Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:11/24/2011
Processo:08228/11
Nº Processo/TAF:01926/09.1BELSB
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:ACÇÃO ESPECIAL.
ACTIVIDADE DE ODONTOLOGISTA.
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos artºs 146º nº1 do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pelo então A., da sentença proferida a fls. 140 e segs., pelo TAC de Lisboa, que julgou improcedente, a presente acção administrativa especial, absolvendo a Entidade Demandada dos pedidos formulados.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, o recorrente imputa à sentença recorrida a nulidade processual do art. 201º nº 1 do CPC e erro de julgamento por errada interpretação e aplicação das disposições legais cuja violação imputa ao acto impugnado.

A Entidade Demandada, ora recorrida, contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do julgado.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com interesse para a decisão e com fundamento na prova documental, os factos constantes dos pontos 1 a 4, do ponto IV, de fls. 141 a 150, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Quanto à alegada nulidade processual do art. 201º nº 1 do CPC.

Invoca o recorrente a existência de tal nulidade processual, com fundamento no facto do tribunal a quo não ter ouvido nenhuma das testemunhas por ele indicadas na p.i., nem se ter pronunciado no saneador, nem posteriormente, sobre esse requerimento probatório.
Todavia, atentando no despacho saneador proferido pode ler - se no mesmo: «Atenta a que a matéria em discussão dos autos, e por se reconduzir a apreciação e discussão da mesma a matéria de direito, e não se verificar a previsão legal do disposto no art. 87º, nº 1, alínea c), do CPTA, julga – se desnecessária a abertura de instrução, a qual não é determinada atento o supra disposto e ao abrigo do estabelecido no art. 90º, nºs 1 e 2, do CPTA, e atenta a suficiência da prova patente nos autos e respectivo processo instrutor.»

Aquele despacho saneador foi notificado ao recorrente através do seu mandatário, conforme ofício de notificação de 17/05/2010, a fls. 106, que, assim, dele tomou conhecimento e, consequentemente, que não iria ser produzida a prova testemunhal, sem que tivesse reagido a esse despacho, nomeadamente dele interpondo recurso (cfr. art. 691º nº 2 al. i) do CPC, na redacção do DL nº 303/2007 de 24/08, ex vi do art. 1º do CPTA, aplicável aos presentes autos), motivo por que sempre o mesmo despacho transitou em julgado.

Não obstante sempre se dirá o seguinte:

Nos termos do art. 90º nº 2 do CPTA “O juiz ou relator pode indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova quando o considere claramente desnecessário (…)”.

Ora, como se pode ler no sumário do Ac. deste TCAS de 25/11/2009, Rec.02814/07, in http:/www.dgsi.pt/ «II) -Competindo ao juiz ou relator aferir da necessidade ou não de produzir prova, quando, após a fase dos articulados aquele profere despacho saneador e ordena a notificação das partes para alegações, é porque entendeu dispensável a produção de prova pelo que, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas pela A não constitui omissão de um acto que a lei prescreva já que a lei não prescreve que deve haver sempre a inquirição das testemunhas, antes permitindo ao juiz aferir da necessidade desse acto.
III) –É que, em matéria de produção de prova aplica-se o regulado na lei processual civil (cfr. artºs. 513º a 645º do CPC) mas, quando o considere claramente desnecessário, o juiz ou relator pode indeferir requerimentos dirigidos à produção de prova ou recusar a utilização de certos meios desta, mediante decisão fundamentada (artº 90º, nº 2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos).
IV) –A ratio deste regime prende-se com a necessidade de obviar ao risco de, em processos em que domina a prova documental, o requerimento de outro tipo de prova, em especial, a prova testemunhal, vir a ser utilizado como expediente dilatório, sendo essa solução plenamente justificável, em ordem aos elementares princípios da economia e celeridade processuais.
V) -O artº. 90º do CPTA, como decorrência do princípio processual da proibição da prática de actos inúteis consagrado no artº 137º do CPC, confere ao relator o poder discricionário de ajuizar da necessidade ou não da produção das provas oferecidas, sem prejuízo de o A. dele recorrer ou de constituir fundamento de recurso da decisão final.».

No caso, no despacho saneador, a Mmª Juiz a quo com fundamento em que a matéria constante dos autos e no processo instrutor permitiam a resolução das questões a apreciar e a decidir, julgou desnecessário quaisquer outras diligências probatórias (onde se inclui a prova testemunhal), invocando para o efeito o art. 87º nº 1 al. c) e o art. 90º nºs 1 e 2 ambos do CPTA.

E, efectivamente, considerando as questões a decidir e os documentos juntos aos autos sempre a referida prova testemunhal, a nosso ver, se mostrava desnecessária.

Sendo que esta, a ter sido produzida, não podia conduzir, atentos os vícios imputados ao acto impugnado e os fundamentos invocados na sentença recorrida a decisão contrária, como infra se demonstrará.

Pelo que, inexiste a nulidade processual invocada.

IV – Quanto ao alegado erro de julgamento.

A) Relativamente à questão do objecto impossível do acto impugnado.

Considera o recorrente que o acto impugnado tem objecto impossível, assumindo o desvalor jurídico da nulidade, por manter o “despacho de não acreditação do senhor A…, proferido pelo então Secretário de Saúde, em 22 de Outubro de 2002”, o qual tinha sido anulado pelo Acórdão do STA, cuja cópia se mostra junta aos autos a fls.48 e segs..

Todavia, de acordo com o referido Ac. do STA a anulação daquele acto teve como fundamento a “restrição dos meios de prova então apresentados pelo requerente”, isto é, não tinha considerado, como meio de prova, a prova testemunhal, não ouvindo sequer as testemunhas por ela então apresentadas.

Assim que, a execução do referido Acórdão anulatório consistisse em aceitar aquele meio de prova, ouvindo as testemunhas, só após decidindo, da análise daquela prova pela acreditação ou não da recorrente como odontologista.

O que foi cumprido, tendo a Entidade Demandada inquirido as testemunhas sendo que algumas delas voltaram a ser reinquiridas perante a resposta à notificação feita ao abrigo do art. 100º do CPA e dúvidas nessa resposta suscitadas (cfr. doc de fls. 22 e segs. transcrito no ponto 1 dos factos provados).

E, foi perante os resultados obtidos com tal inquirição, em que as testemunhas não conseguiram localizar no tempo o inicio da actividade de odontologista do A., além de que os restantes documentos apresentados também não o comprovavam que a entidade recorrida proferiu o despacho ora impugnado, o qual manteve o sentido do acto anteriormente anulado, ou seja, de não acreditação da A. como odontologista.

E, nem outra poderia ser a interpretação do novo acto proferido em 2009, atentos os fundamentos invocados na Deliberação do Conselho Ético e Profissional de Odontologia homologado.

Pelo que, ao dessa forma ter decidido, a sentença em recurso não mereça censura.

B) Relativamente à questão da ausência de notificação do mandatário do ora recorrente, constituído no procedimento administrativo, para estar presente nas diligências instrutórias.

Invoca o recorrente que a partir do momento em que constituiu mandatário, este tinha de ser notificado para estar presente em todas as diligências probatórias, só assim se cumprindo o disposto no art. 61º nº 3 do EOA (Lei nº 15/2005 de 26/01).

Todavia, o CPA apenas prevê a notificação do interessado, quando esteja em causa a realização de exames, vistorias, avaliações ou outras diligências semelhantes (arts. 94º e 95º do CPA), bem como no caso da audiência prévia (arts. 100º e 101º do mesmo Código), não se podendo considerar como “diligências semelhantes” a inquirição de testemunhas.

Por outro lado, não está em causa qualquer “direito de defesa” integrante de assistência de advogado, como no caso de procedimento disciplinar.

Na verdade, como se afirma no Ac. do STA de 18/06/2008, Rec. 0145/08, «O que o procedimento disciplinar tem de diferente dos demais procedimentos administrativos é o facto de visar a aplicação de uma pena disciplinar, ou seja, um constrangimento na pessoa do arguido, exigindo por isso muito mais cuidado na definição do direito de defesa e, integrante deste, na assistência de advogado.»

No caso, o mandatário da recorrente não foi impedido de exercer o seu mandato ou de praticar quaisquer actos no procedimento, tendo sido notificado quando o tinha de ser, como aconteceu aquando da audiência prévia, pelo que não se mostra violado o disposto no art. 61º nº 3 do EOA.

Além de que não resulta, nem a recorrente o invoca, de que tenha resultado qualquer prejuízo na omissão da notificação e não presença do seu mandatário na inquirição das testemunhas em questão.

Por outro lado, mesmo se admitindo que o mandatário da ora recorrente deveria ter sido notificado para estar presente na referida inquirição de testemunhas, tal omissão, a nosso ver, não consubstanciaria qualquer nulidade do acto, por, no caso, não implicar violação de direitos fundamentais consagrados constitucionalmente, mas consubstanciaria tão só uma mera irregularidade, que se mostra sanada por não ter sido arguida aquando da audiência prévia.

Pelo que, em nosso entender, improcedem também as conclusões VI e VII das suas alegações de recurso.

C) Relativamente à questão da inconstitucionalidade da Lei nº 4/99 de 27/01

No próprio Ac. do STA, junto a fls. 48 e segs., em que foi igualmente recorrente, pode ler - se a respeito da inconstitucionalidade da referida Lei, também nele invocada: «2.2.1. O recorrente entende que o acto administrativo sob recurso enferma de nulidade por ter aplicado uma norma – art. 2º da Lei nº 4/99 de 27 de Janeiro – que viola a Constituição, por desrespeito da regra da não retroactividade da lei restritiva de direitos, liberdades e garantias fundamentais – art. 18º nº 3 – e ofensa do princípio da confiança “subjacente” ao princípio do Estado de Direito Democrático.
Mas não tem razão.
Em primeiro lugar, porque a lei restritiva, que está expressamente autorizada (art. 47º nº 1 da CRP), não introduz uma retroactividade autêntica. Tocando embora numa situação que se desenvolveu no passado e que ainda existe, a lei só pretende vigorar para o futuro. É um caso que a doutrina denomina retrospectividade (cf. gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 262).
Em segundo lugar, não afecta qualquer direito subjectivado do recorrente, mas uma mera expectativa, decorrente do facto de a Administração, durante anos, lhe ter tolerado uma prática profissional sem precedência de habilitação adequada.
Em terceiro lugar, porque ainda que a expectativa tenha consistência bastante para justificar a protecção da confiança, a afectação não se mostra inadmissível, arbitrária ou onerosa, de acordo com os dois critérios apontados pelo Tribunal Constitucional (vide Acórdão nº 556/2003, publicado no DR II Série de 7 de Janeiro de 2004):
«a) A afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma mudança de ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dele constantes não possam contar; e ainda
b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos e interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar - se prevalecentes (deve recorrer - se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no nº 2 do art. 18º da Constituição, desde a 1ª revisão).».
Ora, por um lado, não era razoável que o recorrente não pudesse esperar que não acontecesse a mutação no sentido da exigência dos requisitos habilitacionais mínimos para o exercício da profissão de odontologista e, por outro lado, a afectação mostra - se racional, adequada, necessária e não excessiva à protecção da saúde e bem - - estar dos cidadãos, interesse proeminente, constitucionalmente protegido e que a justifica (arts. 9º al. d) e 64º da CRP)».

Mantendo - se aqui actualizadas e pertinentes as razões invocadas naquele Acórdão (cfr. igualmente AC. do Pleno do STA de 05.05.2005, Rec. 0170/03 (in www.dgsi.pt/), proferido em caso idêntico ao dos presentes autos, que improceda igualmente o alegado vício, como decidido pela sentença em recurso.

D) Relativamente ao erro sobre os pressupostos de facto.

Atentos os factos dados como provados na sentença recorrida, que o recorrente não impugnou, consideramos não existir qualquer erro nos referidos pressupostos, já que ao contrário do afirmado pela recorrente, dos depoimentos prestados no procedimento não se retira que a recorrente exerça a actividade de odontologista pelo menos antes de 1981, não tendo as testemunhas conseguido localizar no tempo o inicio da actividade de odontologista do A., sendo certo que este igualmente não o demonstrou documentalmente.

Pelo que, também nesta questão a sentença recorrida, ao dessa forma ter decidido, não enferme, em nosso entender, de qualquer erro de julgamento.

V – Assim, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo - se a sentença recorrida.