Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:04/16/2012
Processo:08717/12
Nº Processo/TAF:414/11.0BCPDL/PONTA DELGADA
Sub-Secção:2.º Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:ACÇÃO COMUM.
RECONHECIMENTO DOMÍNIO PÚBLICO DE CAMINHO.
INCOMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA.
COMPETÊNCIA TRIBUNAL COMUM.
Texto Integral:Tribunal Central Administrativo Sul


Proc. nº 08717/12 – Rec. Jurisdicional

2º Juízo/1ª Secção ( Contencioso Administrativo )


Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do art. 146º nº1 do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso jurisdicional vem interposto, pelo então A., da sentença de fls. 177 e segs. do TAF de Ponta Delgada, que julgou procedente a excepção de incompetência absoluta da jurisdição administrativa, invocada pelos RR., em consequência os absolvendo da instância.

Nas conclusões das suas alegações afigura - se resultar que o recorrente imputa à sentença recorrida erro de julgamento com violação da al. a) do art. 4º do ETAF.

Os RR., ora recorridos, não apresentaram contra - alegações de recurso.

II – A questão decidenda no recurso interposto pelos então AA. consiste unicamente em saber qual a jurisdição competente, se a comum, se a administrativa, para conhecer da presente acção.

Conforme é jurisprudência corrente, é a estrutura da causa apresentada pela parte que recorre ao tribunal que fixa o tema decisivo para efeitos de competência material, o que significa que é pelo quid decidendum que a competência se afere, sendo irrelevante qualquer tipo de indagação atinente ao mérito do pedido formulado, ou seja, sendo irrelevante o quid decisum, pelo que a determinação do tribunal materialmente competente para o conhecimento da pretensão deduzida pela demandante, deve partir do teor dessa pretensão e
dos fundamentos em que se baseia sendo, para este efeito, irrelevante o juízo de prognose que se possa fazer relativamente à viabilidade da mesma, por se tratar de questão atinente ao mérito da causa ( cfr. Ac. STA de 31/05/06, Rec. 05/06 ).

Como se expende no Ac. do STJ de 23/12/2008, Rec. 08B4107: «Refere a Constituição competir aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artigo 211º, nº 3).
O referido preceito da Constituição é desenvolvido pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, designadamente no seu artigo 4º.
Certo é seguirem a forma da acção administrativa comum os processos que tenham por objecto litígios cuja competência se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, no Código de Processo nos Tribunais Administrativos ou em legislação avulsa, não sejam objecto de regulação especial (artigo 37º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais).
O funcionamento deste artigo depende, pois, de a causa se inscrever no âmbito da jurisdição administrativa e não for objecto de regulação especial (...).
Também é certo que, independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa tem legitimidade em intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, designadamente os bens das autarquias locais (artigo 9º, nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Todavia, este normativo, não se reporta à competência do tribunal, mas à legitimidade activa das pessoas para intervirem nos procedimentos cautelares e nas acções com o mencionado objecto, naturalmente se forem, por força da lei, da competência dos tribunais da ordem administrativa.
Ora, no caso em análise, estamos perante uma acção (...) não respeitante a alguma relação jurídica administrativa, e que o artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais não inscreve na competência dos tribunais da ordem administrativa.
A conclusão é, por isso, no sentido de que os tribunais competentes para dela conhecer são os da ordem judicial.».

Ainda no Ac. do T. Conflitos de 09/12/2008, Rec. 17/08, proferido também em caso cujos pedidos são semelhante aos dos presentes autos, se escreve: «J. C. Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, Lições, 2000, pág. 79, define a relação jurídica administrativa como sendo “aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.
No art. 4° do ETAF, enunciam-se, exemplificativamente, as questões ou litígios, sujeitos ou excluídos do foro administrativo, umas vezes de acordo com a cláusula geral do referido art. 1°, outras em desconformidade com ela.
Aquele normativo define no âmbito da competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, além de outras, a competência para apreciação de litígios que tenham por objecto a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal.
Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, vol. I, págs. 26 e 27, observam:
É preciso, porém, não confundir os factores de administratividade de uma relação jurídica com os factores que delimitam materialmente o âmbito da jurisdição administrativa, pois, como já se disse, há litígios que o legislador do ETAF submeteu ao julgamento dos tribunais administrativos independentemente de haver neles vestígios de administratividade ou sabendo, mesmo, que se trata de relações ou litígios dirimíveis por normas de direito privado.
E também fez o inverso: também atirou relações onde existiam factores indiscutíveis de administratividade para o seio de outras jurisdições”.
O actual ETAF eliminou o critério delimitador da natureza pública ou privada do acto de gestão que gera o pedido.
O critério material de distinção assenta, agora, em conceitos como relação jurídica administrativa e função administrativa - conjunto de relações onde a Administração é, típica ou nuclearmente, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público - cfr. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 9 edição, 103, e Margarida Cortez, “Responsabilidade Extracontratual do Estado, Trabalhos Preparatórios da Reforma”, 258.
(...)
Fernandes Cadilha, in “Dicionário de Contencioso Administrativo”, 2007, págs. 117/118, sustenta:
“Por relação jurídico administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração) que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjectivas.
Pode tratar-se de uma relação jurídica intersubjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares, intradministrativa, quando se estabelecem entre diferentes entes administrativos, no quadro de prossecução de interesses públicos próprios que lhes cabe defender, ou inter orgânica, quando se interpõem entre órgãos administrativos da mesma pessoa colectiva pública, por efeito do exercício dos poderes funcionais que lhes correspondem.
(...)
Pese embora, a peculiar natureza da acção popular, a que subjaz a defesa de interesses públicos, ainda que exercida por um particular como é o caso, não pode considerar-se que esteja em causa uma relação de natureza administrativa, nem quanto aos sujeitos, nem quanto ao objecto, mau grado a conexão que existe com o interesse público e a defesa de interesses difusos que a acção postula.
A pretensão do Autor é exercida contra um particular, visando a defesa do que considera um bem do domínio público autárquico, mas esse facto não permite que se qualifique a relação jurídica como administrativa, o que exclui, desde logo, a competência da jurisdição administrativa.».

Também, no caso dos autos, não se pode considerar que esteja em causa uma relação de natureza administrativa nem quanto aos sujeitos, nem quanto ao objecto, mau grado a conexão que existe com o interesse público e a indicação também da Câmara Municipal como Ré.

Na verdade, o objecto do pedido do A., particular, é o reconhecimento pelos RR do caminho denominado “Canada dos Moinhos” como via pública municipal, sendo que os 2º e 3º pedidos são subsidiários do 1º.

Os AA. actuam a título individual visando a salvaguarda de um bem que consideram público, no caso um caminho que, segundo alegam, está, abusivamente, a ser ocupado pelos 2ºs RR. impedindo a comunidade de fruir esse bem fora do domínio privado e, por tal, insusceptível de apropriação.

Ora, a Câmara Municipal não é demandada pelos AA., quanto ao pedido principal, por via da prática de qualquer acto administrativo ou da sua omissão, já que, como atrás se referiu, o 3º pedido é subsidiário do 1º.

Estando - se perante um conflito entre particulares, AA. e 2ºs RR, no que se refere à dominialidade pública ou privada de um caminho, em que o interesse da 1ª Ré, Câmara Municipal, apenas poderia ser o mesmo dos AA. e não dos 2ºs RR.

Assim, que se esteja perante uma acção de natureza privada cujo conhecimento compete materialmente aos tribunais comuns, como decidiu a sentença recorrida.

Não se mostrando, em nosso entender, violado o art. 4º do ETAF pela mesma sentença como lhe é imputado.

III – Pelo que, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo - se a sentença recorrida.



Lisboa, 2012 - 04 - 16

A Procuradora Geral Adjunta

( Clara Rodrigues )