Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:12/10/2014
Processo:08824/12
Nº Processo/TAF:258/11.0BELSB/TAC LISBOA
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 1.ª SECÇÃO
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:CONTRA-ALEGAÇÕES.
ACÇÃO CONTRA O ESTADO.
TRANSPOSIÇÃO PARA A ORDEM JURÍDICA INTERNA DE DIRECTIVA COMUNIITÁRIA.
CAPITAL MÍNIMO OBRIGATÓRIO DE SEGURO AUTOMÓVEL EM CASO DE SINISTRO.
INCUMPRIMENTO DOS PRAZOS PREVISTOS PARA A TRANSPOSIÇÃO.
DANOS MATERIAIS E MORAIS.
Observações:(P.A. n.º 16/2011-E-Ac. - TAC LISBOA) / (P.A. n.º 53/2011-Ac. - TCA SUL).
Texto Integral:Procº nº 08824/12

2º Juízo-1ª Secção

Acção Administrativa Comum

Recurso jurisdicional

Contra-alegações


Exmos Juízes Conselheiros do

Supremo Tribunal Administrativo


I - Introdução:

O Autor veio, nos presentes autos, pedir a condenação do Réu, Estado Português, no pagamento de uma indemnização no valor global de 162.808,08 €, com os seguintes fundamentos:
- O A. sofreu grave acidente de viação em 03.12.1990, que lhe provocou uma incapacidade física genérica de 60%.
- Na sequência de acção interposta pelo A. na qual peticionou uma indemnização de 150.000€, que correu termos na 14ª Vara Cível Lisboa, sob o n.º 10200/93, já transitada em julgado a 09.01.2008, foi-lhe atribuída uma indemnização no valor de 149.639,36 €
- O capital total garantido pela seguradora era, à data do acidente, de 100.000€, a distribuir pelas diversas vítimas do mesmo sinistro.
- Assim, quando o A. executou a quantia que lhe fora atribuída, apenas viria a receber 1.8301,92 €, resultantes do rateio entre aquelas.
- No entanto, caso Portugal houvesse transposto até 31 de Dezembro de 1987, a Directiva 84/5/CE, de 31 de Dezembro de 1983, prazo que o texto da mesma fixava, já o limite do capital garantido pela seguradora seria de 350.000 € por vítima, pelo que o A. teria recebido a totalidade da indemnização que a douta sentença da 14ª Vara Cível lhe atribuíra, e não apenas a parte que lhe coube no rateio.
- Alega, assim, a existência de nexo de causalidade entre a falta de transposição atempada, pelo Estado Português, da citada Directiva e o facto de não ter recebido o correspondente montante total da indemnização,
- Concluindo que o réu Estado incorre em responsabilidade civil, pelo que deve ser obrigado a pagar o valor da diferença, acrescido dos juros vencidos e vincendos.

Por sentença proferida pelo TAC de Lisboa em 12-1-2012, foi a acção julgada improcedente e o Estado absolvido do pedido.

Desta sentença interpôs o autor recurso para este TCAS o qual considerou improcedente o recurso e manteve a absolvição do Estado já decretada.

É do acórdão deste TCAS que vem interposto o presente recurso.

II - Questão prévia:

O autor, ora recorrente, apresentou, em 2-10-2014, neste TCAS, alegações referentes a recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, do douto acórdão de 25-9-2014, não identificando que tipo de recurso pretendia interpor.

Ora, o acórdão recorrido não admite recurso jurisdicional, uma vez que este TCAS é, no presente caso, a última instância de recurso.

Existe, de facto, excepcionalmente, recurso de revista para esse Alto Tribunal, nos termos do artº 150º do CPTA.

Contudo, dado tratar-se de um recurso excepcional, o mesmo teria que vir devidamente identificado, com referência à própria designação, e ao normativo aplicável, bem como com a exposição dos motivos explicativos dessa interposição, tudo nos termos do nº1 do artº 150º do CPTA.

Assim, terá este recurso que ser interpretado como um apelo a uma terceira instância de recurso meramente jurisdicional, devendo, assim, ser rejeitado por falta de apoio legal.

III - Da admissibilidade do recurso de revista:

Caso se entenda de convolar o presente recurso em recurso de revista, então o mesmo não deverá ser admitido por não se verificarem os pressupostos contidos no nº1 do artº 150º do CPTA.

O art. 150º n° 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

No caso vertente, a questão a apreciar resume-se a saber se o Estado Português incumpriu o dever de, atempadamente, ter transposto para o direito interno, a Segunda Directiva 84/5/CEE, de 30-12-1983, relativa à fixação do capital mínimo obrigatório da responsabilidade civil automóvel, como defende o recorrente, o que, a acontecer, o faria incorrer em responsabilidade civil extrapatrimonial por acto ilícito.

Segundo o recorrente, tal alegado incumprimento, tê-lo-ia impedido de receber da Companhia de Seguros ..., S.A, um montante mais elevado de indemnização do que aquele que recebeu por ter sido vítima de acidente de viação, ocorrido em 3-12-1990.

Verifica-se, porém, que existem já duas decisões judiciais no mesmo sentido, pois ambas absolveram o Estado da totalidade do pedido sendo os fundamentos essencialmente os mesmos.

De facto, o acórdão deste TCAS, ora recorrido, seguindo no essencial o entendimento da douta sentença do TAC de Lisboa, considerou o seguinte:

“… em 3-12-1990, data do acidente, era aplicável o Decreto-Lei n.º 394/87, de 31.12, o qual visando, precisamente, a transposição da legislação comunitária, tal como se refere no seu preâmbulo, fixou o capital obrigatoriamente seguro em 12.000.000$00 (equivalente a €59.855,75) por lesado, com o limite de 20.000.000$00 (equivalente a €99.759,58) no caso de coexistência de vários lesados, sendo este último elevado para 50.000.000$00 (equivalente a €249.398,95) nos seguros que se reportassem a transportes colectivos (cf. artigo 6º do indicado diploma).O citado Decreto-Lei n.º 394/87, de 31.12, entrou em vigor em 01.01.1988 (cf. artigo 2º, n.º 2).Essa data, de 01.01.1988, era a do termo da obrigação do Estado Português para aumentar a percentagem do capital mínimo do seguro obrigatório até ao valor equivalente a «uma percentagem superior a 16%» do montante de garantia de 350.000 ECUS relativamente a danos corporais por vítima e de 100.000 ECUS por sinistro relativamente a danos materiais, ou até ao valor mínimo de 500.000 ECUS para danos corporais, sempre que houvesse mais que uma vítima em consequência do mesmo sinistro ou um montante global mínimo de 600.000 ECUS por sinistro, para danos corporais e materiais fosse qual fosse o número de vitimas ou a natureza dos danos, conforme decorre da aplicação conjugada dos artigos 1º, 5º, da Segunda Directiva n.º 84/5/CE, de 30.12.1983 e 26º, do Acto Relativo às Condições de Adesão do Reino da Espanha e da República Portuguesa, Anexo 1º, parte IX, F (publicado no JOCE, de 15.11.1985, cf. pág. 218).O que significa que, com o Decreto-Lei n.º 394/87, de 31.12, o legislador aproximou os valores da legislação nacional àqueles que eram os comunitariamente impostos, visando fazer a transposição parcelar da Directiva. Pelo que não se pode invocar uma omissão ilícita, que dê lugar à responsabilização do Estado.A obrigação do Estado Português transpôr a Segunda Directiva n.º 84/5/CE, de 30.12.1983, era uma obrigação faseada, devendo a primeira obrigação de actualização dos montantes de valor superior a 16% ocorrer até 31.12.1998, a segunda com uma actualização por uma percentagem até 31% do capital indicado na Directiva até 31.12.1992 e só a partir de 31.12.1995, com uma obrigação de actualização pelos valores indicados no artigo 1º da Directiva.
Nessa medida, claudicam as alegações do Recorrente relativas ao erro decisório quando não se considerou que no ano de 1990, o do acidente, já devia estar integralmente transposta a Directiva em questão e estabelecida a fixação de capital pelos valores indicados no artigo 1º da Segunda Directiva n.º 84/5/CE, de 30.12.1983”.

Nestes termos, se ambas as instâncias tiveram o mesmo entendimento sobre o cerne da questão suscitada nos autos, seria muito pouco provável ou quase impossível que existisse erro manifesto ou ostensivo no direito aplicável que obrigasse a nova reapreciação.

Também a complexidade, quer das questões de facto quer das questões de direito versadas não são de molde a aconselhar uma reapreciação por esse Alto Tribunal.

Acresce que a questão em apreço se prende com a data do acidente, com o número de vítimas e com a data da entrada em vigor de uma determinada Directiva Comunitária em função dos factos concretos, pelo que se trata de uma questão específica não repetível.

Assim sendo, não se verifica, igualmente, qualquer especial relevância jurídica ou social.

Nestes termos, o recurso não deverá, salvo melhor opinião, ser recebido.

III - Do mérito do presente recurso de revista:

O recorrente não invoca no presente recurso qualquer ilegalidade específica ao acórdão recorrido, limitando-se a defender as teses que já defendera no decurso do processo.

Neste recurso reduz até o âmbito impugnatório que tinha adoptado até aqui, fazendo incidir a sua impugnação não já propriamente na invocada omissão legislativa no que respeita à introdução na ordem jurídica portuguesa da Directiva Comunitária de 30-12-1983, mas antes na sua transposição em tempo, de modo a assegurar o limite indemnizatório de 350.000 Euros, à Companhia de Seguros ... de molde a que esta indemnização já abrangesse o acidente sofrido pelo recorrente.

Também invoca o facto de o Estado ter fixado em 120.000 contos o montante máximo devido pelas Companhias de Seguros a título indemnizatório, por força do DL nº 3/96 de 25-1.

De facto, não existiu qualquer omissão legislativa pois a citada Directiva foi introduzida pelo DL nº 394/87, de 31-12.

E no que respeita ao facto de o montante fixado estar aquém do estabelecido na Directiva nada releva dado que essa fixação ocorreu em 1996, portanto não atingiu os interesses do recorrente derivados do acidente de viação ocorrido em 1990.

O recorrente mantém neste recurso que o Estado não cumpriu os prazos fixados para a transposição completa dos princípios e orientações da Directiva 84/5/CEE.

Ora, esses prazos são os fixados nos artigos 5º da 2ª Directiva, isto é, 31.12.1988 e 31.12.1995.

Efectivamente, de acordo com o previsto no Anexo 1º, na sua parte IX, para a qual remete o artigo 26° do Acto Relativo às condições de Adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, verifica-se que relativamente à Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho de 30 de Dezembro de 1983, que a República Portuguesa dispunha do período até 31 de Dezembro de 1995, para aumentar os montantes das garantias até aos montantes previstos no n° 2 do artigo 1° da referida Directiva.

No mais, mantemos a defesa apresentada pelo Estado, que aqui damos por reproduzida, nada mais sendo de acrescentar nesta fase do processo.

Assim, este recurso é manifestamente improcedente, devendo as decisões judiciais proferidas nos autos, cujos fundamentos aqui acolhemos, ser mantidas.

IV - Conclusões:

1.A presente acção foi proposta pelo autor, ora recorrente com vista ao ressarcimento dos prejuízos de natureza patrimonial que diz ter sofrido, em consequência da não transposição atempada da Segunda Directiva 84/5/CEE, de 30 de Dezembro de 1983, que obrigava à alteração dos capitais seguros, em virtude de ter sofrido um acidente de viação em 2 de Dezembro de 1990, que levou à condenação da companhia de Seguros ..., S.A., limitada pelo montante estabelecido pelo artigo 508° do Código Civil, sem que este previsse já os montantes, conformes com aquela Directiva.

2.Por sentença de 12 de Janeiro de 2012 a acção veio a ser julgada improcedente e, em consequência, o Réu absolvido do pedido, com fundamento em que a omissão de transposição daquela Directiva não era ilícita na data em causa, porque se encontrava dentro do prazo então estabelecido na Lei.

3.Desta sentença foi interposto recurso para este TCAS que por acórdão de 25-09-2014 a manteve nos seus precisos termos

4.Deste acórdão interpôs, o ora recorrente, recurso para o STA sem que, contudo, referisse qual o tipo de recurso que pretendia ver apreciado.

5. Como o acórdão em apreciação não admite recurso ordinário, sendo a segunda instância a última passível de ser admitida, e não tendo o recorrente alegado que pretendia interpor recurso de revista e quais os respectivos fundamentos, deverá não ser conhecido o presente recurso, salvo se se entender proceder à sua convolação.

6.Ambas as instâncias tiveram o mesmo entendimento sobre o cerne da questão suscitada nos autos, pelo que seria muito pouco provável ou quase impossível que existisse erro manifesto ou ostensivo no direito aplicável, que obrigasse a nova reapreciação por esse Alto Tribunal.

7.Também a complexidade, quer das questões de facto quer das questões de direito versadas não são de molde a aconselhar essa reapreciação.

8.Acresce que a situação em apreço se prende com a data do acidente, com o número de vítimas e com a data da entrada em vigor de uma determinada Directiva Comunitária, pelo que terá que ser apreciada em função dos factos concretos, que a tornam irrepetível.

9.Não se repercute, portanto, em novas situações passíveis de serem submetidas à apreciação dos tribunais administrativos, não assumindo, por isso, qualquer relevância jurídica ou social.

10.Nestes termos, o recurso não deverá, salvo melhor opinião, ser recebido.

11.Está em causa o pedido de indemnização por alegados prejuízos decorrentes da não transposição da Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983 – nos termos do Anexo 1, na sua parte IX, para a qual remete o artigo 26° do Acto Relativo às Condições de Adesão do Reino da Espanha e da República Portuguesa

12.Nos termos do Anexo 1, na sua parte IX – “ Aproximação de legislações” Portugal dispunha do período até 31 de Dezembro de 1995 para aumentar os montantes das garantias até aos montantes previstos no n° 2 do artigo 1º;

13.Portanto, à data do acidente de viação em causa nos autos, em 3 de Dezembro de 1990, o Estado Português cumpria os termos e os prazos, previstos na referida Directiva, após a prorrogação destes pelo Acto;

14.Com o Decreto-Lei n.º 394/87, de 31.12, o legislador aproximou os valores da legislação nacional àqueles que eram os comunitariamente impostos, visando fazer a transposição parcelar da Directiva. Pelo que não se pode invocar uma omissão ilícita, que dê lugar à responsabilização do Estado.

15.A obrigação do Estado Português transpor a Segunda Directiva n.º 84/5/CE, de 30.12.1983, era uma obrigação faseada, devendo a primeira obrigação de actualização dos montantes de valor superior a 16% ocorrer até 31.12.1998, a segunda com uma actualização por uma percentagem até 31% do capital indicado na Directiva até 31.12.1992 e só a partir de 31.12.1995, com uma obrigação de actualização pelos valores indicados no artigo 1º da Directiva.

16.O Estado cumpriu a Directiva não só quanto aos prazos na mesma fixados para uma introdução faseada dos montantes na mesma previstos, mas também quanto às percentagens exigidas até 1988, data que releva para efeitos da indemnização pretendida.

17.Não foram, assim, violados pelo douto acórdão recorrido os artigos 483° e seguintes do Código Civil, artigo 5, n° 3 da Segunda Directiva 84/5/CEE e artigos 249° e 10° do Tratado da CEE;

18.Termos em que, caso fosse de considerar este recurso como de revista, o mesmo não seria de admitir. Mas caso se considere o mesmo de admitir, deverá ao mesmo ser negado provimento.


Assim decidindo, farão Vossas Excelências a costumada,

JUSTIÇA!



A Procuradora-Geral Adjunta

Maria Antónia Soares