Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:12/21/2012
Processo:09568/12
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º Juízo
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:ENCERRAMENTO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL.
FALTA DE LICENÇA DE UTILIZAÇÃO.
PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO.
INCOMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Texto Integral:Procº nº 09568/12
2º Juízo – 1ª Secção
Suspensão de eficácia
Parecer do MP

Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelo requerente, titular de uma licença de ocupação de uma parcela do domínio público, onde explora um estabelecimento comercial de restauração, da sentença que considerou incompetentes os tribunais administrativos para apreciar o pedido de suspensão de eficácia da deliberação da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica que no âmbito do processo de natureza contra-ordenacional determinou a suspensão imediata da actividade do estabelecimento, com base na falta de licença para o exercício da actividade de restauração e bebidas. Mais considerou a sentença que o Município de Silves, também demandado no processo, é parte ilegítima.

Segundo a douta sentença em apreciação, não estamos perante uma relação jurídica de direito administrativo, sendo a referida suspensão de laboração indissociável da matéria contra-ordenacional que lhe está subjacente, pelo que nos termos do artº 55º nº1 do DL nº 433/82, de 27-10, que aprovou o Regime Geral das Contra-Ordenações, bem como dos artºs 77º nº1 al e) e 95º alínea d) da Lei de Organização e funcionamento dos Tribunais Judiciais, são os Tribunais Judiciais os competentes para apreciar os recursos interpostos dos actos praticados pelas autoridades administrativas no processo contra-ordenacional.

Não concordou, porém, a requerente, ora recorrente, alegando essencialmente que o acto suspendendo não é uma simples decisão administrativa que aplica uma coima, é um acto administrativo que decreta a suspensão da laboração de um estabelecimento comercial e que não sendo impugnado judicialmente, se torna definitivo e executório sendo que, nos termos do nº1 al a) do artº 4º do ETAF, compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares

Não tem, porém, razão, a nosso ver.

De facto, estamos perante uma relação jurídica que não é, claramente, administrativa, já que não se rege pelo direito administrativo.

Isto sendo certo que o nº1 do artº 1º do ETAF atribui competência aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal para a resolução de litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

Por sua vez, o artº 4º nº1 alínea a), do ETAF estabelece como objecto desses litígios, nomeadamente, “a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal, ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal”.

Portanto, não basta a entidade que praticou o acto ser uma entidade administrativa como é, sem dúvida, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, para se considerar que estamos perante um acto administrativo praticado no âmbito do direito administrativo.

De facto, qualquer autoridade administrativa pode praticar actos no âmbito de relações jurídicas reguladas, nomeadamente, pelo direito privado, contra-ordenacional ou do trabalho.

Também não compete aos tribunais administrativos a tutela de todos os direitos fundamentais ou de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos, mas apenas os fundados em normas de direito administrativo ou fiscal.

Assim, sendo o acto em apreço praticado no domínio do direito das contra-ordenações, não pode o litígio do mesmo emergente ser apreciado pela jurisdição administrativa, pelo que não é possível dirimi-lo por qualquer dos meios processuais previstos no CPTA, no mesmos se incluindo as providências cautelares reguladas no artº 112º e segs do CPTA.

Tal resulta inequivocamente do nº1 deste dispositivo legal ao estabelecer que “quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos, pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo.”

De resto, dada a interligação entre o processo principal e a providência cautelar que resulta do estatuído nos artºs 113º e 114º do CPTA, não faria sentido que, para apreciação do processo principal fosse competente um tribunal criminal, e para apreciação duma providência cautelar com o mesmo conexa, fosse competente o tribunal administrativo.

Assim, regendo-se os processos de contra-ordenação por lei específica e, subsidiariamente, pelo direito criminal, e determinando a legislação aplicável que tais processos correm pelos tribunais criminais, mais propriamente pelos Tribunais de Pequena Instância CrimInal, nos termos dos artºs 55º nº1, 59º e 61º nº1 do DL nº 244/95, de 14-9 e artº102 nº2 da LOFTJ, não podia o TAF de Loulé apreciar e decidir o pedido de suspensão formulado, sob pena de se imiscuir em questões que por lei pertencem à jurisdição de outros tribunais .

Por sua vez, nos termos do disposto no artº 77º, nº 1- e) da Lei 3/99, de 13.01 (LOFTJ), com as alterações introduzidas pela Lei 105/03, de 10.12, “Compete aos tribunais de competência genérica: (…) e) julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contra-ordenação, (…).”, englobando-se, aqui, a presente contra-ordenação aplicada nos termos do DL nº 433/82, de 27-10, alterado e republicado pelo DL nº 244/95, de 14-9, e por força do disposto no nº2 do artº 2º e do artº 20º, ambos do DL nº237/2005, de 30 de Dezembro, sendo a competência territorial para o julgamento de tais recursos dada pelo artº 61º do DL 244/95, de 14.09, que alterou o DL 433/82, de 27.10: “É competente para conhecer do recurso o tribunal em cuja área territorial se tiver consumado a infracção.”


No sentido da incompetência dos tribunais administrativos para apreciar recursos e providências cautelares que tenham como objecto actos praticados ao abrigo do direito de mera ordenação social, tem decidido a jurisprudência deste TCAS ( Cfr acs de 13-9-06, de 25-5-06 e de 9-12-04, in recºs nºs 01834/06, 01615/06 e 00254/04, respectivamente).

Assim, refere o sumário do último acórdão citado, o seguinte:

I-Nos termos do disposto no artº 95º, d) da Lei 3/99, de 13.01 (LOFTJ), "Aos juízos de competência especializada criminal compete: (...) d) O julgamento dos recursos das decisões das autoridades administrativas em processo de contra-ordenação, salvo o disposto nos artigos 87º, 89º, 90º e 102º."

II - Esta norma de atribuição de competência aos juízos criminais para conhecimento dos recursos das decisões das autoridades administrativas em processo de contra-ordenação é exemplo de um desvio que consiste numa atribuição pontual a outros tribunais existentes fora da jurisdição administrativa, para o julgamento, por outros processos, de questões substancialmente administrativas, devendo tal atribuição pontual de competência ser entendida como mera remissão orgânico-processual, decorrente da opção legislativa ordinária, não se devendo deixar de lado, todavia, a regra de que os tribunais administrativos são os tribunais comuns em matéria administrativa, como decorre do preceito constitucional contido no artº 212º, nº3 da CRP e no artº 1º, nº1 do ETAF, aprovado pela Lei 13/02, de 19.02, alterada pela Lei 4-A/03, de 19.02 e pela Lei 107-D/03, de 31.12.

Também o assento nº 1/2003, do STJ, publicado no DR,I série, de 25-1-03, vai no mesmo sentido ao referir que “quando um acto de uma autoridade administrativa possa ser visto simultaneamente como um acto administrativo e um acto integrador de um processo de contra-ordenação, o seu regime jurídico, nomeadamente para efeitos de impugnação, deverá ser em princípio, o do ilícito de mera ordenação social e, subsidiariamente, o regime do processo penal, mas não o regime do CPA.

Assim sendo, não repugna até, que em ilícitos de mera ordenação social, esteja vedado ao infractor o uso de providências cautelares idênticas às reguladas no CPTA, nomeadamente que permitam a suspensão de eficácia de ordens de encerramento de estabelecimentos comerciais, se as leis aplicáveis não as previrem.


Termos em que, emitimos parecer no sentido da sentença impugnada ser mantida, com o que se negará provimento ao presente recurso jurisdicional.


A Procuradora-Geral Adjunta



Maria Antónia Soares