Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:01/28/2015
Processo:11821/15
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 1.ª SECÇÃO
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:JUBILAÇÃO DE MAGISTRADOS.
DESCONTO DA QUOTA PARA A CGA.
PRINCÍPIO DA UNICIDADE ESTATUTÁRIA.
INAPLICABILIDADE DE NORMAS RELATIVAS À FUNÇÃO PÚBLICA.
INCONSTITUCIONALIDADE.
Texto Integral:Procº nº 11821/15
2º Juízo-1ª Secção

Acção Administrativa Especial

Parecer do MP

Vem o presente recurso jurisdicional interposto pela Caixa Geral de Aposentações, do acórdão do TAF de Sintra que concedeu provimento à acção administrativa especial contra si proposta pela autora, Magistrada Judicial, com vista à anulação do despacho da recorrente, de 15-11-2012, na parte em que lhe fixou a pensão como magistrada jubilada no montante de 4.910,10 euros, em vez de 5.516, 97 euros utilizando, segundo ela, erradamente, a fórmula constante do artº 69º e anexo III, da Lei nº 9/11, de 12-4 (que aprovou as últimas alterações ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 -07) violando, assim, o nº6 do artº 67º do citado EMJ.

Nesta acção e também no recurso jurisdicional, a recorrente pretende, apenas, que à sua pensão como jubilada não seja deduzida a quota para a CGA.

E isto porque, em concreto, a aplicação da fórmula a que se refere o artº 68º, da Lei nº 9/2011, não a prejudicou, uma vez que já possui mais de 40 anos de serviço.

No entanto, afigura-se-nos útil abordar a aplicabilidade ao caso do citado artº 68º, na medida em que, caso se decida pela sua inaplicabilidade, a dedução da quota para a CGA, no mesmo prevista, é inaplicável por inerência.

Por outro lado, importa rebater os argumentos que, segundo a entidade recorrente, justificaram a aplicação, à pensão do magistrado jubilado em causa, do artº 68º da Lei nº 6/2011.

Segundo a CGA, o objectivo da alteração introduzida pela Lei nº 9/11, ao Estatuto dos magistrados quer judiciais, quer do MP, foi aproximar o regime de aposentação e reforma dos magistrados ao regime geral, tal como resultaria do DL nº 229/2005, de 29-12 e não afastá-lo.

Ou seja, a CGA considera o artº 68º aplicável a todos os magistrados jubilados, quer no que diz respeito à fórmula contida no anexo III, quer quanto à dedução da quota para a CGA. artºs 219º a 220º e 202º nº1 e 110º nº1, todos da CRP.

É isto, na verdade, o que se deduz do entendimento da CGA, uma vez que, nas contra-alegações produzidas na Acção - aliás tal como aconteceu na contestação aí apresentada - só refere que é deduzida a quota para a CGA, não justificando concretamente porquê.

Ora, esta dedução não tem apoio legal, no nosso entender.

Efectivamente, não se percebe, salvo o devido respeito, como é que a CGA vê na aplicabilidade dos artºs 68º e 69º do EMP, que preveem, a título meramente subsidiário, a aplicação aos magistrados do EA, uma tentativa de aproximar o regime de aposentação e reforma dos magistrados - diga-se jubilação - ao regime geral, tal como resulta do DL nº 229/2005, de 29-12.

Antes de mais porque este Decreto-Lei, em vez de tentar aproximar ambos os regimes, afastou-os expressamente ao considerar inaplicável aos magistrados o regime da Lei nº 60/2005, de 29-12.

Depois, porque essa aproximação, se efectivamente conseguida, seria claramente inconstitucional por violação dos artºs 219º a 220º e 202º nº1 e 110º nº1, todos da CRP.

De facto, resulta clara e inequivocamente da Constituição da República Portuguesa (CRP) que os tribunais, sendo órgão de soberania, não são “função pública”, como demonstra o facto de os seus regimes serem completamente autónomos e separados (cfr artºs 202º e segs e 266º e segs da CRP).

Porém, o legislador parece ter compreendido essa diferenciação, não só excluindo-os do regime estabelecido na Lei nº 60/2005, de 29-12, através do DL nº 229/05, como ao estabelecer no Estatuto dos Magistrados, claramente, um regime específico diferenciado da função pública, em função das atribuições dos magistrados judiciais e do MP, as quais determinam que vigore o princípio da unicidade estatutária, ou seja, que o regime regra da aposentação dos magistrados seja a jubilação, remetendo para o Estatuto da Aposentação subsidiariamente e apenas quanto aos aspectos formais e que não advém da especificidade das suas funções.

Não pode, por isso, no nosso entender, sob pena de inconstitucionalidade, remeter para o EA em aspectos que estejam em franca oposição com as especificidades da sua função, como seja a equiparação à função pública no que respeita à idade da cessação de funções, ou quanto ao tempo de serviço necessário para a mesma, sendo que a remissão para o EA contida no artº 69º da Lei nº 9/2011, só poderá referir-se a aspectos meramente formais, mormente os relativos à instauração e processamento do processo de aposentação.

Tal interpretação é a que mais se coaduna com o carácter excepcionalmente desgastante das funções dos magistrados, bem como as funções de grande responsabilidade que prestam à comunidade, as quais não se compadecem com a deterioração das faculdades físicas e mentais próprias da idade avançada, unanimemente consagrado na doutrina e na jurisprudência e até reconhecido politicamente (cfr debate junto da Comissão de Direitos Liberdades e Garantias da Proposta de Lei nº 45/XI/ 2ª e, entre outros, os acórdão do STA de 21-9-2010 e de 17-6-2009, do TCAS de 30-11-2011, todos in www.dgsi.pt, bem como a doutrina nos mesmos citada).

Aliás, não houve - nem podia haver - qualquer alteração ao anterior regime da jubilação introduzida pela Lei nº 9/2011, mas apenas às condições da sua atribuição.

Com efeito, as características deste regime mantiveram-se as mesmas que decorriam da anterior redacção do artº 67º do EMJ e são comuns, na sua essência, a todas as jubilações, as quais, como é sabido, se destinam a compensar determinadas actividades profissionais de especial prestígio e notoriedade social, que o legislador entendeu conceder aos que, nesse domínio se aposentam (cfr declaração de voto no ac do STA de 17-6-2010)

Assim, tal como acontecia na anterior redacção do nº2, artº 67º, do EMJ, introduzida pela Lei nº60/98, de 27-8 – o actual artº 67º estabelece, no seu nº6 que “a pensão de aposentação é calculada, em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo” acrescentando-se, porém, na redacção actual: “não podendo a pensão líquida do magistrado jubilado ser superior nem inferior à remuneração do magistrado no activo de categoria idêntica”.

Para além disso, tal como sempre aconteceu, porque inerente ao instituto da jubilação, “as pensões dos magistrados são automaticamente actualizadas e na mesma proporção, em função das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação (nº 5).

Assim sendo, não se percebe como este regime pode ser interpretado como uma aproximação ao regime geral, aproximação essa, repete-se que, se conseguida, seria, a nosso ver, inconstitucional pelos motivos supra apontados.

Por outro lado, tendo em vista que o montante da pensão de jubilado é definido na lei por equiparação aos vencimentos dos magistrados da mesma categoria, no activo - tal como sempre aconteceu, e a entidade demandada não contesta - não se compreende que se altere o modo do seu cálculo através de uma fórmula de cálculo, como pretende a entidade recorrente, portanto de modo inovatório em relação ao modo como sempre foram calculadas as pensões dos magistrados jubilados.

Com efeito, as características deste regime mantiveram-se as mesmas que decorriam da anterior redacção do artº 67º do EMJ e são comuns, na sua essência, a todas as jubilações, as quais, como é sabido, se destinam a compensar determinadas actividades profissionais de especial prestígio e notoriedade social, que o legislador entendeu conceder aos que, nesse domínio se aposentam (cfr declaração de voto no ac do STA de 17-6-2010).

Em suma: aos magistrados jubilados aplica-se o artº 67º da Lei nº 2/2011 e, em particular, o seu não 6 já citado, cuja redacção actual é a seguinte:

"A pensão é calculada em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo, não podendo a pensão líquida do magistrado jubilado ser superior nem inferior à remuneração do magistrado no activo de categoria idêntica”.

Desta redacção se extraem duas conclusões, a saber:

A primeira é a de que a pensão líquida do magistrado jubilado é equiparado ao vencimento do magistrado no activo de categoria idêntica, o que significa que este vencimento é ilíquido, por falta de referência a vencimento líquido.

A segunda é a de que, ao contrário do que refere o artº 68º, o artº 67º não manda deduzir a quota para a CGA na pensão dos magistrados jubilados.

Ora, da conjugação destas duas conclusões resulta que a pensão líquida dos magistrados judiciais tem que ser idêntica ao vencimento “ilíquido” dos magistrados do activo, pois se a lei nada refere sobre a liquidez do vencimento dos magistrados do activo ( ao contrário com o que acontece com a pensão “líquida” dos magistrados jubilados) é porque considera a regra geral de se considerar o vencimento como ilíquido.

Mas assim sendo, a pensão dos magistrados jubilados não poderá sofrer qualquer desconto da quota para a CGA, sob pena de não ser equivalente ao vencimento ilíquido dos Magistrados no activo.

Aliás, se se efectuasse esse desconto, por certo o legislador tê-lo-ia dito, como fez no artº 68º da Lei nº 9/2011.

Além disso, tal interpretação é a que mais se coaduna com o instituto da jubilação que, como já se referiu, não foi alterado na sua essência, bem como com o que se deduz dos trabalhos preparatórios à Lei nº 9/2011, tal como vem referido pela autora quer na sua petição, quer nas suas contra - alegações e, de resto, claramente documentado pela junção aos autos da própria proposta de Lei nº45/XI/2, a qual antecedeu a lei nº 9/2011.

Portanto, ao aplicar o artº 68º da Lei nº 9/2011 e o seu anexo III ao caso vertente, com a consequente dedução da quota para a CGA, à pensão de um magistrado jubilado, ao qual se aplica apenas o artº 67º da mesma lei e o seu anexo II, violou a entidade recorrente estes dispositivos legais.

E enquanto fundamentou tal aplicabilidade, “na tentativa de aproximar o regime de aposentação e reforma dos magistrados ao regime geral”, violou os artºs artºs 219º a 220º e 202º nº1 e 110º nº1, todos da CRP, daqui se concluindo que o artº 68º da Lei nº 9/2011, nesta interpretação, sofre de inconstitucionalidade material por violação dos referidos preceitos constitucionais.

Assim sendo e em nome do princípio da unicidade estatutária o artº 68º do EA só deveria prever uma jubilação antecipada.

Bem andou, pois, a nosso ver, o Mmo Juiz a quo ao decidir pela procedência da presente acção.

Termos em que, pelo exposto, emitimos parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional


A Procuradora - Geral Adjunta

Maria Antónia Soares