes do que os interesses privados da Requerente, por muito respeitáveis que sejam ( e são).

No sentido da improcedência do pedido de suspensão de eficácia das AIMs e das PVPs bem como do pedido de intimação para abstenção da sua fixação, pronunciaram-se, contra a jurisprudência maioritária, os acórdão deste TCAS de 4-8-11, de 28-1-10, de 6-5-10, de 31-8-10, proferidos nos processos nºs 07591/11, 05790/09, 06476/10, 06154/10, respectivamente).

Neste sentido parece ter-se pronunciado, igualmente, o acórdão do STA de 8-9-2011 já citado, muito embora o mesmo tivesse sido emitido numa situação diferente da destes autos em que estava em causa uma AIM concedida pela Comunidade Europeia, bem como o acto de registo praticado pelo Infarmed.

Termos em que, pelo exposto, emitimos parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional com a consequente manutenção da sentença recorrida e do despacho que a precedeu.