Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:08/01/2014
Processo:10951/14
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º Juízo - 1.ª Secção
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:CONTRA-ALEGAÇÕES.
OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA.
LIGAÇÃO EFECTIVA À COMUNIDADE PORTUGUESA.
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO NEGATIVA.
ÓNUS DE PROVA DOS FACTOS ALEGADOS.
Texto Integral:Procº nº 10951/14

2º Juízo-1ª Secção

Acção Administrativa Especial

Recurso de revista

Contra-alegações do MP


Venerandos Juízes Conselheiros do

Supremo Tribunal Administrativo


A magistrada do MP, junto deste Tribunal Central Administrativo, vem, em defesa da legalidade, na acção supra referenciada, de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, proposta pelo M.P. contra R..., apresentar as suas contra-alegações, ao abrigo do nº1 do artº 145º do CPTA e com os seguintes fundamentos:

I - Da admissibilidade do recurso:

1.O presente recurso de revista vem interposto pela demandada, do acórdão do TCAS que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo M.P. da sentença proferida no TAC de Lisboa que considerara improcedente a acção, determinou a sua procedência, dando como não verificado o requisito previsto na alínea a) do artº 9º da Lei nº 37/81, de 3-10, da sua ligação efectiva à comunidade portuguesa.

2.Conforme se encontra provado nos autos, a demandada nasceu na Jamaica, reside no Dubai e contraiu casamento nos Estados Unidos da América com um cidadão português de quem tem uma filha, registada no Consulado Geral de Portugal em Miami, onde na altura residiam, registo do qual consta como natural de Miami, Dade, Florida, Estados Unidos da América (fls 73).

Mais, está provado que a demandada, ora recorrente, nunca residiu em Portugal.

Se é certo que o facto de nunca ter residido em Portugal não implica, só por si, a ausência de ligação efectiva, também é certo que se torna muito difícil provar tal vínculo nos casos em que, tal como o aqui analisado, a requerente nunca teve essa residência.

E isto porque toda a vivência da recorrente se processa em países estrangeiros, advindo a sua ligação a Portugal apenas dos laços do matrimónio ocorrido também no estrangeiro e de alguns contactos que, por essa via, mantém com portugueses residentes no estrangeiro.

Ora, no caso vertente, apenas se deu como provado, na sentença, que a recorrente juntou, com a contestação, várias declarações de portugueses que procuram atestar a sua ligação efectiva, já que não foram ouvidas as testemunhas por si arroladas sobre a existência dessa ligação, quer na Conservatória dos Registos Centrais, quer no TAF de Lisboa onde foi instaurada a ação.

Trata-se, porém, de questões de facto, arredadas do âmbito deste recurso por determinação legal ( cfr artº 150º nº1 do CPTA.), pelo que, salvo melhor opinião, não poderá ser conhecida neste recurso, a matéria inserta nos pontos 95 a 98 das alegações da recorrente (neste sentido os acs do STA de 22-05-2014 e 11-07-2012, in recºs nºs 0412/14 e 0616/12, respectivamente).

Estamos, portanto, perante uma situação de facto concreta, dificilmente transponível para outros casos, o que retira, desde logo, relevância social ao caso.

3.Importa, assim, apenas aferir se, neste caso específico, com base nos factos fixados na sentença como provados, existe algum fundamento de direito para a recorrente adquirir a nacionalidade portuguesa e se, para essa aferição são necessárias complexas interpretações legislativas ou diversas consultas de doutrina e jurisprudência..

De facto, a questão jurídica suscitada pela recorrente de saber a quem compete a prova dos factos demonstrativos da ligação efectiva, determinantes da procedência da oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, em face da alteração da redacção da alínea a), do artº 9º, da Lei 37/81, de 3-10 (Lei da Nacionalidade), operada pela Lei 2/2006, de 6-7, e igual á redacção do nº1 do artº 57º do DL nº 237-A/2006, de 14-12 ( Regulamento da Nacionalidade), atualmente vigente, parece-nos uma “falsa questão” na medida em que a referida alteração legislativa, em comparação com a redacção anterior da alínea a) do artº 9º da Lei nº 37/81--- pode nada significar em termos de alteração de regime, sendo apenas uma mera correção de redacção em face das normas de direito civil aplicáveis a este tipo de acção.

Na verdade, sendo a acção de oposição á aquisição da nacionalidade portuguesa uma acção de simples apreciação negativa, destinada a demonstrar a inexistência do direito à aquisição da nacionalidade, nos termos da alínea a), do nº2, do artº 4º, do antigo CPC, a prova dos factos compete ao demandado nos termos do nº1, do artº 343º do CC.

Ora, este tipo de ação, não foi modificada com a citada alteração legislativa, motivo pelo qual se mantêm as mesmas regras sobre o ónus de prova.

Outra questão será a prova que a interessada terá que fazer sobre o citado requisito, no processo administrativo instaurado na sequência do seu pedido de aquisição da nacionalidade português, essa sim, modificada na sequência das alterações operadas à legislação aplicável em 2006.

Nos termos da nova redacção dada ao nº2 do artº 9 da Lei da Nacionalidade, afigura-se-nos que a produção da prova e, nomeadamente, a inquirição das testemunhas arroladas pela interessada, terá que ser efectuada pela CRC.

E só após essa produção de prova é que será decidido o envio ao MP para propositura da acção, caso se conclua pela não ligação efectiva.

Assim, se a Conservatória dos Registos Centrais considerou que, pelas provas recolhidas no processo administrativo, não havia a ligação efetiva que a recorrente havia declarado, o MP a quem competia propor a ação, apenas teria que invocar, com base na ausência de factos demonstrativos, a inexistência do direito de aquisição da nacionalidade, cabendo à demandada, na contestação, indicar os factos integrantes desse direito.

Como se verifica pelo documento enviado pela CRC ao MP, o qual fundamentou a presente acção, o mesmo contém os motivos por que foi considerada a inexistência de ligação efectiva neste caso ( fls 129/130).

Por outro lado a lei, quer a anterior a 2006, quer a posterior, não consigna qualquer presunção de ligação efectiva á comunidade nacional, mesmo no caso de o requerente residir em Portugal ou ser casado com um cidadão português há mais de três anos ( cfr acs do TCAS de 2-414, de 20-3-14 de 17-5-12 de 3-5-12 e de 15-4-10, in recº nºs 10952/14,10925/14,08726/12,06222/10 e 06045/10, respetivamente).

Existe, portanto, já extensa jurisprudência dos tribunais superiores da jurisdição administrativa que se debruçou sobre estas questões.

4.Quanto à invocada inconstitucionalidade da interpretação dada pelo acórdão recorrido à alínea a) do artº 9º da Lei da Nacionalidade parece-nos que a mesma, em face do que se referiu sobre a irrelevância da alteração legislativa operada em 2006 quanto ao ónus de prova, não tem qualquer sustentação de facto e de direito.

E isto até porque a recorrente não demonstrou qualquer violação do direito internacional sobre a matéria da aquisição da nacionalidade, pelo regime legal instituído em 2006, sendo certo que o mesmo não altera o regime anterior na sua substância, como já acima se referiu.

Acresce que quer a CRP, quer os diplomas de 2006, não consignam a aquisição da nacionalidade como um direito fundamental, pelo que são inaplicáveis ao caso os artºs 8º, 16º e 18º ou 111º da CRP, ao contrário do que defende o recorrente.

5. E, finalmente, não se verifica erro ostensivo no acórdão recorrido, que mereça a reapreciação por esse Alto Tribunal para uma melhor aplicação do direito, como se irá demonstrar em sede de mérito.

No sentido da não admissibilidade do recurso com estes fundamentos, se pronunciou o STA no douto acórdão de 9-5-2012, in recº nº 0412/12.

Conforme se refere no respetivo sumário,

“Não é de admitir o recurso de revista em situação na qual as questões colocadas não são particularmente complexas sob o ponto de vista jurídico, não apresentam relevância social fundamental por não contenderem com interesses especialmente importantes da comunidade, nem se detecta um erro ostensivo na decisão do acórdão recorrido”.

Nestes termos, salvo melhor opinião, não deverá ser admitido o presente recurso de revista.

Para o caso de assim se não entender, dir-se-á o seguinte:

II - Do mérito do recurso de revista:

A - Alteração legislativa e inversão do ónus da prova

O autor, para propor a presente ação, baseia-se na participação, pela Conservatória dos Registos Centrais, de factos suscetíveis de fundamentarem a oposição ao pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos do nº7 do artº 57º do DL nº 237-A/2006, de 14-12.

A Lei da Nacionalidade (LN) foi aprovada pela Lei nº37/81, de 03.10, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17-04 e, atualmente, é regulamentada pelo Decreto-Lei nº237-A/2006, de 14.12, aplicável à situação sub judicio.

A aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade, da adopção plena ou da naturalização, está prevista nos artº 2º a 7º da LN e regulamentada nos artº12º a 28º do citado DL.

Atendendo a que a redacção dos n°s 1 e 2 do art. 3° da Lei n° 37/81, foi mantida pela Lei 2/2006, de 17 de Abril, continua o estrangeiro, casado há mais de três anos com nacional português, a poder adquirir, a nacionalidade portuguesa, caso se verifiquem as demais condições exigidas por lei.

O art. 9º, na redacção inicial da Lei nº 37/81, estabelecia que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente, a “não comprovação, pelo interessado, de ligação efetiva à comunidade nacional”;

Na redação dada pela Lei nº 2/2006, o artº 9º refere que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente a “inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional”;

O art. 56°, n° 2 do atual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL n° 237-A/2006, de 14 de dezembro, que corresponde ao art. 22°, do DL n° 322/82, de 12 de agosto, prevê:

2 – Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adoção:

d) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional,

e) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa,

f) O exercício de funções públicas sem caráter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório no Estado estrangeiro”;

E o art. 57°, n° 1 do referido DL n° 237-A/2006, dispõe que:

Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adoção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n° 2 do artigo anterior”;

6 - Estabelece o n° 7 do mesmo artigo que “sempre que o Conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos suscetíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adoção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do competente tribunal administrativo e fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser”;

Segundo Jurisprudência que se vem firmando a este propósito, a “ligação efetiva” traduz-se na integração na comunidade nacional que assente num complexo de liames, expressos pelo conhecimento da língua portuguesa, domicilio, comunhão cultural, integração social (que não meramente familiar) e até por factos económico-profissionais, complexo que traduz e demonstra um sentimento de pertença à comunidade portuguesa e não de uma ligação oportunista (neste sentido genérico, os doutos Acs. da Relação de Lisboa de 15-2-2007 in procº nº 05214/09, de 28-6-12, in procº nº 7772/06, de 12.01.98 proferido no processo n.º 6163/97 e de 02.04.98, no processo 194/98-L, e do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.99, proferido no processo 7191/97- 1ª Secção, de 6-7-06 in procº nº 6B1740 e de 21-9-04, in procº nº 5ª327e ainda o recente acórdão do TCAS de 10-7-14, in recº nº 11308).

“ Importa, sobretudo, que o requerente se sinta de facto, como psicológica e sociologicamente português” – como afirma o Ac. do STJ de 22.06.2005 – Proc. nº 1802/05 – 2ª secção.

Ora, no caso vertente, não seria, sequer, necessário, infirmar os escassos factos alegados pela requerente, na medida em que os mesmos são manifestamente insuficientes para demonstrar uma ligação efectiva à comunidade nacional nos termos em que a jurisprudência citada o exige.

Na verdade, não ficou provado que a filha da requerente tem a nacionalidade portuguesa o que faz cair pela base o argumento da necessidade de preservar a estrutura familiar, no aspecto de todos deverem ter a mesma nacionalidade para assim se sentirem mais unidos.

E muito menos releva o facto de ambos os cônjuges terem iguais direitos à face do nº3 do artº36º da Constituição Portuguesa, como chega a defender a recorrente, pois é óbvio que a igualdade dos direitos dos cônjuges aí prevista são só quanto à capacidade civil e política, o que pressupõe previamente a aquisição da nacionalidade portuguesa.

De contrário, a aquisição da nacionalidade portuguesa pelo cônjuge de um português seria automática, o que não está previsto na lei.

Portanto, conforme já se referiu supra, em face da recorrente nunca ter residido em Portugal e não estar provado que fale português, a ligação efetiva exigiria uma demonstração e argumentação muito mais exigente, o que não aconteceu.

Nestes termos, bastou ao MP e ao Tribunal dar como não demonstrada a ligação efectiva, em vez de demonstrar a inexistência dessa ligação, o que só se justificaria, por exemplo, em caso de invocação de factos falsos pela requerente, pretensamente demonstrativos dessa ligação efetiva.

Ou seja: uma coisa é considerar que não foi demonstrada a existência da ligação efectiva, podendo a mesma existir; outra coisa é ser declarada a sua inexistência após indagação aturada sobre a sua existência.

Cremos que a primeira hipótese justificará a propositura desta acção pelo MP, podendo a demandada na contestação alegar e provar que essa ligação se verifica, o que dará origem à improcedência da acção.

Na verdade, sendo a acção de oposição á aquisição da nacionalidade portuguesa uma acção de simples apreciação negativa, destinada a demonstrar a inexistência do direito à aquisição da nacionalidade, nos termos da alínea a), do nº2, do artº 4º, do antigo CPC, a prova dos factos compete ao demandado nos termos do nº1, do artº 343º do CC.

Ora, este tipo de acção, não foi modificada com a citada alteração legislativa, motivo pelo qual se mantêm as mesmas regras sobre o ónus de prova.

Outra questão será a prova que a interessada terá que fazer sobre o citado requisito, no processo administrativo instaurado na sequência do seu pedido de aquisição da nacionalidade português, essa sim, alterada na sequência das alterações operadas à legislação aplicável em 2006.

Nos termos da nova redacção dada ao nº2 do artº 9 da Lei da Nacionalidade, afigura-se-nos que a produção da prova e, nomeadamente, a inquirição das testemunhas arroladas pela interessada, terá que ser efectuada pela CRC.

E só após essa produção de prova é que será decidido o envio ao MP para propositura da acção, caso se conclua pela não ligação efectiva.

Ora, no caso vertente, não logrou a ora recorrente fazer essa prova pelo que, na impossibilidade do STA alterar a matéria de facto, deverá a acção proceder, tal como foi decidido pelo acórdão recorrido.

B - Falta de inquirição das testemunhas apresentadas pela demandada:

Quanto à decisão de não inquirição das testemunhas arroladas pela demandada, quer pela Conservatória dos Registos Centrais, quer pelo Tribunal, trata-se, como já se referiu, de uma questão de facto, a apreciar pelo julgador no âmbito dos seus poderes discricionários, portanto, que nos parece arredada do âmbito deste recurso por determinação legal ( cfr artº 150º nº1 do CPTA.), pelo que, salvo melhor opinião, não poderá ser conhecida neste recurso, a matéria inserta nos pontos 95 a 98 das alegações.

De todo o modo, dir-se-á que cabendo ao julgador aferir da necessidade ou não da inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, não sendo obrigado por lei a ouvi-las, mesmo em caso de decisão desfavorável à parte que as arrolou, pode considerar que já dispõe de elementos suficientes no processo para formular um juízo sobre a decisão a tomar.

No caso vertente, os elementos constantes nos autos demonstravam e demonstram a inexistência da ligação efetiva, nomeadamente por inexistirem as características objetivas de que a jurisprudência faz depender a aquisição da nacionalidade portuguesa, como seja, a integração na sociedade portuguesa, o uso da língua portuguesa, o sentimento de pertença à sociedade portuguesa, a residência em Portugal ou em um país cuja cultura tivesse semelhanças com a nossa.

Assim, porque as testemunhas não poderiam infirmar estes factos, parece-nos que a sua inquirição não determinaria a improcedência da presente acção, sendo portanto irrelevante.

E deste modo, não nos parece que, ao contrário do entendimento da recorrente, tenham sido violados os princípios constitucionais ou legais do contraditório, da igualdade do direito de participação ou o princípio do inquisitório ou do nº2 do artº 266º da CRP

C-Inconstitucionalidade da interpretação dada à alínea a) do artº 9º da Lei da Nacionalidade:

Quanto a esta inconstitucionalidade invocada, importa referir que o douto acórdão recorrido não apreciou esta questão, não obstante a mesma já ter sido invocada nas contra-alegações de recurso jurisdicional apresentadas pela ora recorrente, nos pontos 35 a 48 das mesmas e J) A l) das respetivas conclusões.

Nestes termos, sendo o recurso de revista um meio de impugnação de acórdão proferido pelos TCA e não vindo invocada a nulidade deste por omissão de pronúncia, parece-nos que o STA não poderá conhecer desta questão.

Para o caso de assim se não entender dir-se-á, no entanto que, pelas razões já supra expostas, referentes à manutenção de uma acção de apreciação negativa, a interpretação dada à alínea a) do artº 9º da Lei da Nacionalidade de que à demandada compete a demonstração e prova dos factos integrantes da ligação efetiva á comunidade nacional não viola o artº 111º da CRP, que consigna o princípio da separação de poderes.

Efetivamente, como já se referiu supra, parece-nos que a invocada inconstitucionalidade, em face do que se referiu sobre a irrelevância da alteração legislativa operada em 2006 quanto ao ónus de prova, não tem qualquer sustentação de facto e de direito.

E isto até porque a recorrente não demonstrou qualquer violação do direito internacional sobre a matéria da aquisição da nacionalidade, pelo regime legal instituído em 2006, sendo certo que o mesmo não altera o regime anterior na sua substância, no que diz respeito aos princípios da produção da prova numa acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa.

De facto, uma coisa é o procedimento administrativo, onde a lei de 2006 produziu uma alteração no sentido de facilitar ao requerente da nacionalidade a demonstração da sua ligação efetiva á comunidade portuguesa, outra é o procedimento judicial onde vigoram regras específicas de produção de prova que não foram modificadas com a alteração legislativa em causa.

Acresce que quer a CRP, quer os diplomas de 2006, não consignam a aquisição da nacionalidade como um direito fundamental, pelo que são inaplicáveis ao caso os artºs 8º, 16º e 18º ou 111º da CRP, ao contrário do que defende o recorrente.

Nestes termos, consideramos que o douto acórdão recorrido não merece a censura que lhe vem formulada, motivo pelo qual deverá o presente recurso de revista improceder, caso se considerar o mesmo de admitir.

III - Em conclusão:

1) O presente recurso de revista vem interposto pela demandada, do acórdão do TCAS que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo M.P. da sentença proferida no TAC de Lisboa que considerara improcedente a acção, determinou a sua procedência, dando como não verificado o requisito previsto na alínea a) do artº 9º da Lei nº 37/81, de 3-10, da ligação efectiva à comunidade nacional da ora recorrente.

2) A não verificação desse requisito baseou-se na falta de alegação e prova, pela ora recorrente, de factos integrantes do mesmo, tendo ficado apenas provado que a recorrente, que detém a nacionalidade jamaicana, nunca residiu em Portugal, casou com um português, em Miami, tem uma filha fruto desse casamento e reside atualmente no Dubai.

3) Neste tipo de recursos, o tribunal não se pronuncia sobre a matéria de facto, apenas decide questões de direito, pelo que a matéria de facto assim considerada não pode, em princípio, ser alterada pelo STA ( artº 150º nºs3 e 4 do CPTA).

4) A questão de direito suscitada pela recorrente de que, com as alterações legislativas operadas em 2006, na redacção da alínea a), do artº 9º, da Lei 37/81, de 3-10 (Lei da Nacionalidade), introduzida pela Lei 2/2006, de 6-7, bem como na redacção do nº1 do artº 57º do DL nº 237-A/2006, de 14-12 ( Regulamento da Nacionalidade), passou a ser da competência do MP a produção de prova dos factos demonstrativos da inexistência de ligação efectiva à comunidade portuguesa, é uma “falsa questão” na medida em que essa alteração se aplica apenas ao procedimento administrativo que precede a eventual propositura da acção, regendo-se esta pelas regras próprias de processo civil distintas das insertas na legislação sobre a aquisição da nacionalidade.

5) Sendo a acção de oposição á aquisição da nacionalidade portuguesa uma acção de simples apreciação negativa, destinada a demonstrar a inexistência do direito à aquisição da nacionalidade, nos termos da alínea a), do nº2, do artº 4º, do antigo CPC, a prova dos factos compete ao demandado nos termos do nº1, do artº 343º do CC.

6) Ao decidir pela procedência da acção com base na falta de prova, pela recorrente, de factos demonstrativos da sua ligação efetiva á comunidade nacional, bem como ao decidir que essa prova cabia à recorrente mesmo após as alterações efectuadas em 2006 aos diplomas que regem a aquisição da nacionalidade fez o acórdão recorrido uma interpretação conforme as regras de hermenêutica jurídica e uma correcta aplicação da lei aos factos.

7) Estamos, assim, perante uma situação concreta, dificilmente transponível para outros casos, perante uma questão jurídica pouco complexa, uma vez que não exige complexas interpretações legislativas ou diversas consultas de doutrina e jurisprudência, não se verificando, por outro lado, erro ostensivo no acórdão recorrido, que mereça a reapreciação desse Alto Tribunal para uma melhor aplicação do direito.

8) Não se verificando os requisitos contidos no nº1 do artº 150º do CPTA, o recurso de revista não deverá ser admitido.

Caso assim se não entenda, recurso de revista deverá improceder pelas seguintes razões:

9) A natureza de acção de apreciação negativa implica que coubesse á demandada o ónus de alegar e provar a sua ligação à comunidade nacional, não tendo as alterações legislativas ocorridas em 2006, quer na Lei da Nacionalidade, quer no Regulamento da mesma, introduzido qualquer alteração às norma de direito civil aplicáveis a este tipo de acções.

10) Este factor implica que a interpretação dada à alínea a) do artº 9º, da Lei da Nacionalidade, na sua redacção actual, só possa ser no sentido de que cabe à Conservatória dos Registos Centrais a produção de prova dos factos constitutivos do direito à aquisição da nacionalidade portuguesa, mormente da sua ligação efectiva à comunidade nacional, no processo administrativo instaurado para o efeito.

11) Não tendo sido dados como provados factos susceptíveis de integrar este pressuposto, no processo administrativo, impunha-se a instauração da acção de apreciação negativa para a demonstração da inexistência do direito, cabendo à demandada a prova dessa existência

12) Não cabe no âmbito deste recurso de revista apreciar as questões sobre matéria de facto, razão pela qual também não pode ser apreciada a defendida necessidade de inquirição das testemunhas arroladas pela demandada.

13) Pelo referido, não se verifica a inconstitucionalidade da interpretação dada à alínea a) do artº 9º da Lei da Nacionalidade, não sendo o direito à sua aquisição um direito fundamental, nem tendo sido demonstrada a violação de qualquer convenção internacional.

Termos em que deverá ser considerado improcedente o recurso de revista, mantendo-se o douto acórdão recorrido.

Assim decidindo, farão Vossas Excelências a costumada,


JUSTIÇA!

A Procuradora-Geral Adjunta



Maria Antónia Soares