Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:07/01/2011
Processo:07855/11
Nº Processo/TAF:02203/10.0BELSB
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:PROV. CAUTELAR SUSPENSÃO DE EFICÁCIA.
PENA DISCIPLINAR "DEMISSÃO".
NULIDADE SENTENÇA (NÃO).
ERRO JULGAMENTO (NÃO).
Data do Acordão:08/22/2011
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator


A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos arts. 146º nº 1 e 147º do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pela então Requerente da sentença proferida, a fls. 313 e segs., pelo TAC de Lisboa, que não decretou a presente Providência Cautelar de suspensão de eficácia da deliberação da Junta de Freguesia de F…, que aplicou à ora recorrente a pena disciplinar de demissão.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, a ora recorrente imputa à sentença em recurso as nulidades de omissão de pronúncia e de contradição entre a fundamentação e a decisão estipuladas nas als. d) e c) do nº 1 do art. 668º do CPC e erro de julgamento com violação do art. 132º nº 6 do CPTA (pensamos que se quer referir ao art. 120º nº 2 do CPTA).

O recorrido não apresentou contra - alegações de recurso.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com base na prova documental, os factos constantes do pontos 1. a 29., de IV, de fls. 320 a 333, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

III – Quanto à alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 al. d) do CPC).

Invoca a recorrente verificar - se tal nulidade por o Mmº Juiz a quo, segundo ela, não se ter pronunciado sobre a prescrição do procedimento disciplinar, extintivo do direito da recorrida.

Como o temos consignado noutros pareceres, desde já importa referir que além da instrumentalidade são características das providências cautelares a provisoriedade que se manifesta no facto de que “ não está em causa a resolução definitiva de um litígio “ e a sumaridadeque se manifesta numa cognição sumária da situação de facto e de direito, própria de um processo urgente “ – José Carlos Vieira de Andrade in “ A Justiça Administrativa, 4ª edição.

Assim, que relativamente à apreciação pelo Tribunal do “ fumus boni iuris “ o juiz se tenha de conter numa “ apreciação perfunctória da aparência do bom direito “, não podendo a providência cautelar antecipar, a título definitivo a decisão a proferir no processo principal – cfr. Mário Aroso de Almeida in “ O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos “.

Na verdade, tal como se afirma no Ac. STA de 22/10/08, Rec. 0396/08 « As situações a enquadrar no artº 120º, nº 1, a) do CPTA, designadamente no conceito de acto manifestamente ilegal, não devem oferecer quaisquer dúvidas quanto a essa ilegalidade que, assim, deve poder ser facilmente detectada, face aos elementos constantes do processo e pela simples leitura e interpretação elementar da lei aplicável, sem necessidade de outras averiguações ou ponderações. Na verdade, o que é manifesto, é líquido, salta à vista, não oferece dúvida.».

Com efeito, as decisões em matéria de providências cautelares estão limitadas à verificação ou inverificação dos requisitos necessários para o decretamento das providências requeridas, não devendo incidir sobre o mérito da causa.

Ora, na sentença recorrida é afirmado «No presente caso, não tendo a Requerente expressamente feito menção à alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA e não sendo evidente face á matéria de facto alegada pelas partes e à factualidade considerada indiciariamente assente, a procedência da pretensão a formular na acção principal não haverá que aplicar o estatuído nessa norma.».

E, atenta a natureza perfunctória e sumária das Providências Cautelares, em nosso entender, é quanto basta como fundamentação para aferir da não existência da não evidência da procedência ou improcedência da pretensão a formular no processo principal, não enfermando da alegada nulidade por omissão de pronúncia.

Com efeito, numa apreciação perfunctória que é própria da tutela cautelar, o que o Tribunal deve analisar é apenas se o acto suspendendo padece de alguma ilegalidade ostensiva ou grosseira, não estando obrigado a apreciar todos os vícios que lhe são imputados e que terá lugar no processo principal.

Acontece que, no caso em apreço, não só todas as ilegalidades alegadas pela requerente e, nomeadamente a da prescrição, foram rebatidas pelo ora recorrido, no sentido da sua improcedência, como não se vislumbra, de modo patente ou manifesto, que as mesmas possam proceder.

Assim, não resultando dos factos assentes e da matéria factual alegada nem clara, nem evidente, a procedência da pretensão a formular pela requerente na acção principal, sendo necessário um conhecimento mais amplo do litígio, isto é, da respectiva causa de pedir alegada pela requerente, a caber no âmbito do processo principal, como se refere na sentença recorrida e no despacho de sustentação de fls. 392 e 393, que, a nosso ver, improceda a arguida nulidade de omissão de pronúncia.

IV – Quanto à alegada nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão (al. c) do nº 1 do art. 668º CPC)

A nulidade prevista no artº 668º nº1 al. c) do CPC – oposição entre os fundamentos e a decisão – só se verifica quando os fundamentos, quer de facto quer de direito, invocados pelo juiz devam, logicamente, conduzir ao resultado oposto ao que é expresso na sentença.

Não se verifica por conseguinte tal nulidade, quando os fundamentos invocados pelo juiz, em seu entender, conduzem a um determinado resultado lógico e consequente que pode eventualmente redundar em erro de julgamento, o que não significa desconformidade entre os fundamentos e a sua parte dispositiva, passível de determinar a invocada nulidade.

Invoca a recorrente existir tal nulidade por na sentença recorrida o Mmº Juiz a quo ter considerado estarem preenchidos os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris (para efeitos da al. b) do nº 1 do art. 120º do CPTA), para depois se limitar a dizer, quanto à ponderação de interesses, “ … entende - se que os danos para o interesse público decorrentes do decretamento da providência seriam superiores que os resultantes da sua não concessão. (…)”, o que, segundo a recorrente é meramente opinativo e não fundamentado.

Todavia e como explicita o Mmº juiz a quo no seu despacho de sustentação, inexiste qualquer contradição porquanto a aplicação dos critérios de decisão previstos no art. 120º é sucessiva.

Com efeito, ainda que se verifiquem os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris para efeitos da al. b) ou da al. c) do nº 1 do art. 120º do CPTA, ainda é necessário proceder à ponderação dos interesses públicos e privados, em presença, para efeito do nº 2 do art. 120º do CPTA (e não do nº 6 do art. 132º do mesmo Código como alega a recorrente, que não tem aplicação ao caso dos autos, embora a ponderação a efectuar seja aferida da mesma forma).

Ora, caso resulte que os danos que resultariam da concessão da providência se mostram superiores aos que resultariam da sua não concessão terá de ser recusada a adopção da(s) providência(s).

E foi o que se decidiu na sentença recorrida, sem qualquer contradição com os seus fundamentos, fundamentos esses que não se consubstanciaram apenas numa mera opinião, ao contrário do alegado pela recorrente, mas antes na ponderação dos factos danosos invocados pelas partes e nos dados como provados, de acordo com as razões explicitadas na mesma sentença, para concluir da forma referida, como resultado lógico e consequente.

Assim, que igualmente improceda, a nosso ver, a imputada nulidade da al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC.

V – Quanto ao imputado erro de julgamento com violação do art. 132º nº 6 do CPTA, que se afigura indicado por lapso, querendo dizer art. 120º nº 2 do CPTA.

Invoca a recorrente a prevalência do seu interesse por referência ao seu direito ao trabalho, como direito constitucionalmente consagrado no art. 58º da C RP.

Todavia, como se afirma no sumário do Acórdão deste TCAS de 29.03.2001, Rec. 04601/00, « I - O Direito ao trabalho consagrado no art. 58º da CRP não é um direito absoluto, tendo limites, como seja, desde logo, o caso em que por motivos de natureza disciplinar se pode fazer cessar a relação de emprego.
II - A aplicação da pena de demissão por um motivo lícito não viola aquele direito.».

Ora, atentos os factos dados como provados, as razões que estiveram na origem da punição, nomeadamente no que se refere aos comportamentos da recorrente que denotam desvios éticos na sua conduta funcional, e as razões alegadas e ponderadas na sentença recorrida, para as quais remetemos, por economia expositiva, que aconselham o imediato afastamento do serviço da recorrente, dúvidas não restam que existe grave prejuízo para o interesse público, que impõe o imediato cumprimento da pena (cfr., em sentido idêntico, Ac. deste TCAS de 28/04/2011, Rec. 07419/11).

Daí, que a sentença recorrida, ao ter decidido pela superioridade dos danos para o interesse público decorrentes do decretamento da providência, não enferme, em nosso entender, de qualquer erro, nomeadamente com violação do nº 2 do art. 120º do CPTA.

VI – Pelo que, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo - se a sentença recorrida.