Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:05/09/2013
Processo:06958/10
Nº Processo/TAF:244/05.9BELRS
Sub-Secção:5ª U.O.
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:RECURSO DE REVISTA PARA O S.T.A.
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO POR ACTOS LÍCITOS.
DESTRUIÇÃO DE AVES CONTAMINADAS.
COMPENSAÇÃO JUSTA.
LUCROS CESSANTES.
MONTANTE JUSTO E EQUITATIVO.
JUROS MORATÓRIOS.
Disponível na JTCA:SIM
Observações:P.A. nº 39/2007-C-Ac. (Mº Pº - T.A.C. LISBOA), P.A. nº 176/05-A (Mº Pº - T.C.A. SUL).
Procº nº 06958/10

2º Juízo-1ª Secção

Acção Administrativa Comum

Recurso de Revista

Alegações do Estado


Venerandos Juízes Conselheiros do

Supremo Tribunal Administrativo


A magistrada do MP junto deste TCAS, não se conformando com o acórdão proferido por este Tribunal nos autos supra referenciados, vem do mesmo interpor recurso de revista para esse STA, o que faz nos termos do artº 150º do CPTA e com os seguintes fundamentos:

I – Introdução:

A autora, Avibom A vícola, S.A., veio, em 11-5-2005, interpor uma acção para efectivação da responsabilidade civil extracontratual, contra o Estado Português, com vista a ser ressarcida dos danos patrimoniais que avaliou inicialmente em 3.175.83,47 euros (correspondentes ao custo de produção das aves, aos custos suportados com a manutenção da congelação das aves desde a ordem de cessação de comercialização até ao efectivo abate, aos custos suportados com a operação de destruição e ao montante correspondente às notas de crédito passadas aos clientes pela destruição de aves aos mesmos vendidas), que lhe diz terem causado as determinações de 16 de Março de 2003, da Direcção Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar, integrada no então designado Ministério da Agricultura Desenvolvimento Rural e Pescas, para cessar imediatamente a comercialização de carne de aves congeladas, e de 20-3-2003, da Direcção Regional da Agricultura do Ribatejo e Oeste, que ordenou a destruição, por conta da autora, dessa carne de aves, com data de produção anterior a 14-3-2003.

Estas determinações tiveram origem nas análises efectuadas em aves vivas, noutras explorações, onde foi detectada a presença de furaltadona e nitrofuranos e com vista à preservação da saúde pública e ao retorno da confiança dos mercados, uma vez que após ter sido publicitada a referida contaminação, as vendas baixaram drasticamente.

Em 30-1-2006 a autora veio requerer a ampliação do pedido, nos termos do nº2 do artº 273º do CPC, solicitando uma indemnização por lucros cessantes, correspondentes ao lucro que obteria com a venda das aves se as mesmas não tivessem sido destruídas, no valor de 291.365,64 euros.

Em 18-3-2010 foi proferida sentença que considerou totalmente procedente a presente acção, condenando o Estado a pagar uma indemnização à autora no valor de 3.466.449,22, a título de danos emergentes e lucros cessantes, mais juros legais desde a citação até integral pagamento.

Não se conformando com esta sentença, o MP junto do TAC de Lisboa, veio interpor, da mesma, recurso jurisdicional para este TCA Sul, impugnando, essencialmente, o valor da indemnização a pagar, por ter sido calculado nos termos do artº 562e 564º º do CPC , normativo que considera inaplicável à responsabilidade por actos lícitos a que se reporta o artº 9º do DL nº 48051, de 21-11-1967, o que determinou, nomeadamente, que não fosse subtraído ao cálculo da indemnização, o prejuízo advindo da quebra do mercado, bem como o risco derivado da própria actividade levada a cabo pela autora, de abate, transformação e comercialização de aves congelada.

Para além disso, defendeu o MP a inexistência de nexo causal entre a ordem emanada da entidade pública e as notas de crédito passadas pela autora, com vista ao cancelamento das dívidas relativas às facturas passadas aos seus clientes pela compra de aves pertencentes ao lote das aves abatidas.

Contra-alegou a autora, suscitando a questão prévia da incompetência em razão da hierarquia do TCAS, por ser esse STA o tribunal competente para apreciar o presente recurso jurisdicional, nos termos do artº 151º do CPTA (recurso per saltum), atendendo ao valor da causa, bem como à natureza exclusivamente de direito das questões suscitadas e atendendo ao thema decidendi.

No mais, defendeu a aplicabilidade, ao caso, dos artºs 562º e 564º do CCivil, bem como a manutenção do julgado.

Por acórdão deste TCAS de 11-4-2013, foi considerado o recurso parcialmente procedente, tendo sido revogada a sentença da primeira instância na parte em que condenara o Estado ao pagamento de 167.920,94 euros, relativos às “notas de crédito”, mantendo-se a sentença na parte em que decidiu condenar o Estado ao pagamento, à autora, da importância de 3,298.528,28 euros, correspondente à soma da indemnização por danos emergentes no valor de 3.175.083,67 euros ( correspondentes à soma de 2.393.978,16 relativos às aves destruídas, mais 480.520,36 euros relativos aos custos com as câmaras congeladoras, mais 132.664,12 relativos aos custos com a operação de destruição das aves, mais o montante de 291.365,64,correspondente aos lucros com a venda das aves que deixou de auferir( lucros cessantes).

Os 480.520,36 euros relativos aos custos com as câmaras congeladoras e os 132.664,12 relativos aos custos com a operação de destruição das aves, não foram impugnados no pelo MP.

II - Delimitação do objecto do presente recurso de revista:

Pretende-se, com este recurso de revista, impugnar o acórdão recorrido na parte em que, apreciando a sentença, nos termos em que foi impugnada, decidiu manter a condenação do Estado (com excepção do montante correspondente às “notas de crédito”).

Assim, impugna o Estado o acórdão relativamente aos seguintes pontos:

1- Quanto aos fundamentos que foram invocados pelo douto acórdão recorrido para achar o quantum indemnizatório, relativo aos danos decorrentes da destruição das aves ( danos emergentes); indemnização pela totalidade dos danos não tendo em consideração as circunstâncias do caso.

2- Quanto aos critérios legais e doutrinários que foram aplicados para condenar o Estado pelos danos decorrentes da impossibilidade de venda dessas mesmas aves (lucros cessantes); saber se a responsabilidade por actos lícitos abrange os lucros cessantes tal como considerou o acórdão recorrido.

3- Quanto ao critério da medida do dano a repor relativamente aos lucros cessantes. Duplicação de indemnizações, benefícios hipotéticos, valor da venda reportada à data do dano e não após seis meses do mesmo ter ocorrido.

4- Quanto à condenação em juros a partir da citação.

III - Admissibilidade do recurso de revista:

Foram propostas, nos tribunais administrativos, várias acções contra o Estado Português as quais, como a presente, tinham como pedido, uma indemnização decorrente dos danos causados pela ordem de destruição da carne de aves que se encontrava congelada em arcas frigoríficas desde data anterior a 14-3-03, em virtude da possibilidade, baseada em análises a algumas aves, de estarem contaminadas com nitrofuranos e outras substâncias perigosas para a saúde.

Assim, já existe jurisprudência emitida sobre algumas questões que foram suscitadas nessas acção, divergindo, no entanto, nomeadamente, nos critérios utilizados para aferir do montante condenatório.

Desta divergência nos dá conta o douto acórdão do STA de 7-12-11, in proc nº 01077/11, que recebeu o recurso de revista interposto pelo MP junto do TCAN, da sentença condenatória do Estado, em que estavam também em causa os danos decorrentes da ordem de destruição de aves, por poderem estar contaminadas com substâncias tóxicas.

São os seguintes, os fundamentos expressos nesse acórdão que, com a devida vénia, transcrevemos e fazemos nossos:

“O art. 150º nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamenta” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. A excepcionalidade deste recurso tem sido reiteradamente sublinhada pela jurisprudência do STA, referindo que só pode ser admitido nos estritos limites fixados naquele preceito.

A intervenção do STA é considerada justificada apenas em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador. A jurisprudência desta formação tem vindo a entender que a relevância jurídica fundamental, exigida pelo artigo 150° nº 1 do CPTA, se verifica tanto em face de questões de direito substantivo, como de direito processual, sendo essencial que a questão atinja o grau de relevância fundamental.

Nos termos daquela jurisprudência, o preenchimento do conceito indeterminado da relevância jurídica fundamental, verifica-se, designadamente, quando se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina. E, tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando tenha repercussão de grande impacto na comunidade.

A admissão para uma melhor aplicação do direito tem tido lugar relativamente a matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo, isto é, que o recurso não visa primariamente a correcção de erros judiciários.”

E continua o douto acórdão citado:

“2. Da aplicação ao caso.

A indemnização fixada no Acórdão recorrido assentou em que foi causa de danos a ordem emanada dos serviços estaduais no exercício de funções de policia sanitária e logo cumprida, de destruir os produtos congelados de frango que a A. tinha em armazém ou já distribuídos pelos seus compradores, por razões de protecção do interesse público, de evitar a ingestão pelos consumidores de produtos alimentares de frango com nitrofuranos e para restabelecer a confiança dos consumidores. Danos esses de carácter especial e anormal a ressarcir nos termos do art.º 9.º do DL 48051.

O Estado pretende agora ver alterada a decisão das instancias começando por alegar que este tipo de casos assume relevância social com especial projecção no tecido social, nomeadamente por se tratar de situações que se repetem de forma mais ou menos cíclica, dando lugar a casos análogos ou do mesmo tipo, que fazem prever a utilidade da decisão para além dos limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio.

E tal utilidade da decisão incidiria sobre a questão jurídica da delimitação do prejuízo reparável, ou critério de medida do dano, que o STA teria considerado, nuns casos que seria aferido pela totalidade do prejuízo sofrido pelo lesado, ao passo que noutros modulou a medida do prejuízo pela influencia de outros factores como a quebra da procura do bem em causa no momento do sacrifício e o risco próprio a que está sujeito o proprietário dos bens que foram sacrificados para satisfazer o interesse público”.

Mais acrescenta o douto acórdão em referência:

“A questão colocada pode, portanto, relacionar-se com a causalidade, como refere o recorrente, mas não está verdadeiramente em dúvida que foi a actuação do Estado a causa dos danos. O que se pretende discutir e ver alterado é a definição do dano a reparar, isto é, uma vez que a lei aponta para que o lesante reconstitua a situação que existiria não fora o facto lesivo (art.º 562.º do CCiv, sem prejuízo de também indicar soluções de reparação por montante inferior no art.º 494.º do CCiv.), o que está em causa é saber se devem tomar-se em conta na caracterização dessa situação os elementos externos de mercado e de condicionantes que embora decorrentes de reacções psicológicas adversas (tão frequentes nos comportamentos dos agentes do mercado) têm reflexos e incidência económica profunda e se impõem como condicionantes objectivas. E também, se num caso como o presente (diferente de outros, porque o frango estava em frigoríficos e podia assim ser conservado por um período de tempo considerável), se há-de conferir relevância, quanto às condições a repor, ao momento da destruição ou ao período de tempo durante o qual os produtos ainda poderiam ser comercializados antes do termo do período de congelação e validade.

O Estado invoca também o disposto no art.º 494.º do CCiv., como norma geral a prever que a medida do dano a ressarcir seja atenuada em determinados casos a ponto de se fixar equitativamente em montante inferior ao dano, ou seja, a ponderar atendendo ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado a às demais circunstancias do caso. Esta norma seria por razões sistemáticas e também de maioria de razão, de considerar na solução a dar à indemnização pelo sacrifício imposto por acto licito em favor da comunidade em geral ou de vastos sectores dela.

O Estado invoca ainda duas correntes jurisprudenciais sobre esta matéria, uma representada nos Ac. de 16/5/2002, P. 0509/02 e de 29/5/2003, P. 0688/03 e outra, a corrente que considera atendíveis as circunstancias objectivas que determinam o valor do bem no momento do sacrifício, representada pelos Ac. de 2/5/2000, P. 0443/08 e de 11/03/2010, P. 083/10.

A diferente abordagem que vem indicada parece efectivamente poder surpreender-se na linha argumentativa e decisória dos dois referidos conjuntos de decisões.

Do que antecede resulta caracterizada uma questão jurídica, já que não se trata de saber se aquela concreta ordem de destruição dos bens foi a causa dos danos de que se queixa a A., mas de encontrar os critérios jurídicos da mensurabilidade do dano a partir do princípio da reconstituição por substitutivo (indemnização).

Reconstituir o quê?

- Os danos vistos à luz e determinados pela situação que se deparava aquando da ordem causadora do dano, ou os danos vistos sob a perspectiva de uma expectativa (mesmo que decorresse de uma tabela de mercado do produto, mas gerada em função da situação antecedente), ou do valor que poderiam ter atingido se conservados para além do período da crise em que a destruição teve que ser e foi ordenada e efectuada?

Esta questão jurídica é relevante do ponto de vista objectivo dado que quando estas situações ocorrem dão lugar a prejuízos que, em qualquer dos critérios que se adoptem, atingem somas em geral muito relevantes para o Estado e o erário público, sendo as diferenças de critério também elas determinantes de resultados (montantes indemnizatórios) que podem ser muito diferenciados, pelo que se justifica que o Supremo, tanto quanto possível, esclareça o quadro legal para uma maior paz social e boa administração da justiça.

A questão de saber se em caso de indemnização pelo sacrifício de bens privados por razões de interesse geral, a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562.º do CCiv.) se deve reportar às condições gerais e objectivas do momento do evento ou às condições subjectivas e específicas que permitam englobar no dano a perspectiva das expectativas do respectivo valor, ou de preços que o bem ainda poderia render se mantido durante o período normal de conservação na validade, é questão jurídica controversa, de importância geral e sobre a qual a pronúncia do STA pode contribuir para uma melhor administração da justiça, pelo que se justifica a admissão de revista excepcional.

Como se refere no pedido de admissão do recurso,“este tipo de casos assume relevância social com especial projecção no tecido social, nomeadamente por se tratar de situações que se repetem de forma mais ou menos cíclica, dando lugar a casos análogos ou do mesmo tipo, que fazem prever a utilidade da decisão para além dos limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio”.

E tal utilidade da decisão incidiria sobre a questão jurídica da delimitação do prejuízo reparável, ou critério de medida do dano, que o STA teria considerado, nuns casos que seria aferido pela totalidade do prejuízo sofrido pelo lesado, ao passo que noutros modulou a medida do prejuízo pela influencia de outros factores como a quebra da procura do bem em causa no momento do sacrifício e o risco próprio a que está sujeito o proprietário dos bens que foram sacrificados para satisfazer o interesse público”(os destaques de toda a transcrição são nossos).


***

Ora, o caso que aqui nos ocupa, é em tudo semelhante ao caso a que se reporta o douto acórdão do STA transcrito, pelo que, pelas mesmas razões que levaram à admissão do recurso de revista naquele, pensamos que deverá ser admitido o presente recurso.

Até porque, segundo nos parece, no acórdão que veio a ser proferido sobre a questão de fundo, não chegaram a ser apreciadas qua tale todas as questões que justificaram a respectiva admissão ( cfr ac do STA de 28-2-2012, in procº nº 01077 e declaração de voto no mesmo inserta).

Assim, atendendo, nomeadamente, à complexidade e à tendência repetitiva das questões suscitadas, à natureza exígua da doutrina e jurisprudência sobre responsabilidade por actos lícitos da Administração Pública ( não só durante a vigência do DL nº 48051 de 21/11/67, como na vigência da actual Lei 67/08, de 31-12), ao não tratamento destas questões específicas pela jurisprudência desse Alto Tribunal e ainda ao elevado valor da indemnização atribuída neste processo bem como noutros processos, relativamente ao mesmo facto danoso - com as inerentes repercussões na sociedade e na economia - que justifica uma melhor aplicação do direito, parece-nos, salvo melhor opinião, que o presente recurso deverá ser recebido.

VI - Mérito do recurso de revista:

A - Questão prévia

Como já se referiu, foi suscitada, nas contra-alegações da autora, referentes ao recurso que o MP interpôs da sentença, a questão da incompetência em razão da hierarquia deste TCAS para decidir o referido recurso.

Porém, esta questão não foi apreciada pelo douto acórdão recorrido, sendo que era de apreciação prioritária em relação a todas as outras questões nele apreciadas ( artº13º do CPTA).

Nestes termos, verifica-se a nulidade por omissão de pronúncia do acórdão recorrido, nos termos da alínea d) do nº1 do artº 668º do CPC.

B - Questão de fundo:

Como já se referiu, são quatro as questões que pretendemos ver apreciadas por esse Tribunal, as quais são resumidamente as seguintes:

1 -Quanto aos fundamentos que foram invocados pelo douto acórdão recorrido para achar o quantum indemnizatório, relativo aos danos decorrentes da destruição das aves (danos emergentes); indemnização pela totalidade do montante dos danos apurado, não tendo em conta as circunstâncias do caso.

2 - Quanto aos critérios legais e doutrinários que foram aplicados para condenar o Estado pelos danos decorrentes da impossibilidade de venda dessas mesmas aves (“ lucros cessantes”; a possibilidade de indemnização por lucros cessantes na responsabilidade por actos lícitos.

3 - Quanto ao critério da medida do dano a repor relativamente aos lucros cessantes; duplicação de indemnizações; benefícios meramente hipotéticos; valor da venda reportado não à data do facto lesivo mas à data da reposição do mercado ( seis meses depois dessa prática)

4 – Quanto ao pagamento pelo Estado, de juros a partir da citação e não após transito da decisão eventualmente condenatória.


***

1 - Quanto à primeira questão considerou, o douto acórdão recorrido que, ao contrário do sustentado pelo MP na primeira instância, não seriam de ponderar, para fixar o montante da indemnização, as circunstâncias exteriores ao dano, como seja o risco e limitações próprios da actividade de comercialização de frangos congelados, decorrentes da impropriedade para consumo destes e consequente necessidade de apreensão e destruição da mercadoria e tendo em vista as variações da procura e da oferta do mercado que se traduziram na quebra de mercado derivada da notícia da contaminação das aves com substâncias potencialmente tóxicas.

Antes considerou, o douto acórdão recorrido, bem formulado pela autora o cálculo do valor dos bens destruídos em função dos custos de produção insertos na sua contabilidade reportada a 31-12-2012, pelo facto da destruição ser meramente preventiva ( já que não foram feitas análises a todos os frangos destruídos) “o que militaria a favor de uma justiça integral”.

Salvo o devido respeito, não concordarmos com esta decisão.

Quanto a nós, os artºs 562 e 563º do CC, ao abrigo dos quais parece ter sido proferido o acórdão recorrido, interpretados no sentido da reparação total do dano em função da culpa do agente, não são aplicáveis quando o acto lesivo é lícito ou seja, praticado por necessidade de preservar o interesse público e não com qualquer intuito lesivo ( cfr alíneas CCC) e DDD) da factualidade assente).

Por este motivo, no caso de responsabilidade por actos lícitos é devida não uma indemnização, mas uma “compensação justa” a avaliar segundo juízos de equidade e atendendo “às demais circunstâncias do caso” , nos termos do artº 494º do C.C. na falta, à altura, de legislação que estabelecesse um critério aplicável, como acontece com as expropriações e, actualmente com a Lei 67/2007, de 31-12.

No caso vertente, foi avaliado, como dano, o valor de mercado das aves destruídas, já que se teve em conta, apenas, o valor que os mesmos custaram em estado vivo, ao autor ( alínea B) e C) da factualidade assente).

Deveriam, em vez disso, terem sido utilizados critérios meramente compensatórios, que tivessem em conta as circunstâncias do caso, à semelhança - e por maioria de razão - do que acontece no caso de responsabilidade por actos ilícitos quando está em causa a culpabilidade do agente, nos termos do artº 494º do C.C.

E também à semelhança do que acontece em termos de responsabilidade pelo exercício da função legislativa em que a indemnização é calculada em montante inferior ao que corresponde à reparação integral dos danos causados, sobretudo quando são vários os lesados ( cfr C.A.Fernandes Cadilha, in “Dicionário de Contencioso Administrativo”, pág 637).

Nestes termos, ainda que fossem aplicáveis ao caso os artº 562º e 564º do C.C., tal aplicabilidade teria que ser conjugada com o artº 494 do C.C.

Na nossa interpretação, quer o artº 562º quer o artº 564º do C.C., sugerem que as condições a repor se reportam ao momento da destruição dos bens e não a todo o tempo em que os produtos em causa poderiam ser comercializados, não tendo, assim, que chamar à colação o período de duração destes, nem o valor de mercado que teriam no fim do prazo de validade, nem a recuperação dos mercados ( cfr alíneas kkk), LLL), GG) e HH).

Na verdade, situação a reparar pelo lesante é a existente à data do facto danoso.

No caso vertente, a situação a reparar seria, assim, uma compensação arbitrada em função do valor dos bens destruídos, ou seja, o montante que o lesado pagou para os obter ( mais as despesas com a destruição e decorrentes da demora desta) mas tendo também em consideração as circunstâncias existentes à data da ordem de destruição, como seja as circunstâncias de interesse público justificativas do acto lesivo, como a ameaça à segurança alimentar e a necessidade de restabelecer a confiança do consumidor( alíneas M) P) e U) da factualidade assente); a quebra de preços no mercado por excesso de oferta e diminuta procura, chegando a haver, antes do acto danoso e sendo causa deste, uma diminuição das vendas na ordem dos 70% a 90%( alíneas N), O) e EEE).

Por outro lado existe, efectivamente, um risco inerente à própria actividade de compra e venda de aves, decorrente da sua fácil contaminação, e daí a apertada fiscalização que a Direcção Geral de Veterinária e mesmo a autora levam a cabo permanentemente, conforme demonstra a factualidade assente nas alíneas D) a L).

Ora, a indemnização a pagar não pode criar para o lesado uma situação mais vantajosa do que a que ele teria se o dano não tivesse ocorrido ou mais vantajosa do que teriam aqueles comerciantes de carnes aquém não foi ordenada a destruição das carnes de aves.

O douto acórdão do STA de 2-5-00, in procº nº 044308 (sumário), que versou uma situação paralela à destes autos, decidiu o seguinte:

VI - A indemnização a atribuir aos proprietários nos termos daquelas normas, cujo "quantum" resulta da aplicação da tabela de cálculo anexa ao citado Despacho Conjunto tem de respeitar os critérios de justiça e proporcionalidade decorrentes do princípio do estado de direito democrático do art°. 2°. da Constituição, tem de garantir igualdade na distribuição dos encargos públicos e no tratamento dos diversos proprietários atingidos, não pode ser meramente simbólica ou irrisória e, tendencialmente, tem de ser contemporânea do sacrifício especialmente imposto.

V - A indemnização justa não tem que ser atingida por um meio único, como a avaliação por peritos, pelo que a lei ordinária pode estabelecer critérios apropriados a cada tipo de situação, inclusivamente podem estar plasmados numa tabela que permite o cálculo "a forfait" da indemnização, e não tem de atender apenas ao valor de mercado ou de substituição dos bens, podendo ter em consideração circunstâncias de facto que objectivamente devam relevar, por se repercutirem no valor dos bens, desempenhando o papel de "ajustador", de procura de uma medida equilibrada, mas que nunca se pode definir em termos absolutos, apenas está balizada por duas fronteiras tão afastadas uma da outra quanto o permitem os limites enunciados no anterior n.º IV .

VI - O proprietário das reses assume riscos específicos em relação a doenças animais, ao mesmo tempo que espera benefícios da exploração pecuária. Estes riscos não têm de ser cobertos pelo ente público que determina o abate, a título de responsável pelo ressarcimento do sacrifício que a destruição das reses acarreta, porque é exterior a este facto, não se confunde com ele em termos de imputação, ainda que concorra na situação e nos danos. É um ónus que diz respeito e recai sobre o proprietário da exploração. Daí que a indemnização justa possa ser numa parte inferior ao valor de mercado do gado abatido ( destaques nosso).

De resto, não se compreende por ser paradoxal, que o Estado, ao ter conseguido, com a destruíção dos produtos, repor a confiança dos mercados no que respeita á compra de aves, tenha que vir a pagar uma compensação adicional, aos beneficiários dessa reposição, pela venda que deixaram de efectuar, em virtude dessa mesma destruição.

Nestes termos, o montante arbitrado a título de indemnização deverá ser arbitrado a título de compensação, sendo substancialmente reduzido, tendo em conta as circunstancias do caso à data do facto lesivo, como seja o baixo valor de mercado dos bens à data da sua destruição, bem como o risco inerente à actividade de compra e venda de carne de aves especialmente sujeitas a contaminação.

2 - A segunda questão diz respeito aos lucros cessantes em que, no entendimento do acórdão recorrido, se traduziu o valor correspondente à venda das aves nos seis meses posteriores à ordem de demolição, venda essa não concretizada em virtude da sua destruição.

Antes do mais há, porém, que aferir, se pode existir compensação por lucros cessantes no domínio da responsabilidade por actos lícitos.

A responsabilização pela prática de actos lícitos tem como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de igual valor, reportada à data da lesão.

Conforme vem referido no douto acórdão recorrido, alguma doutrina defendia, mesmo antes da entrada em vigor da Lei nº 67/2007, de 31-12, a não compensação por lucros cessantes em caso da prática de actos lícitos causadores de danos especiais e anormais, entendimento esse agora traduzido em lei, mais propriamente no artº 16º da Lei nº 67/2007, de 31-12, ao estabelecer que, para o cálculo da indemnização se deverá ater designadamente ao grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado, mas a que a alínea g), do nº2, do artº 37º, do CPTA, já se referia, ao aludir a uma indemnização por imposição de sacrifícios.

Ora, esta acção foi proposta expressamente nos termos da citada alínea g) conforme se refere no artº 7º da petição.

Assim, o montante indemnizatório deverá ser limitado “às consequências imediatas da perda de disponibilidade do bem ou da sua limitação, excluindo quaisquer efeitos indirectos, como os ganhos que se fustraram em consequência da lesão”(cfr anotação 4. ao artº 16º in Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, pág303, de Carlos Alberto Fernandes Cadilha).

Para além disso, o mesmo Autor, na obra citada, defende o recurso a juízos de equidade, bem como a aplicabilidade do artº 494º do C. CIVIL para aferir do cálculo indemnizatório em caso de pedido de indemnização pelo sacrifício, teoria que consideramos aplicável ao caso vertente.

Assim, não deveria o Estado ser condenado na indemnização por lucros cessantes.

3- A terceira questão apenas deverá ser apreciada caso se considere a segunda improcedente ou seja, caso se considere a existência de lucros cessantes em caso de responsabilidade por actos lícitos.

E prende-se com o valor da compensação que foi fixado relativo aos denominados lucros cessantes, ou seja, aos lucros que a autora diz ter deixado de auferir em virtude do acto lícito mas danoso, praticado pelos serviços do Estado.

Neste caso será aplicável ao montante referente aos lucros cessantes tudo o que se referiu quanto aos danos emergentes, no que respeita á necessidade de, no cálculo, se relevarem as circunstâncias existentes à data da ordem de destruição e não posteriormente, ou seja, neste caso, a circunstância de venda ao preço de mercado à data do acto lesivo.

Aliás, numa determinada interpretação poderia considerar-se que falta o nexo causal bem como as característica de especialidade e anormalidade dos danos, dado que a ausência de vendas foi decorrente, não da destruição das aves, mas de falta de compradores, obrigatoriamente reportada, como já se referiu, à data do facto danoso e uma vez que os danos daí decorrentes foram os comuns à generalidade dos comerciantes do mesmo ramo.

Existe, para além disso, uma duplicação de compensações relativas aos mesmos bens, na medida em que, ao serem destruídos e pagos os prejuízos de acordo com o montante por que foram comprados, tudo se passa como se essa compra não tivesse sido efectuada, pelo que não existindo como propriedade da autora, não podiam ser por ela vendidos.

Assim, os referidos “lucros cessantes” não assumem as características necessárias para serem assim considerados, já que se reportam, ambas as indemnizações, aos mesmos prejuízos.

Tratar-se-ia, antes, de um enriquecimento sem causa, deixando o lesado em melhor situação do que aquela a que deve conduzir a indemnização (cfr, neste sentido, o acórdão deste TCAS de 15-4-2010, in procº nº 5204/09 e Paulo Mota Pinto no mesmo citado).

Este valor das vendas não constitui um benefício que a autora deixou de auferir em razão da respectiva destruição, uma vez que não alegou nem provou que as perspectivas dessas vendas já faziam parte da sua esfera jurídica à data da ordem de destruição, mediante, por exemplo, propostas ou contratos de compra e venda, ou outros títulos ( cfr acórdão de 15-4-10).

Nos termos do artº 564º do C.C.,o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (nº1) E na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis…( nº2)

Destes normativos decorrem três situações distintas que podem advir do facto danoso: prejuízos causados, benefícios deixados de auferir e danos futuros.

Ora, os benefícios deixados de auferir, ao contrário dos danos futuros, têm que ser certos e não hipotéticos.

No caso vertente, o valor da venda dos bens destruídos nem é “lucro cessante” por falta de certeza na sua concretização, nem dano futuro pois não corresponde a qualquer dano autónomo em relação à destruição dos bens.

Nestes termos, o montante da indemnização relativa aos denominados lucros cessantes deverá ser eliminado, ou pelo menos substancialmente reduzido. (caso se considere existir compensação por lucros cessantes em caso de responsabilidade por actos lícitos).

Pelos motivos expostos, o enorme e excessivo montante arbitrado a título de danos emergentes e lucros cessantes, deverá ser substancialmente reduzido para um montante justo e equitativo, sob pena de se promover um enriquecimento sem causa e comprometer o exercício, pelos órgãos do Estado, da sua tarefa de protecção da saúde pública e de promover o bom funcionamento dos mercados.

4 – Quanto à quarta questão, parece-nos que, tendo em vista os diversos factores a atender no cálculo indemnizatório, a liquidez do crédito só ocorre após decisão judicial a determinar o quantum indemnizatório, até esse momento necessariamente ilíquido.

Dada a complexidade da fixação do cálculo indemnizatório quando está em causa este tipo de responsabilidade, os juros moratórios são devidos desde a data do trânsito em julgado da sentença, nos termos da 1ª parte do nº3 do artº 805º do CC, sendo inaplicável a 2º parte deste dispositivo legal uma vez que no mesmo não se faz referência á responsabilidade por actos lícitos.

E cremos que deliberadamente, atendendo à espeficidade deste tipo de dever de indemnizar, onde não existe o pressuposto culpa, atendendo à causa de justificação da prática do acto lícito.

Assim, não deveria o Estado ser condenado em juros moratórios desde a citação, tal como foi defendido pelo MP na contestação ( cfr, neste sentido, o acórdão do TCAS de 4-10-12, in procº nº 5204/09).

Termos em que deverá ser reduzida substancialmente a indemnização calculada a título de danos emergentes, indeferir ou reduzir ( em função do preço do produto à data da lesão) o pedido de indemnização a título de lucros cessantes e condenar o Estado no pagamento de juros desde a data do trânsito em julgado da decisão que fixar definitivamente a indemnização a arbitrar, devendo ser revogado o douto acórdão recorrido na parte que assim não considerou.

V – EM CONCLUSÃO:

1. A autora, Avibom A vícola, S.A., veio, em 11-5-2005, propor uma acção para efectivação da responsabilidade civil extracontratual pela prática de actos lícitos, contra o Estado Português, com vista a ser ressarcida dos danos patrimoniais que avaliou inicialmente em 3.175.83,47 euros (correspondentes ao custo de produção das aves, aos custos suportados com a manutenção da congelação das aves desde a ordem de produção de comercialização até ao efectivo abate, aos custos suportados com a operação de destruição e aos custos com as notas de crédito passadas aos clientes pela destruição de aves aos mesmos vendidas), que lhe causou a determinação de 16 de Março de 2003, da Direcção Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar, para cessar imediatamente a comercialização de carne de aves congeladas, bem como a determinação de 20-3-2003, da Direcção Regional da Agricultura do Ribatejo e Oeste, que ordenou a destruição, por conta da autora, dessa carne de aves, com data de produção anterior a 14-3-2003.
2. Estas determinações foram determinadas pelo resultado das análises em aves vivas, efectuadas noutras explorações, onde foi detectada a presença de furaltadona e nitrofuranos e destinavam-se à preservação da saúde pública e ao retorno da confiança dos mercados, uma vez que as vendas caíram drasticamente após a publicitação da referida contaminação.
3. Em 30-1-2006 a autora veio requerer a ampliação do pedido, nos termos do nº2 do artº 273º do CPC, com vista a ser ressarcida dos por si denominados lucros cessantes, correspondentes ao lucro que obteria com a venda das aves nos seis meses posteriores à sua destruição, se as mesmas não tivessem sido destruídas, no valor de 291.365,64 euros.
4. Em 18-3-2010 foi proferida sentença que considerou totalmente procedente a presente acção, condenando o Estado a pagar uma indemnização à autora no valor de 3.466.449,22, a título de danos emergemtes e lucros cessantes, mais juros legais desde a citação até integral pagamento.
5. Por acórdão deste TCAS de 11-4-2013, foi considerado o recurso interposto pelo MP da sentença, parcialmente procedente, revogando-se a sentença da primeira instância na parte em que condenara o Estado ao pagamento de 167.920,94 euros relativos às “notas de crédito”, mas mantendo-se a sentença na parte em que decidiu condenar o Estado ao pagamento à autora da importância de 3,298.528,28 euros, correspondente à soma da indemnização por danos emergentes no valor de 3.175.083,67 euros (correspondentes à soma de 2.393.978,16 relativos às aves destruídas, mais 480.520,36 euros relativos aos custos com as câmaras congeladoras, mais 132.664,12 relativos aos custos com a operação de destruição das aves), mais o montante de 291.365,64,correspondente aos lucros com a venda das aves que deixou de auferir - lucros cessantes).

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6. O art. 150º nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamenta” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
7. As questões jurídicas que se pretendem tratar são relevantes do ponto de vista objectivo “dado que quando estas situações ocorrem dão lugar a prejuízos que, em qualquer dos critérios que se adoptem, atingem somas em geral muito relevantes para o Estado e o erário público, sendo as diferenças de critério também elas determinantes de resultados (montantes indemnizatórios) que podem ser muito diferenciados, pelo que se justifica que o Supremo, tanto quanto possível, esclareça o quadro legal para uma maior paz social e boa administração da justiça”( ac do STA de 7-12-11, in procº nº 01077/11).
8. A questão de saber se em caso de indemnização pelo sacrifício de bens privados por razões de interesse geral, a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562.º do CCiv.) se deve reportar às condições gerais e objectivas do momento do facto danoso, ou às condições subjectivas e específicas que permitam englobar no dano a perspectiva das expectativas do respectivo valor, ou de preços que o bem ainda poderia render se mantido durante o período normal de conservação na validade( seis meses), é questão jurídica controversa, de importância geral e sobre a qual a pronúncia do STA pode contribuir para uma melhor administração da justiça, pelo que se justifica a admissão de revista excepcional ( ac do STA de 7-12-11).
9. O caso que aqui nos ocupa é em tudo semelhante ao caso a que se reporta o douto acórdão do STA parcialmente transcrito, pelo que, pelas mesmas razões que levaram à admissão do recurso de revista naquele, pensamos que deverá ser admitido o presente recurso.
10.Atendendo nomeadamente à complexidade e à tendência repetitiva das questões suscitadas, à natureza exígua e dissonante da doutrina e jurisprudência sobre responsabilidade por actos lícitos da Administração Pública ( não só durante a vigência do DL nº 48051 de 21/11/67, como na vigência da actual Lei 67/08, de 31-12), ao não tratamento das questões específicas aqui abordadas pela jurisprudência desse Alto Tribunal, e ainda ao valor excepcionalmente elevado da indemnização atribuída, com as inerentes repercussões na sociedade e na economia, que justifica, no nosso entender, uma melhor aplicação do direito, parece-nos, salvo melhor opinião, que o presente recurso deverá ser recebido.

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11.Foi suscitada, nas contra-alegações da autora, referentes ao recurso que o MP interpôs da sentença, a questão da incompetência em razão da hierarquia deste TCAS para decidir o referido recurso, a qual não foi apreciada pelo douto acórdão recorrido, sendo que era de apreciação prioritária em relação a todas as outras questões nele apreciadas ( artº13º do CPTA).
12.Nestes termos, verifica-se a nulidade por omissão de pronúncia do acórdão recorrido, nos termos da alínea d) do nº1 do artº 668º do CPC.
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13. Os artºs 562 e 564º do CC, interpretados no sentido da reparação total do dano em função da culpa do agente, não são aplicáveis quando o acto lesivo é lícito ou seja, praticado por necessidade de preservar o interesse público e não com qualquer intuito lesivo.
14.No caso de responsabilidade por actos lícitos é devida não uma indemnização, mas uma “compensação justa” a avaliar segundo juízos de equidade e atendendo “às demais circunstâncias do caso” nos termos do artº 494º do C.C., à semelhança - e por maioria de razão - do que acontece no caso de responsabilidade por actos ilícitos quando está em causa a culpabilidade do agente, nos termos do artº 494º do C.C, ou à semelhança do que acontece em termos de responsabilidade pelo exercício da função legislativa em que a indemnização é calculada em montante inferior ao que corresponde à reparação integral dos danos causados.
15.Nestes termos, no caso de serem aplicáveis à situação dos autos os artº 562º e 564º do C.C., tal aplicabilidade terá que ser conjugada com o artº 494 do C.C.
16.Quer o artº 562º, quer o artº 564º do C.C., sugerem que as condições a repor se reportam ao momento da destruição dos bens e não a todo o tempo em que os produtos em causa poderiam ser comercializados, não tendo, assim, que chamar à colação, o período de duração destes, nem o valor de mercado que teriam no fim do prazo de validade, nem a recuperação dos mercados.
17.A situação a reparar seria, assim, uma compensação arbitrada em função do valor dos bens destruídos, ou seja, o montante que o lesado pagou para os obter ( mais as despesas com a destruição e decorrentes da demora desta) mas tendo também em consideração as circunstâncias existentes à data da ordem de destruição, como seja as circunstâncias de interesse público justificativas do acto lesivo, como a ameaça à segurança alimentar e a necessidade de restabelecer a confiança do consumidor( alíneas M) P) e U) da factualidade assente); a quebra de preços no mercado por excesso de oferta e diminuta procura,
18.Existe, efectivamente, um risco inerente à própria actividade de compra e venda de aves, decorrente da sua fácil contaminação, e daí a apertada fiscalização que a Direcção Geral de Veterinária e mesmo a autora levam a cabo permanentemente, sendo irrelevante que, no caso, tal contaminação existisse ou não.
19. A indemnização a pagar não pode criar para o lesado uma situação mais vantajosa do que a que ele teria se o dano não tivesse ocorrido, ou mais vantajosa do que teriam aqueles comerciantes de carnes a quem não foi ordenada a destruição das carnes de aves.
20.O montante arbitrado a título de indemnização deverá ser arbitrado a título de compensação, sendo substancialmente reduzido, tendo em conta as circunstancias do caso, como seja o baixo valor de mercado dos bens à data da sua destruição, bem como o risco inerente à actividade de compra e venda de carne de aves especialmente sujeitas a contaminação.
21.A responsabilização pela prática de actos lícitos tem como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de igual valor, reportada à data da lesão.

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22. Alguma doutrina defendia, mesmo antes da entrada em vigor da Lei nº 67/2007, de 31-12, a não compensação por lucros cessantes em caso da prática de actos lícitos causadores de danos especiais e anormais, entendimento esse agora traduzido em lei, mais propriamente no artº 16º da Lei nº 67/2007, de 31-12, ao estabelecer que, para o cálculo da indemnização se deverá ater designadamente ao grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado, mas a que a alínea g), do nº2, do artº 37º, do CPTA - ao abrigo da qual foi proposta a presente acção - já se referia, ao aludir a uma indemnização por imposição de sacrifícios.
23. O montante indemnizatório deverá ser fixado mediante juízos de equidade e limitado “às consequências imediatas da perda de disponibilidade do bem ou da sua limitação, excluindo quaisquer efeitos indirectos, como os ganhos que se fustraram em consequência da lesão.
24. Assim, não deveria o Estado ser condenado na indemnização por lucros cessantes.
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25. Caso se considere que são de relevar os denominados “lucros cessantes”, no cálculo dos mesmos sempre seria de relevar as circunstâncias existentes à data da ordem de destruição e não durante o prazo da sua validade, tendo em conta a venda ao preço de mercado, mas à data do acto lesivo, bem como a quase total ausência de compradores.
26. Existe, para além disso, com o pedido de pagamento de indemnização por lucros cessantes, uma duplicação de compensações relativas aos mesmos bens, na medida em que, ao serem destruídos e pagos os prejuízos de acordo com o montante por que foram comprados, tudo se passa como se essa compra não tivesse sido efectuada, pelo que não existindo como propriedade da autora, não podiam ser por ela vendidos.
27. Assim, os referidos “lucros cessantes” não assumem as características necessárias para serem assim considerados, já que não se reportam à data do facto danoso nem são benefícios certos que não foram auferidos em virtude da lesão.
28. Tratar-se-ia, antes, de um enriquecimento sem causa na medida em que seriam pagas duas indemnizações pelo mesmo dano, deixando o lesado em melhor situação do que aquela a que deve conduzir a indemnização.
29. Nestes termos, o montante da indemnização relativa aos lucros cessantes deverá ser eliminado ou pelo menos substancialmente reduzido, caso se considere existir compensação por lucros cessantes em caso de responsabilidade por actos lícitos.
30.Pelos motivos expostos, o enorme e excessivo montante arbitrado a título de danos emergentes e lucros cessantes, deverá ser substancialmente reduzido para um montante justo e equitativo, sob pena de se promover um enriquecimento sem causa e comprometer o exercício, pelos órgãos do Estado, das tarefas que lhes competem de protecção da saúde pública e de promover o bom funcionamento dos mercados.
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31. Tendo em vista os diversos factores a atender no cálculo indemnizatório, a liquidez do crédito só ocorre após decisão judicial a determinar o quantum indemnizatório, até esse momento necessariamente ilíquido.
32.. Dada a complexidade da fixação do cálculo indemnizatório quando está em causa este tipo de responsabilidade, os juros moratórios são devidos desde a data do trânsito em julgado da sentença, nos termos da 1ª parte do nº3 do artº 805º do CC, sendo inaplicável a 2º parte deste dispositivo legal uma vez que no mesmo não se faz referência á responsabilidade por actos lícitos.
33.Assim, não deveria o Estado ser condenado em juros moratórios desde a citação, tal como foi defendido pelo MP na contestação
34.Termos em que deverá ser reformulada a indemnização calculada a título de danos emergentes, indeferir o pedido de indemnização a título de lucros cessantes, e condenar o Estado no pagamento de juros desde a data do trânsito em julgado da decisão que fixar definitivamente a indemnização a arbitrar, devendo ser revogado o douto acórdão recorrido na parte que assim não considerou.
Requer-se, assim, que seja declarada a nulidade por omissão de pronúncia do acórdão recorrido ou, caso assim se não entenda, que o presente recurso seja recebido e que ao mesmo seja concedido provimento, reduzindo-se substancialmente o montante referente á responsabilidade do Estado.


Assim decidindo farão Vossas Excelências

A costumada,

JUSTIÇA!

A Procuradora –Geral Adjunta

Maria Antónia Soares