Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:09/29/2014
Processo:11235/14
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º Juízo - 1.ª Secção
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:DELIBERAÇÃO DA COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS.
INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL.
DIREITO DE ACESSO A DADOS PESSOAIS.
PAGAMENTO DE PORTAGEM.
ACESSO A FOTOGRAFIA DE VEÍCULO.
Texto Integral:Procº nº 11235/14
2º Juízo-1ª Secção

Acção Administrativa Especial

Parecer do MP-artº 85º do CPTA

A autora, operadora de cobrança de taxas de portagem da Concessão do Norte Litoral (A 28), propôs a presente acção directamente para este TCAS, contra a Comissão Nacional de Protecção de Dados, com vista à anulação da deliberação nº 291/2014, nos termos da qual foi determinado que fossem fornecidos ao proprietário do veículo de matrícula 35-42-NV, os fotogramas da matrícula do referido veículo, no dia e hora em que passou numa instalação de portagens daquela auto-estrada, dando, assim, cumprimento ao por aquele solicitado no exercício do seu direito de acesso, constitucionalmente consagrado no artº 35º da CRP e artº 11º da Lei nº 67/98, de 26-10, Lei de Protecção de Dados.

Invoca a autora, como fundamento da acção, erro nos pressupostos de facto por o interessado não ter feito prova da titularidade das imagens solicitadas, não tendo sido possível, através da carta a solicitar os fotogramas, proceder à sua identificação. E invoca, também, erro na aplicação do direito, uma vez que o direito de acesso a dados pessoais não implica o acesso a cópias e foi facultado ao interessado o acesso aos seus dados através da consulta do processo.

Questão prévia:

Importa, antes do mais, aferir se é este TCAS competente em razão da hierarquia para decidir sobre a legalidade da deliberação da CNPD submetida à sua apreciação, uma vez que a apreciação desta questão precede todas as outras matérias.

Importa referir, que a jurisprudência tanto do STA como deste TCAS, tem vindo a considerar, em casos semelhantes ao aqui analisado, que a competência para apreciar e decidir uma acção administrativa especial, proposta contra a CNPD, pertence ao TAC ou TAF`s.

Ora, esta jurisprudência baseia-se, essencialmente, na alteração significativa de competências do TCAS e TCAN operada pela reforma do contencioso administrativo através da Lei n.º 15/2002, de 22/02, alterada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19, em relação ao que acontecia com as competência atribuídas pelo Antigo ETAF e pela LPTA a estes tribunais.

De facto, na anterior legislação citada, o recurso contencioso destinava-se à mera anulação dos actos administrativos que assim desapareciam da ordem jurídica.

Actualmente, porém, a acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, é de “plena jurisdição” podendo, na mesma, serem formulados vários pedidos, o que se traduz numa mais eficaz tutela jurisdicional efectiva, em correspondência com a exigência constitucional contida no nº4 do artº 268º da CRP.

E para dar mais cabal execução à reforma do contencioso administrativo, foram alteradas as competências dos vários tribunais desta área de jurisdição, atribuindo-se aos tribunais administrativos de círculo agregados ou não, com os tribunais tributários, a competência para julgar em primeira instância praticamente todos os processos instaurados neste contencioso, ficando reservada aos tribunais de hierarquia superior a competência para julgar em segundo grau de jurisdição,( além de outro caso especial que não interessa aqui analisar) “salvo se lei especial determinar a sua competência para julgar noutros casos”.

No caso aqui analisado é duvidoso que se possa considerar que o legislador, ao estatuir no nº3, do art. 23º, da Lei nº 67/98, de 26/10 (LPDP), que as decisões da CNPD com força obrigatória, são passíveis de reclamação e de recurso para o Tribunal Central Administrativo, quisesse criar uma situação de excepcionalidade em relação a praticamente todos os outros actos administrativos, que independentemente da entidade que os pratica, são impugnáveis por via de acção a interpor na primeira instância dos tribunais administrativos.

Antes de mais porque a Lei nº 67/98 é anterior à citada Reforma, prevendo, ainda, o recurso contencioso, e atribuindo competência ao Tribunal Central Administrativo, ambos já desaparecidos da ordem jurídica.

Acresce que esta norma não fez mais do que repetir a última parte da alínea b), do artº 40º, do antigo ETAF, que atribuía à Secção do Contencioso Administrativo do TCA competência para apreciar a legalidade dos actos praticados por órgão centrais independentes do Estado de categoria mais elevada que a de director geral, onde nos parece ser de incluir a CNPD, uma vez que o seu Presidente é um Juiz Conselheiro.

Nestes termos, não sendo uma norma de natureza especial, foi derrogada pela norma geral do actual artº art. 44º, do Novo ETAF, segundo o qual é ao Tribunal Administrativo de Círculo que cabe a competência para conhecer em 1ª instância de “todos” os processos no âmbito da jurisdição administrativa ( cfr artº 11º do C.C)..

Mas ainda que se considerasse tal norma, especial, parece-nos que a intenção do legislador da Reforma do Contencioso Administrativo foi derrogar tal norma na medida em que toda a orgânica e funcionamento dos actuais tribunais administrativos é no sentido de tirar a competência aos TCA`s para decidir em primeira instância em função da categoria do autor do acto, que é o que está subjacente à norma contida no citado nº3 do artº 23º da Lei nº 67/98

E bem se compreende que assim seja, se atentarmos que sendo quase todos os processos instaurados nos tribunais administrativos de plena jurisdição, existe muito mais necessidade de produzir prova testemunhal do que no âmbito da anterior legislação em que nos recursos contenciosos a prova era essencialmente documental.

Ora, não são os tribunais de hierarquia superior que estão especialmente vocacionados para a produção dessa prova em primeira instância, reservando o legislador para os casos excepcionalíssimos essa eventual necessidade.

É o que acontece também com os tribunais comuns em que a regra é a competência dos tribunais de comarca para julgar em primeira instância, independentemente da importância das partes ou da questão suscitada no processo.

Por outro lado, o TCA como já se referiu, também já não existe, tendo sido extinto e desdobrado em dois outros tribunais aos quais cabe, apenas, em primeira instância, o conhecimento das acções de regresso fundadas em responsabilidade por danos resultantes do exercício das suas funções, propostas contra juízes dos tribunais administrativos de círculo e dos tribunais tributários, bem como dos magistrados do Ministério Público que prestem serviço junto desses tribunais (artigo 37.º, alínea c) do ETAF).”. (Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Dicionário de Contencioso Administrativo, Almedina, págs. 177/179),

Neste sentido se pronunciou já o STA nos acórdãos de 05.05.2004, Proc. 0373/04, de 08.06.2004, Proc. 0530/04 e de 21.10.2004, Proc. 0522/04, os quais referiram a necessidade de o legislador repensar estas normas dispersas que atribuíam competência ao TCA como primeira instância, ao novo regime do Contencioso Administrativo.

Segundo a jurisprudência, o citado art. 23º, nº 3 da LPDP “tomava assento num quadro normativo/processual próprio de um tempo em que, pela Lei de Processo então em vigor, a intervenção dos diversos tribunais administrativos na sua estrutura hierárquica se repartia por critérios relativos à matéria em discussão e à autoria dos actos em apreço, (…).”

“Critérios que não são, porém, os que agora suportam o redimensionamento da actual organização judicial administrativa, face à reforma operada pelo novo ETAF e pelo CPTA” .

“Assim sendo, deve ter-se por revogada a norma de competência do art. 23º, nº 3 da LPDP, por não se enquadrar no espírito da reforma do contencioso administrativo, só fazendo sentido, tal como entendeu o acórdão do STA de 21.10.2004, que o art. 37º, al. d) do ETAF, se reporte a lei que venha, no futuro, a conferir directamente aos TCA a competência para o conhecimento de matérias em 1º grau de jurisdição. E, como se escreveu neste acórdão do STA “Além do mais, não pode ter o sentido de cobrir situações criadas ao abrigo de legislação revogada, incompatível com os mecanismos de competência referentes ao caso em apreço, em que a forma de processo não é já a mesma”.

Nestes termos, de acordo com o preceituado no art. 44º do actual ETAF, é ao Tribunal Administrativo de Círculo que cabe a competência para conhecer em 1ª instância de “todos” os processos no âmbito da jurisdição administrativa, com excepção daqueles cuja competência em 1º grau de jurisdição, esteja reservada aos tribunais superiores, pertencendo-lhe o conhecimento da presente acção, tanto pela matéria, como pela autoria do acto impugnado, como até pelo próprio ambiente adjectivo em que a protecção jurisdicional é demandada ( cfr, neste sentido, os acórdãos deste TCAS de 7-5-09, in procº nº 04827/09, de 1-9-2009 in procº nº05203 e de 21-5-09, in procº nº 01201/05).

Termos em que, pelo exposto, emitimos parecer no sentido de ser declarado o TCAS incompetente em razão da hierarquia para conhecer da presente acção e competente o TAC de Lisboa.

Para o caso de assim se não entender, dir-se-á o seguinte:

Quanto a nós, a deliberação em causa, na medida em que apreciou apenas o pedido de acesso aos dados pessoais do utente, como lhe competia, não merece qualquer censura.

Na verdade, nos termos do nº1 do artº 35º da CRP e 11 º da LPD, todo o cidadão tem direito de acesso aos dados informatizados que lhe digam respeito, mediante comunicação desses dados, de forma inteligível, pelo responsável do tratamento.

E, de acordo com a Autorização nº 356/2011, de 7-2, “o direito de acesso relativamente aos dados de tráfego é exercido mediante solicitação escrita dirigida ao responsável pelo tratamento”.

Ora a referida autorização foi solicitada pela própria autora, com vista ao tratamento dos dados pessoais obtidos por via de dispositivo electrónico de detecção de passagem de veículos com fotografia da respectiva matrícula, no âmbito da sua actividade de cobrança coerciva de multas pelo não pagamento voluntário das portagens, como aconteceu, supostamente, no caso vertente.

Nestes termos, o proprietário do veículo em causa, tinha legitimidade para solicitar à autora os registos fotográficos da matrícula do veículo, assim como a autora tinha a obrigação constitucional, legal e normativa de facultar esses registos, independentemente de esse pedido ser formulado no âmbito de um processo de contra-ordenações por falta de pagamento de portagem, ou de saber a quem compete fazer prova da infracção, ou do seu não cometimento.

De facto, não se concebe que o alegado proprietário do veículo fosse considerado pela autora parte legítima para pagar a portagem em causa, e a respectiva multa por omissão desse pagamento, e não o seja para solicitar os meios de prova, electrónicos, para a sua defesa, quando a lei lhe faculta essa consulta.

De facto, o pedido da “imagem captada do veículo” teve em vista o seu confronto com o DUA do veículo de que é proprietário dado, segundo alega, não ter utilizado qualquer auto-estrada ( cfr docs de fls 16 e 17).Mas se é a própria autora que diz que o interessado é o proprietário do veículo, baseando-se nos dados pessoais que tem em seu poder, é manifesto que o interessado tem acesso a esses dados pessoais.

De facto, esse direito de acesso, constitucionalmente consignado, destina-se precisamente, a que o interessado afira da sua veracidade e autenticidade.

Quanto ao pagamento dos custos de envio, a própria lei determina o que fazer( artºs 12º e 13º da LADA , não tendo tal questão sido abordada na decisão impugnada, nem o utente se negou a tal pagamento.

Termos em que pelo exposto, emito parecer no sentido da improcedência da presente acção mantendo-se a deliberação da CNPD na ordem jurídica, caso não proceda a questão prévia suscitada.


A Procuradora – Geral Adjunta

Maria Antónia Soares