Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:05/14/2012
Processo:08816/12
Nº Processo/TAF:2587/09.3BELSB
Sub-Secção:2.º JUÍZO
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:NACIONALIDADE POR NATURALIZAÇÃO.
ARTIGO 6.º, N.º 4, DA LEI DA NACIONALIDADE.
ESTABELECIMENTO FILIAÇÃO - ARTIGO 14.º DA LEI DA NACIONALIDADE.
Texto Integral:Tribunal Central Administrativo Sul


Proc. nº 08816/12 – Rec. Jurisdicional

2º Juízo/1ª Secção ( Contencioso Administrativo )


Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do art. 146º nº1 do CPTA, vem, ao abrigo do disposto no art. 145º nº 5 do CPC, emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pela Conservatória dos Registos Centrais, então Ré, da sentença proferida, a fls. não numeradas, pelo TAF de Sintra, que julgou procedente a presente acção administrativa especial de anulação, em consequência anulando o acto de 01.09.2009, que indeferiu o pedido de naturalização do A. e, em consequência, condenou a demandada a conceder a nacionalidade portuguesa ao A., por naturalização, por verificação cumulativa dos requisitos previstos no art. 6º nº 1 als. a), c), d) e nº 4 da Lei da Nacionalidade.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, afigura - se resultar que a ora recorrente pretende imputar à sentença em recurso incongruência na interpretação que faz do art. 14º da Lei da Nacionalidade.

O então A., ora recorrido, não apresentou contra - alegações de recurso.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com relevo para a decisão e com base na prova documental, os factos constantes das alíneas A) a J), sob o título “Fundamentação de facto”, a fls. não numeradas, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

III – Em questão está conhecer se, para efeitos de naturalização nos termos previstos no nº 4 do art. 6º da Lei da Nacionalidade, o art. 14º da mesma Lei apenas tem aplicação à relação de filiação entre o A. e seu pai, como entendeu a sentença recorrida, ou também releva para o estabelecimento da filiação do pai do A. relativamente ao seu ascendente directo, este sim de nacionalidade portuguesa.

A questão já não é nova, tendo já sido apreciada e decidida no Ac. deste TCAS de 13/10/2011, Rec. 07640/11, in www.dgsi.pt/ proferido em caso idêntico ao dos presentes autos e cujos fundamentos passamos a citar, na parte que aqui nos importa, por com eles estarmos em consonância:
«Ora, na economia do artº 6º nº 4 LN a aquisição da nacionalidade por naturalização dá-se pela verificação do pressuposto de que o requerente estrangeiro, interessado em que Estado português lhe conceda a qualidade de seu nacional, tenha um ascendente do 2º grau da linha recta de nacionalidade portuguesa e conserve essa nacionalidade.
O que significa que a lei “(..) dá relevância à nacionalidade portuguesa do ascendente de segunda geração, como que através de uma não atendibilidade da interrupção do ius sanguinis [(93) Verificada pelo facto de nenhum dos progenitores ser de nacionalidade portuguesa, caso em que o interessado poderia recorrer ao mecanismo do artº 1º nº 1 alínea c), mediante simples declaração e de um dos ascendentes de segunda geração possuir esta nacionalidade,] (..)” (4)
O teor do artº 14º LN é claro e específico quanto à determinação do parâmetro temporal em que o estabelecimento do vínculo jurídico que une pais e filhos constitui facto passível de produzir efeitos em matéria de nacionalidade, parâmetro temporal restrito ao período da menoridade do filho.
Atenta esta estipulação “(..) parece que a relevância da filiação em sede de nacionalidade estará ligada à influência educativa que o progenitor regra geral exerce sobre os filhos. Ora, tal influência não a pode ela exercer senão durante o período de formação da personalidade destes, isto é, durante a fase da vida em que o carácter de cada um pode ser moldado pela influência de terceiros. E tal situação desaparece, em via de regra, com o acesso à maioridade. Desta forma, uma filiação estabelecida depois da maioridade não poderia funcionar como elemento presuntivamente revelador da integração sociológica e psicológica do filho na comunidade nacional do progenitor. (..) só desta [a filiação estabelecida na menoridade do interessado] é possível deduzir a existência de uma situação de facto que deva ser tida por atributiva da nacional. O que implica assim que .. o estabelecimento da filiação posterior à maioridade .. deva considerar-se sem efeitos sobre o vínculo da nacionalidade, pois .. não gera o estado de facto que funciona como suporte da constituição do vínculo de nacionalidade (..)” (5)
*
Do elenco de factos provados decorre que a avó do ora Recorrente, C..., ascendente de segunda geração, é portuguesa (…)
(…)
Consequentemente, a circunstância de o pai do ora Recorrente ter estabelecido a sua relação de filiação aos 22 anos, quando já era maior de acordo com o direito nacional – (…) – significa que o ora Recorrente não pode prevalecer-se da nacionalidade portuguesa da avó (ou do avô, que também é cidadão português) porque a linha de parentesco em linha recta ascendente na geração do seu pai foi estabelecida em 04.06.1932 quando o seu pai já era maior de idade.
Portanto, embora do ponto de vista cível o artº 1797º nº 2 CC estatua a retroacção dos efeitos à data do nascimento em 06.01.1910, o artº 14º da LN normativo de carácter geral e, por isso, aplicável ao regime de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade do interessado, v.g. da aquisição da nacionalidade por naturalização, exclui essa retroacção de efeitos da filiação quando estabelecida seja na maioridade do interessado em adquirir a nacionalidade portuguesa seja na maioridade dos seus pais, nenhum deles de nacionalidade portuguesa, na hipótese estabelecida pelo artº 6º nº 4 LN em que o sujeito é admitido a prevalecer-se do facto de um dos ascendentes de segunda geração possuir a nacionalidade portuguesa.
*
No âmbito da naturalização vinculada prevista no artº 6º nº 4 LN e por força do princípio geral adoptado no artº 14º, o estabelecimento da filiação na menoridade para efeitos de relevar em sede de nacionalidade corre em ambas as gerações, na geração do requerente e na geração dos seus pais; o que significa que o facto biológico do nascimento tem de se mostrar inscrito no registo civil durante a menoridade do indivíduo nascido no estrangeiro e filho de estrangeiros que manifesta a vontade de se naturalizar português, tal como no tocante ao seu progenitor, igualmente estrangeiro e filho do ascendente em 2º grau da linha recta de nacionalidade portuguesa que serve de referência legal no reconhecimento da nacionalidade portuguesa.
Como diz a doutrina. “(..) o nº 4 do artº 6º impõe a concessão da naturalização solicitada, com dispensa do requisito da residência legal em Portugal aos indivíduos nascidos no estrangeiro que possuam, ao menos, um ascendente do segundo grau da linha recta de nacionalidade portuguesa que não tenha perdido essa nacionalidade. Trata-se afinal de um relevo do ius sanguinis, que se produz, a exemplo do que ocorre noutros ordenamentos, no segundo grau da linha recta e não no primeiro, e que se não manifesta em sede de nacionalidade originária mas de naturalização (nacionalidade derivada). (..)” (6)
Frustra-se, pois, a inserção na comunidade portuguesa de pessoas que, embora explicitem uma vontade nesse sentido e tenham um ascendente em 2º grau de parentesco em linha recta (avós maternos ou paternos) de nacionalidade portuguesa, não tenham a filiação estabelecida na menoridade em ambas as gerações convocadas por reporte aos graus de parentesco a que alude o artº 6º nº 4 LN, a saber, a geração do interessado e a geração dos seus pais.
No plano geral e abstracto da norma, o legislador terá querido dar relevo ao princípio da unidade familiar conjugado com a interiorização da valência quer jurídica quer afectiva no seio da família, evidenciada pelo critério do registo civil do vínculo de consanguinidade em linha recta entre pais e filhos enquanto estes são menores, optando assim na redacção dada ao artº 14º LN por excluir os indivíduos cujos registos de nascimento fossem lavrados já na maioridade do registando afastando deste modo o princípio da retroactividade do estabelecimento a filiação à data do facto biológico do nascimento, consagrado no artº 1797º nº 2 CC, independentemente das razões tardias desse estabelecimento da filiação, pois que não se legislou no sentido de onerar o interessado com a prova do justo impedimento.».

Também no caso dos autos, face à matéria de facto dada como provada, sobretudo na al. E), que não se possa considerar como provado, como faz o tribunal a quo na fundamentação, que o nascimento do pai do A “foi declarado por seus pais em 14.10.1949” com base num registo de nascimento reformado em 1981, por inutilização do livro respectivo.

Assim, que face ao art. 14º da LN que tal filiação se tenha de considerar na data de 1981, já na maioridade do pai do A. e como tal a filiação não esteja estabelecida na menoridade em ambas as gerações convocadas por reporte aos graus de parentesco a que alude o artº 6º nº 4 LN, a saber, a geração do interessado e a geração dos seus pais.

Motivo por que entendemos assistir razão à recorrente, enfermando a sentença recorrida de erro de julgamento.

IV – Pelo que, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso revogando - se a sentença recorrida e substituindo - a por outra que mantenha o acto impugnado.



Lisboa, 2012 - 05 - 14

A Procuradora Geral Adjunta


( Clara Rodrigues )