Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:12/23/2013
Processo:06958/10
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2º Juízo -1ª Secção
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:CONTRA-ALEGAÇÕES DE RECURSO DE REVISTA.
RESPONSABILIDADE POR ACTOS LÍCITOS.
JUROS MORATÓRIOS.
DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA (1ª PARTE DO Nº 3 DO ARTº 805 DO C. CIVIL.
Texto Integral:Procº nº 06958/10
2º Juízo-1ª Secção

Recurso de Revista

Contra-alegações


Venerandos Juízes Conselheiros do

Supremo Tribunal Administrativo


Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão de 24-10-2013, deste Tribunal Central Administrativo Sul que decidiu em clarificação do anterior acórdão, que os juros moratórios só seriam devidos desde o trânsito em julgado da sentença condenatória do Estado proferida em primeira instância, nos termos do artº 805º nº3 do C.Civil.

Este acórdão foi proferido na sequência da ordem desse Tribunal Supremo para que os autos baixassem a este TCAS a fim de ser emitida pronúncia sobre as questões prévias suscitadas pelas partes nas alegações de recurso jurisdicional referentes ao recurso de revista interposto do douto acórdão deste TCAS de 11-4-2013,

I - Da Admissibilidade do presente recurso de revista:

Quanto a nós e salvo melhor balizada opinião, não estamos aqui perante uma questão de relevância jurídica ou social fundamental, que justifique a admissão deste recurso por esse Alto Tribunal.

Também não nos parece que haja no entendimento expresso quanto a esta questão pelo acórdão recorrido qualquer interpretação de direito manifestamente violadora de dispositivo legal que justifique a intervenção desse STA para uma melhor aplicação do direito.

Nestes termos deverá, salvo melhor opinião, a admissão deste recurso ser indeferida.

II- Do mérito do presente recurso jurisdicional

Segundo o douto acórdão recorrido” … estamos aqui em presença de responsabilidade por actos lícitos, sendo deste modo os juros moratórios devidos desde a data do trânsito em julgado da sentença nos termos da 1ª parte do nº3 do artº 805º do C.C ivil”.

Segundo a autora, ora recorrente, o nº3 do artº 805º do C.C. deve obedecer a uma interpretação extensiva no mesmo se incluindo o pagamento de juros moratórios a partir da citação em caso de responsabilidade por actos lícitos.

Não concordamos, salvo o devido respeito, com esta interpretação.

Nos termos do artº 805º do C.C ivil, na redacção atribuída pelo DL nº 262/83, de 16-6,

1 - O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

2 - Há porém, mora do devedor independentemente de interpelação:

a) Se a obrigação tiver prazo certo;
b) Se a obrigação provier de facto ilícito;
c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.
3- Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja mora, nos termos da primeira parte deste número.

Da leitura deste preceito desde logo decorre que os juros no mesmo previstos têm também carácter sancionatório para o devedor a quem seja imputável a falta de liquidez, ou impeça a sua interpelação, ou ainda que pratique um acto ilícito.

Nestes casos e se a obrigação já for líquida, são devidos juros desde a prática do acto ilícito e não desde a interpelação do devedor.

Caso a obrigação seja ilíquida, se o acto for ilícito, o devedor constitui-se em mora desde a citação.

Ou seja, quer em caso de liquidez da dívida, quer no caso de a mesma ser ilíquida, existe claramente uma intenção do legislador de penalizar o devedor em caso de prática por este de acto ilícito.

A regra geral é, porém, no caso de crédito ilíquido, só haver mora quando o mesmo se tornar líquido.

Esta regra sofre, no entanto, duas excepções:

a) se a falta de liquidez for imputável ao devedor;
b) se a responsabilidade for por facto ilícito ou pelo risco, caso em que o devedor constitui-se em mora desde a citação.
Ora, considerando que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e ainda que a inclusão dos actos lícitos no nº3 do artº 805º não tem, neste, um mínimo de correspondência verbal, parece-nos que a responsabilização por este tipo de actos só faz incorrer o devedor em juros após a dívida se tornar líquida, o que só ocorre com o trânsito em julgado da sentença condenatória( cfr artº 9º do C.C.).

Também se pode concluir, pela natureza especialmente gravosa da responsabilidade por actos lícitos, em que não existe ilicitude da conduta nem culpabilidade e tem em vista questões de justiça social e não apenas de justiça individual, que esta tem características totalmente diferentes das que caracterizam a responsabilidade por actos ilícitos, sendo razoável que os critérios de cálculo dos juros sejam também diferentes ( à semelhança do que acontece com os próprios pressupostos da responsabilidade civil).

Nestes termos, não se nos afigura que se possa fazer uma interpretação extensiva dos casos especiais regulados no nº3 do artº 805º do CC, considerando que o legislador quis dizer menos do que disse, ou seja, que o legislador quis também abranger neste preceito, a responsabilidade por actos lícitos.

Assim, tendo em conta que o recurso à analogia também está aqui vedado, parece-nos que, em caso de responsabilidade por actos lícitos, só são devidos juros desde o momento em que a obrigação se torna líquida, liquidez essa que requer uma especial intervenção do tribunal na fixação dos parâmetros de decisão, não sendo, portanto, exigível, que o devedor pague logo que é citado na acção.

Outra questão será a actualização do montante indemnizatório com base na inflacção que, quanto a nós, nada tem a ver com os juros moratórios, não sendo o devedor obrigado a pagar juros pela demora processual no caso de responsabilidade por actos lícitos, podendo, no entanto ser actualizado o montante caso exista inflacção.

O acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº4/2002, de 9 de Maio, in procº 1501/01-1ª Secção do STJ, citado pela recorrente nas suas alegações, refere-se a indemnização por facto ilícito, pelo que a sua doutrina é inaplicável ao caso vertente.

Assim, não deveria o Estado ser condenado em juros moratórios desde a citação, tal como foi defendido pelo MP na contestação ( cfr, neste sentido, o acórdão do TCAS de 1-3-12, in procº nº 07528/11).

Neste acórdão, em que estava em causa a responsabilidade por actos lícitos, numa questão semelhante à analisada neste processo, foi decidido que “Em tais casos, ao contrário do que sucede se a fonte da responsabilidade se basear em facto ilícito ou no risco, o devedor não se constitui em mora desde a citação, mas apenas a partir do trânsito em julgado da decisão que reconheça o dever de indemnizar [cfr. artigo 805º, nº 2, alínea a) e nº 3 do Cód. Civil, “a contrario”]”.

Termos em que deverão improceder todas as conclusões das alegações da recorrente, mantendo-se o douto acórdão recorrido.

III - Em conclusão:

1 - O presente recurso não deverá ser admitido pois não estamos aqui perante uma questão de relevância jurídica ou social fundamental, que justifique a admissão deste recurso por esse Alto Tribunal.

2 -Também não nos parece que haja no entendimento expresso, quanto a esta questão, pelo acórdão recorrido, qualquer interpretação de direito manifestamente violadora de dispositivo legal que justifique a intervenção desse STA para uma melhor aplicação do direito.

3 - Caso seja admitido o presente recurso, deverá considerar-se que no nº3 do artº 805º do Código Civil o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e ainda que a inclusão dos actos lícitos neste normativo não tem, neste, um mínimo de correspondência verbal, pelo que a responsabilização por este tipo de actos só faz incorrer o devedor em juros após a dívida se tornar líquida, o que só ocorre com o trânsito em julgado da sentença condenatória( cfr artº 9º do C.C.).

4-Também se pode concluir, pela natureza especialmente gravosa da responsabilidade por actos lícitos, em que não existe ilicitude da conduta nem culpabilidade e tem em vista questões de justiça social e não apenas de justiça individual, que esta tem características totalmente diferentes das que caracterizam a responsabilidade por actos ilícitos, sendo razoável que os critérios de cálculo dos juros sejam também diferentes ( à semelhança do que acontece com os próprios pressupostos da responsabilidade civil).

5 - Nestes termos, não se nos afigura que se possa fazer uma interpretação extensiva dos casos especiais regulados no nº3 do artº 805º do CC, considerando que o legislador quis dizer menos do que disse, ou seja, que o legislador quis também abranger neste preceito, a responsabilidade por actos lícitos.

6 -Esta solução não impede, em regra, a actualização do capital indemnizatório inicialmente pedido na acção, se a desvalorização monetária o justificar, desde que o credor desencadeie os mecanismos processuais adequados, no momento próprio.

7 - Termos em que,

- não deverá ser admitido o presente recurso de revista;

- Caso seja admitido deverá improceder.

Assim decidindo, farão Vossas Excelências a costumada


Justiça!

A Procuradora-Geral Adjunta

Maria Antónia Soares