Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:09/26/2012
Processo:09205/12
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º Juízo - 1.ª Secção
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:LICENCIAMENTO DE POSTO DE COMBUSTÍVEL.
TERRENO ADQUIRIDO EM HASTA PÚBLICA.
EQUIPAMENTO DE INTERESSE E USO COLECTIVO.
Disponível na JTCA:SIM
Procº nº09205/12
2º Juízo-1ª Secção
Acção popular
Parecer do M.P.

1.Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelo Município do Seixal e pela empresa contra – interessada, da sentença que declarou a nulidade do despacho de 28-07-2006, do Vereador do pelouro do Urbanismo e Equipamentos Municipais, da Câmara Municipal do Seixal, na parte em que licenciou a construção do posto de combustível, bem como a nulidade da cláusula do contrato de compra e venda celebrado entre a contra-interessada e o Município do Seixal que obriga a contra-interessada a afectar o terreno adquirido em hasta pública, à construção de um posto de abastecimento de combustível, de uma unidade de lavagem de automóveis e de um quiosque.

2.A declaração das citadas nulidades pela sentença recorrida baseia-se essencialmente na violação da alínea c) do nº2 do artº 10º do Regulamento do PDM do Seixal, publicado no DR, I série B, de 11-11-1993, uma vez que o posto de abastecimento de combustível não constitui equipamento de interesse e uso colectivo de harmonia com a classificação de área de equipamento consignada nesse dispositivo legal.
Isto não obstante o terreno onde foi instalado, integrado na unidade operativa de planeamento e gestão de Foros de Amora/Pinhal das Freiras/Verdizela, Seixal, se destinar única e exclusivamente àquele fim, conforme decorre da planta anexa ao RPDM do Seixal, junta a fls 132 dos autos.

3.Não têm, porém, os ora recorrentes este entendimento, considerando, nomeadamente, que a sentença recorrida fez errada interpretação do conceito de “equipamento de utilização colectiva” violando a alínea c) do nº2 do artº 10º do Regulamento do PDM do Seixal, bem como o artº 17º do DL nº 380/99, de 22-9 e a Portaria nº 1136/2011, de 25-9. E sendo essa interpretação violadora dos princípios da separação e interdependência de poderes, vertido nos artºs 2º e 111º nº1 da CRP e da protecção e confiança, bem como do disposto nos artºs 62º, 65º nº4, 202º nº2, 237º nº1, 241º e 266º nº1, todos da CRP, consideram inconstitucionais os citados preceitos e Portaria.
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4. A questão fulcral a resolver é saber se um posto abastecedor de combustível se pode integrar no conceito de equipamento de utilização colectiva a que se refere a alínea c) do nº2 do artº 10º do Regulamento do PDM do Seixal.

Desde já se refere que não está em causa, neste processo e nesta fase, o enquadramento paisagístico em que tal posto se insere, ou o seu carácter mais ou menos poluente para as populações circundantes, sendo assim irrelevantes, para a decisão da causa as questões abordadas pela contra-interessada nas suas alegações de recurso jurisdicional sobre tais assuntos.

Também não estão em causa os trâmites que antecederam o respectivo licenciamento, que o Município demandado refere terem ocorrido antes da entrada em vigor do PDM, e dados como provados nas alíneas a) a f) da factualidade assente na sentença, pois não são constitutivos de direitos para a contra-interessada, nem impedem a aplicação do PDM pelo Município a esse licenciamento.

Ademais, se tais actos se mostrassem incompatíveis com o PDM teriam que ser por este implicitamente revogados ou declarada a sua caducidade.

Sobre esta questão refere o acórdão do STA de 06-05-2010, in procº nº 0120/09:

“Os Planos Directores Municipais são instrumentos de gestão territorial, com a natureza de regulamentos administrativos, que visam estabelecer a estrutura espacial do território municipal, bem como a classificação dos solos e os índices urbanísticos aplicáveis, constituindo “uma síntese da estratégia de desenvolvimento e ordenamento local” [arts. 2º, nº 1/a), 4º e 9º, nº 2 do DL nº 69/90, de 2 de Março Diploma em vigor à data da publicação do PDM de Coimbra, e que estabelecia o regime jurídico dos planos municipais de ordenamento do território, entretanto revogado pelo DL nº 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial., e 84º e 85º do DL nº 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT)].
A função básica dos Planos Directores Municipais, como, aliás, a de todos os planos, é pois a de conformação do respectivo território, através da definição das regras e princípios gerais relativas à organização do território e à racionalização da utilização e ocupação do espaço, tendo em vista o desenvolvimento territorial integrado, harmonioso e sustentável do país.
Nesta perspectiva de conformação urbanística do território, alude a doutrina ao chamado princípio da reserva do plano, significando que só é possível construir em determinado terreno desde que o plano lhe atribua vocação construtiva ou o classifique como solo urbano, conferindo-lhe a susceptibilidade de urbanização ou de edificação (arts. 72º e 73º do DL nº 380/99, de 22 de Setembro), e, para além disso, que o projecto de operação urbanística não contrarie as disposições do mesmo plano, no que toca à caracterização das zonas e dos equipamentos que nelas podem ser instalados (cfr. Fernando Alves Correia, Manual do Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, Vol. I, pág. 439).
E é justamente na decorrência deste princípio que a lei fulmina com a nulidade os actos administrativos de gestão urbanística praticados em violação de plano aplicável. Consequência que decorre do disposto no art. 103º do DL nº 380/99, onde se prescreve que “são nulos os actos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável”, e também do disposto no art. 68º, al. a) do DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção do DL nº 177/2001, de 4 de Junho, que declara serem nulas as licenças ou autorizações das operações urbanísticas que “violem o disposto em plano municipal de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou autorização de loteamento em vigor”.
Ou seja, os Planos Directores Municipais vinculam, desde logo, as entidades de direito público que os aprovam, constituindo um meio de auto-vinculação da Administração, mas também, de forma directa, os próprios particulares (vd. art. 3º do DL nº 380/99, de 22 de Setembro), assumindo-se, assim, como “regulamentos administrativos dotados de eficácia plurisubjectiva” (cfr. Fernando Alves Correia, obra citada, pág. 439)”.

Ainda segundo o acórdão do STA de 25-3-09, in procº nº 0648/08,

“…Ora, o momento relevante para determinar a conformidade de um licenciamento com o PDM é momento em que é deferida operação urbanística em causa e não o momento em que se iniciam os procedimentos administrativos.
Trata-se de entendimento consolidado.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido que o bloco de legalidade aplicável a um acto administrativo é o vigente na data em que for proferido, mesmo em casos onde tenha havido deferimento de actos intermédios do respectivo procedimento de licenciamento – cfr. o Acórdão deste STA (Pleno da Secção) de 06.02.2002, (rec. 37 633): “a legalidade do acto administrativo afere-se pela realidade fáctica existente no momento da sua prática e pelo quadro normativo então em vigor, segundo o princípio «tempus regit actum».” A aplicação do referido princípio implica que, como se refere no Acórdão deste STA de 7-10-2003 (recurso 790/03) “(…) embora tecnicamente a conformidade com os instrumentos de gestão territorial seja aferida na altura de apreciação do projecto de arquitectura, a aplicabilidade ou não de um instrumento de gestão territorial válido nos termos da lei, estende-se em última análise à decisão final de licenciamento - Acs. STA de 05.05.98, rec. 39 097 e 05.05.98, rec. 43 497”.

Assim, não poderia a entidade demandada licenciar a construção do posto de abastecimento em causa, em face de o terreno onde a mesma seria edificada, estar inserido numa zona que o PDM do Seixal destinava a equipamentos de interesse colectivo.


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Posto isto, temos a afirmar que concordamos com a sentença recorrida ao considerar que o complexo que integra a denominada bomba de gasolina nada tem que o caracterize para que possa ser denominado equipamento de interesse colectivo.

De facto, a constituir este tipo de equipamento, todos os estabelecimentos comerciais como hipermercados ou centros comerciais ou industriais o seriam, até por maioria de razão.

O que distingue os estabelecimentos comerciais em geral dos equipamentos de interesse colectivo é a finalidade social destes para além de eventual interesse comercial ou económico que possam também ter, o que significa que se destinam a fomentar a vida em sociedade e a valorizar os seus diversos aspectos.

Assim, embora de interesse económico, os mercados e feiras têm uma função socializante na medida em que fazem parte da tradição local dos povos e convidam à socialização.

Por este motivo, o Regulamento em causa, ao estabelecer uma zona de equipamento de interesse colectivo, teve em vista preservar essa zona para esse efeito, para aí não ser implantado qualquer outra construção ou equipamento, por mais útil ou enquadrável na paisagem que se mostre na prática.

De facto, os equipamentos de utilização colectiva vêm actualmente explicitados no anexo II da Portaria 1136/2011, de 25-9, como áreas afectas às instalações ( inclui as ocupadas pelas edificações e terrenos envolventes afectos às instalações ) destinadas à prestação de serviços às colectividades ( saúde, ensino, administração, assistência social, segurança pública, protecção civil, etc.), à prestação de serviços de carácter económico (mercados, feiras, etc) e à prática de actividades culturais, de recreio e lazer e de desporto.

Estes equipamentos sempre foram os equipamentos de interesse colectivo a que também se referia a legislação anterior a esta Portaria 1136/2011., embora aí não referidos expressamente, pelo que não se pode considerar que a sentença recorrida tenha feito errada aplicação da mesma ao caso vertente .

Quanto à definição de equipamentos de interesse colectivo, vale a pena determo-nos, a título de exemplo, no art. 7º do Regulamento do PDM de Lisboa o qual refere que são equipamentos colectivos “os equipamentos de promoção e propriedade pública ou classificados de interesse público que compreendem as instalações e locais destinados a actividades de formação, ensino, investigação e, nomeadamente, a saúde e higiene social e pública, cultura, lazer, educação física, desporto e abastecimento público”.

Verifica-se, assim, que esta definição é em tudo semelhante à definição contida na Portaria 1136/2011.

Ora, decidiu o acórdão do STA de 25-03- 2009, proferido no procº 0648/08 que
o espaço destinado a estacionamento de veículos, incluindo de prédios vizinhos, não se integra no conceito de equipamento colectivo acima referido.

Este é, sem dúvida, um caso semelhante ao dos autos pois está em causa uma actividade que embora dirigida a toda a população é de interesse geral mas não de interesse colectivo e social.

Não é fácil, na verdade, definir o que são “equipamentos de interesse público e utilização colectiva”, como comprova a jurisprudência doss tribunais administrativos e também a doutrina.

A lei não nos fornece um conceito explícito desse tipo de equipamentos na Portaria nº1136/2001 de 25-9, em vigor à data do licenciamento impugnado.
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E da alínea c) do nº2 do artº 10º do Regulamento do PDM do Seixal, apenas resulta um conceito implícito: o de que tais equipamentos se reconduzem a instalações e edificações de interesse público e de utilização colectiva, o que significa, que estas têm necessariamente uma “função que não corresponde a um interesse exclusivamente privado, antes desempenham uma função de interesse geral ou de utilidade geral”, e que são instalações “destinadas à prestação de serviços à colectividade..., à prestação de serviços de carácter económico... e à prática de actividades culturais, de recreio e lazer e de desporto”( cfr Alves Correia Manual do Direito do Urbanismo pag 439 e pag572-573).

Nestes termos parece –nos que bem andou a sentença recorrida ao considerar violado o citado normativo do Regulamento do PDM do Seixal.

Quanto à invocada inconstitucionalidade deste normativo não pode ser conhecido uma vez que a contra-interessada, não obstante ter defendido essa inconstitucionalidade nas alegações, não explicou minimamente as razões que sustentam tal invocação.

Quanto às questões que vêm enunciadas nas alíneas AA) a AG) das conclusões das alegações da contra-interessada não encontramos na sentença qualquer apreciação ou decisão que tivesse sido proferida sobre as mesmas, pelo que sendo o recurso destinado apenas à reapreciação da sentença, não poderá conhecer ex novo as mesmas.

Termos em que pelo exposto, emitimos parecer no sentido da improcedência dos recursos jurisdicionais interpostos.

A Procuradora Geral Adjunta



Maria Antónia Soares