Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:09/09/2014
Processo:11353/14
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º Juízo - 1.ª Secção
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS;
REGULAMENTO DISCIPLINAR DE 1913.
PRESCRIÇÃO.
DEMISSÃO.
Texto Integral:Procº nº 11353/14

2º Juízo-1ª Secção

Acção Administrativa Especial

Parecer do MP

Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelo autor, funcionário da Caixa Geral de Depósitos, do acórdão que considerou improcedente a acção administrativa especial por si proposta contra a CGD, com vista à impugnação da decisão desta que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.

São duas as questões fulcrais, suscitadas nas alegações de recurso jurisdicional, que importa resolver:

A primeira é sobre a questão da prescrição do procedimento disciplinar no caso de funcionários que tendo optado pela manutenção do regime do funcionalismo público, após a transformação em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos da CGD, continuam sujeitos ao Regulamento Disciplinar dos Funcionários Civis, aprovado por Decreto de 22-2-1913, aplicável por força do disposto no nº 2 do artº 7º, do DL nº 287/93, de 20-8, o qual é omisso em matéria de prescrição;

A segunda é sobre se a gravidade dos factos que deram origem à abertura do processo disciplinar, justifica a aplicação da pena expulsiva mais grave de demissão, por a sua prática inviabilizar a manutenção da relação funcional.

Quanto à questão da prescrição, importa referir o seguinte:

O instituto da prescrição do procedimento disciplinar “funda-se no efeito que o tempo produz em todas as coisas e relações humanas. E tem a sua justificação na diminuição do abalo que a infracção produziu nos serviços e no ambiente, sabendo como é que o tempo vai reduzindo ou apagando suavemente os efeitos inicialmente verificados. Por outro lado, não é justo que o funcionário permaneça indefinidamente submetido à ameaça do procedimento ou da pena disciplinar. Acresce ainda a circunstância de, na grande maioria dos casos, as provas desaparecerem e nas próprias testemunhas se operar uma diminuição no rigor dos factos ou o completo esquecimento destes”( Lopes Dias, Regime Disciplinar dos Funcionários Civis e Administrativos,14) citado por Manuel Leal-Henriques, in “Procedimento Disciplinar” anotado, 3ª Edição 1997, pág 52-53.

Importa, também, ter presente o Parecer da PGR de 11-3-88, in procº nº 123/87, de 11-3-88,publicado no DR, II série, de 10-10-88 o qual, sobre a questão da relevância da prescrição, reza, nomeadamente, assim:

“A prescrição, como instituto do direito punitivo, relativa ao procedimento e às penas, e tanto em direito disciplinar como em direito penal, assenta no pressuposto de que o decurso de determinado lapso de tempo, mais ou menos longo, faz desaparecer as razões determinantes da punição ou do cumprimento da pena, as quais cedem por essa circunstância, à vantagem de estabilizar as relações de serviço ou as relações da vida social perturbadas pela verificação dos factos tipificados como falta ou como infracção penal”

Portanto, decorrendo dos textos transcritos que a prescrição do procedimento disciplinar é tão importante como a prescrição do procedimento criminal e essencialmente pelos mesmos motivos, não poderá esta ser omitida de qualquer Estatuto Disciplinar da Função Pública, sob pena de inconstitucionalidade.

De notar que o actual Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9-9, em nome dos princípios da estabilização das relações jurídicas e das relações de trabalho, bem como do direito do trabalhador à segurança no trabalho, ainda tornou mais restritivos os prazos de prescrição, estabelecendo até um prazo de duração para o próprio processo, findo o qual, já não poderá ser aplicada qualquer pena disciplinar.

Também o ED de 1984 estabelecia prazos de prescrição, como não poderia deixar de ser, atendendo até ao regime supletivo que é o direito criminal.

Ademais, tendo o recorrente optado, como muitos outros trabalhadores da CGD, por se manter no regime da função pública, deveria ter os mesmos direitos que os demais funcionários públicos, estando sujeito ao mesmo regime disciplinar destes e não a um Regulamento Disciplinar já aos mesmos inaplicável e que sofre de graves omissões quanto aos direitos dos arguidos em processo disciplinar.

Assim, parece-nos intolerável não aplicar a um funcionário submetido ao regime da função pública o regime de prescrição aplicável aos demais funcionários públicos.

Deste modo, o Regulamento Disciplinar de 1913, enquanto considerado aplicável ao recorrente, sem prever nomeadamente a prescrição do procedimento disciplinar, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade, nos termos previstos no nº2 do artº 266º da CRP.

No entanto, caso se considere que o recorrente limitou a invocação da prescrição aos factos constantes dos artºs 1 a 14 da acusação, parece-nos que estes são, na verdade, meramente descritivos da situação anterior ao cometimento de qualquer eventual infracção, não contendo nenhuma infracção disciplinar.

Assim, não lhes seria aplicável qualquer dispositivo legal relativo à prescrição.

Quanto à segunda questão suscitada, concordamos inteiramente com o recorrente quando refere não existir qualquer infracção disciplinar.

De facto, o impedimento invocado pela CGD, de não ter acesso aos exames do recorrente, não existiu pelo menos a partir do momento em que tais exames foram juntos ao processo disciplinar, antes da aplicação da pena de demissão.

Competia, pois, à CGD, a partir desse momento, diligenciar para que o processo de avaliação da doença do recorrente prosseguisse os seus termos.

De resto, não se encontra provada qualquer obstaculização, pelo recorrente, a que todos os exames determinados pelas entidades competentes se fizessem, tendo remetido a declaração de aceitação solicitada, sendo a carta a que se faz referência na última parte da alínea c) do artº 10º da acusação, atento o seu conteúdo, irrelevante para efeitos de considerar eficaz essa aceitação.

Assim, todos os demais trâmites levados a cabo pela CGD e pelo INML, ao redor da pretensa revogação da aceitação, não são da responsabilidade do recorrente e denotam manifesta confusão e culpa destas duas entidades.

Sobre esta situação importa ter em consideração o que o douto acórdão deste TCAS, proferido na providência cautelar apensa, refere. Assim, a seguir se transcreve parte do mesmo:

Face às posições das partes, considerando a factualidade indiciariamente provada e a interpretação feita pelas partes das normas jurídicas que o requerente defendeu terem sido violadas, bem como, as normas jurídicas aplicáveis, subsistem, desde logo, dúvidas sobre se o comportamento do requerente que determinou que o INML não entregasse à entidade requerida os relatórios das avaliações efectuadas ao requerente para efeitos de verificar se o mesmo está ou não apto a desempenhar funções, pois, como resultou indiciariamente assente, o requerente encontra-se de baixa psiquiátrica desde Agosto de 1997, configura a violação do dever de lealdade para com a sua entidade patronal e se tal comportamento é de tal forma grave que inviabiliza a manutenção da relação laboral.

Por outro lado, permanece, também, a dúvida sobre se o consentimento prestado pelo requerente foi informado e livre ou se a declaração foi assinada sob coacção.

Ainda que o requerente tenha colaborado com o INML na realização de todos os exames solicitados, com as declarações que subscreveu, determinou que o INML não entregasse os relatórios à entidade requerida, facto que a entidade requerida qualificou como impeditivo da possibilidade de verificar se o requerente está ou não em condições de prestar trabalho para a Instituição, e por essa razão moveu-lhe o processo disciplinar, impondo-se em sede de acção principal averiguar se tal comportamento foi adequado a inviabilizar a verificação da aptidão do trabalhador para o desempenho de funções.

Para além, de que, já após a instauração do processo disciplinar, é certo, o requerente juntou a esse processo os relatórios emitidos pelo INML, que por decisão do Departamento Jurídico do INML, foram-lhe entregues directamente pelo Director do Instituto em 13 de Julho de 2009, já no decurso do presente processo disciplinar, pelo que o resultado das perícias médico-legais efectuadas pelo requerente no INML se encontra na posse da requerida desde essa data, ou seja, embora não tenham sido entregues directamente à Junta Médica, a entidade requerida teve conhecimento desta factualidade, sem que da mesma tenha extraído qualquer consequência, seja a nível do processo disciplinar, seja do processo de verificação da situação de doença, pelo que, subsistem dúvidas se a deliberação, com este fundamento, padece do apontado erro nos pressupostos de facto.

Impõe-se, assim decidir se estes alegados comportamentos do requerente inviabilizaram a emissão do parecer final por parte da Junta Médica de Verificação de Doença da CGD, uma vez que esta considerou que o parecer do INML seria determinante e indispensável para a emissão do seu próprio parecer e se, consequentemente, a CGD ficou – e está – impossibilitada de determinar se o empregado está ou não apto para o regresso ao serviço”.

Tal indagação carece de aprofundamento a ser feito em sede de acção principal, não se nos afigurando que a defesa deduzida pela entidade requerida baste para concluir que o acto suspendendo não padece dos vícios que o requerente lhe imputou.

Não obstante não se ter cabalmente esclarecido, na acção, os pontos considerados duvidosos neste acórdão, parece-nos que a existir alguma infracção disciplinar - a qual não descortinamos - a mesma não será de molde a inviabilizar a manutenção da relação funcional, pelo que a pena de demissão aplicada sempre seria excessiva e inadequada.

Termos em que, pelo exposto, sou de parecer que o presente recurso jurisdicional merece provimento, devendo, em consequência, ser anulada a decisão impugnada.


A Procuradora-Geral Adjunta

Maria Antónia Soares