Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:11/11/2011
Processo:08191/11
Nº Processo/TAF:01117/06.3BELSB
Sub-Secção:2.º Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL.
ALTERAÇÃO DA PENSÃO DE APOSENTAÇÃO.
ART. 67º DO EA; REGULAMENTO (CEE) Nº 1498/71; DL 519-E/79 DE 28/12.
REVOGAÇÃO DE ACTO ANTERIOR.
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator


Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos artºs 146º nº1 do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto, pela então Ré, CGA, da sentença proferida a fls. 295 e segs., pelo TAC de Lisboa, que julgou procedente a presente acção, anulando os actos que, respectivamente, reduziu/rectificou a pensão de aposentação da A. e lhe impôs o pagamento de 25.617,04€ no prazo máximo de 30 dias, condenando a Ré a reconstituir a situação que existiria caso tais actos não tivessem sido praticados.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, a recorrente imputa à decisão recorrida errada interpretação dos arts. 14º e 15º do DL nº 519-E/79 de 28/12, a nulidade do nº 1 al. b) do art. 668º do CPC, violação dos arts. 67º e 102º do EA, os nºs 1 e 2 do art. 148º do CPA, os arts. 69º e 80º da Lei nº 32/2002 ou 67º e 79º da Lei nº 04/2007 de 16/01 e a nulidade da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC.

A recorrida, então A., contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do julgado.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com base na prova documental, os factos constantes dos pontos 1. a 28., de II, de fls. 302 a 307, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Quanto à imputada nulidade do nº 1 al. b) do art. 668º do CPC.


Afirma a recorrente verificar - se tal nulidade com fundamento de que a sentença recorrida “interpretou mal o disposto nos arts. 14º e 15º do DL nº 519-E/79 de 28/12 não se vislumbrando os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão proferida”.

Todavia, conforme é jurisprudência corrente «só a falta absoluta de fundamentação é razão de nulidade da sentença, pois uma exposição medíocre ou insuficiente dos fundamentos, permitindo descortinar as razões que a ditaram, sujeita a decisão à possibilidade de ser revogada ou alterada em recurso» (cfr. Acs. do STA de 27/5/98 Rec. nº. 37068, de 16/6/99 Rec nº. 44915 e de 6/6/89 in BMJ 388º. 580).

Ora, no caso em apreço, a sentença recorrida, não padece da referida nulidade uma vez que não existe uma falta absoluta de fundamentação, aliás nem absoluta, nem relativa, já que como o próprio recorrente aponta o que existirá, segundo ele, é uma errada interpretação do disposto nos mencionados arts. 14º e 15º do DL nº 519-E/79

Na verdade, a sentença recorrida fundamentou a sua decisão, tendo em conta os factos dados como provados e as disposições dos arts. 67º e 53º nº 3 do EA e do DL nº 519-E/79 de 28/12 e no art. 46º-B nºs 1 e 2 do Regulamento Comunitário nº 1408/71, que interpretou e analisou socorrendo - se mesmo, no que respeita ao art. 67º do EA, de posição doutrinária, pelo que a mesma se encontra fundamentada de facto e de direito.

Outra questão é saber se houve ou não erro de interpretação das referidas disposições legais, o que não implica a imputada nulidade da sentença.

IV – Quanto à imputada nulidade do nº 1 al. d) do art. 668º do CPC.

Invoca a recorrente existir tal nulidade por a sentença recorrida não se ter pronunciado sobre os argumentos por si aduzidos na contestação e alegações quanto à questão da “igualdade entre o caso da recorrida face aos demais colegas de profissão que, ao contrário daquela jamais poderão obter uma “dupla reforma” emergente do mesmo facto”.

Na contestação e em alegações, o ora recorrente chamou à colação a violação do princípio da igualdade por referência ao Regulamento (CEE) nº 1408/71, do Conselho, de 14/06, nomeadamente, de que este “não tinha por vocação garantir tratamento mais favorável aos trabalhadores migrantes do que àqueles que cumprem a totalidade da carreira previdencial no mesmo país”.

Ora, sobre tal violação do princípio da igualdade afirma - se na sentença recorrida: «Não procede aqui a argumentação da CGA de que a cumulação de pensões no caso da A., implicará a violação do princípio da igualdade dando - lhe um tratamento mais favorável do que àqueles que cumprem a totalidade da carreira no território nacional, porque estes apenas efectuaram descontos para a CGA e não para a CGA e a BFA alemã, como a A.
Pelo que, estando em causa situações diferentes não se verifica a alegada violação do princípio da igualdade.».

Sendo jurisprudência corrente que: «A nulidade de omissão de pronúncia estabelecida na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, verifica-se quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar, devendo apreciar as questões que lhe foram submetidas que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma).
Por questões deve entender-se as matérias respeitantes ao pedido, à causa de pedir ou aos pressupostos processuais, e não os argumentos ou razões invocadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista» – cfr., entre muitos outros, Acórdão STA de 13/05/03, Rec. nº 02047/02 (bold nosso).

Assim, tendo a sentença se pronunciado sobre a questão da violação ou não do princípio da igualdade, que a mesma não enferme da nulidade por omissão de pronúncia que o recorrente lhe assaca.

V - Quanto ao imputado erro interpretação dos arts. 14º e 15º do DL nº 519-E/79 de 28/12, pela sentença recorrida.

Dispõe o art. 14º do DL nº 519-E/79:
“1 - Salvo o disposto no número seguinte e sempre que a legislação local o permita, serão os docentes inscritos no regime de segurança social do país onde exerçam funções, cabendo ao Estado Português suportar os encargos de conta da entidade patronal, a menos que sejam suportados pelo país estrangeiro.
2 - Não sendo possível a inscrição no regime de segurança social previsto no número anterior, e sempre que se mostre menos oneroso para o Estado Português esta inscrição será substituída por seguro que garanta aos docentes a segurança social no país onde exercerem funções.
3 - Os encargos do seguro previsto no número anterior serão suportados:
a) Totalmente pelo Estado Português, se o seguro for feito em companhia portuguesa;
b) Totalmente pelo Estado Português, se o seguro for feito em companhia estrangeira em virtude de, no respectivo país, não operarem companhias de seguro portuguesas;
c) Em partes iguais pelo professor e pelo Estado Português se o seguro for feito em companhia estrangeira e, no respectivo país, operarem companhias de seguro portuguesas.
4 - Sempre que, pelo facto de se encontrar em Portugal, o docente não seja abrangido pela segurança social ou seguro previstos nos n.os 1 e 2 do artigo anterior, terá direito aos benefícios da Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado. “

Por sua vez, estipula o art.15º do mesmo diploma:
“1 - Os docentes do ensino português no estrangeiro, desde que colocados nos termos dos artigos 6.º, 7.º, 8.º e 9.º, serão obrigatoriamente inscritos na Caixa Geral de Aposentações, se, à data da colocação, não se encontrarem ainda inscritos.
2 - Os descontos legais obrigatórios a que se encontram sujeitos os funcionários públicos portugueses abrangem os professores de curso de ensino português no estrangeiro.“

Ora, do art. 14º nº1 resulta, a nosso ver, tal como se infere da sentença recorrida, uma obrigatoriedade de inscrição no regime de segurança social do País onde exerçam funções, desde que a legislação local o permita, ou não sendo possível a inscrição e sempre que se mostrar menos oneroso para o Estado Português, tal inscrição será substituída por seguro que garanta aos docentes a segurança social no País onde exerçam funções (nº 2).

Por outro lado, de acordo com o art. 15º, os docentes do ensino português no estrangeiro desde que colocados nos termos dos arts. 6º a 9º do Mesmo Dec. Lei, também serão inscritos, obrigatoriamente, na CGA, se à data da colocação ainda não se encontrarem inscritos.

E tal interpretação de obrigatoriedade não é infirmada pelo Parecer do Conselho Consultivo da PGR citado pelo recorrente, pois além do mesmo não dizer respeito a qualquer interpretação do citado art. 14º, mas antes à obrigatoriedade de inscrição na CGA dos docentes contratados ao abrigo do art. 9º do DL nº 519-E/79, o que no mesmo Parecer se afirma, em resumo e ao que ao caso importa, é que da articulação dos arts 14º e 15º, resulta que, quando a inscrição na CGA é obrigatória, há como que uma sobreposição parcial, i.e., enquanto que o art. 14º visa abrangentemente, qualquer que seja a eventualidade, a protecção social dos docentes em questão, já o art. 15º visa a protecção nas eventualidades que a Caixa proporciona (velhice, invalidez e morte), pelo que nestas últimas eventualidades, há uma compressão do âmbito das do art. 14º.

Isto, porém, não retira o carácter obrigatório de inscrição a que se refere o art. 14º tanto mais que tal inscrição abrangerá outras modalidades para além das de velhice, invalidez e morte.

Assim, que a nosso ver, não tenha havido qualquer erro de interpretação do DL nº 519-E/79 pela sentença recorrida.

VI – Quanto à imputada errada determinação das normas legais aplicáveis ao caso, designadamente, dos Regulamento (CEE) nº 1408/71, com as alterações subsequentes.

Invoca a recorrente nesta matéria apenas que a ora recorrida não pediu a aplicação do Regulamento (CEE) nº 1408/71 ao seu caso e que nunca se colocou o problema da totalização de períodos contributivos registados no âmbito de legislações nacionais diferentes, porquanto a pensão fixada, pelo despacho de 2001-03-07, havia sido calculada com base em 36 anos de serviço – pensão completa – prestado ao Estado Português, como professora.

Todavia, tais argumentos não procedem, a nosso ver, porquanto i) nem a aplicação da normas comunitárias no direito interno estão dependentes de pedido do interessado, mas antes são de aplicação directa na ordem interna, ii) como não está em causa o despacho de 2001-03-07, mas sim os despachos de 03-02-2006, notificados por ofícios de 03-02-2006 e de 21-03-2006, que, respectivamente, lhe reduziram a pensão de aposentação e determinaram o pagamento no prazo máximo de 30 dias da quantia de 25.617,04 entendida pela recorrente como paga a mais, iii) como a ora recorrida invocou, na p.i., a violação pelos actos impugnados do referido Regulamento Comunitário.

Ora, qualquer redução por via do disposto no art. 67º do EA teria de ter em consideração as regras comunitárias a tal respeito, ou seja, as do Regulamento (CEE) nº 1408/71 com as sequentes alterações.

Na verdade, citando o Acórdão do TJCE de 07.03.2002, no que ao caso importa:
30 (…) há que responder à segunda questão os artigos 46._-A e 46._-B do Regulamento n._ 1408/71 se opõem à aplicação da regulamentação de um Estado-Membro que contenha uma regra anticumulação segundo a qual uma pensão de sobrevivência recebida nesse Estado-Membro deve ser reduzida devido à existência de uma pensão de sobrevivência recebida ao abrigo da legislação de outro Estado-Membro, se as prestações recebidas em aplicação desta regulamentação nacional se revelarem menos favoráveis do que as prestações determinadas em aplicação do artigo 46._ do referido regulamento.” (bold nosso).

Do exposto resulta, não que o Estado Nacional não possa ter uma regra anti - cúmulo, mas sim que da aplicação dessa regra não pode resultar uma prestação menos favorável do que aquela determinada em aplicação do art. 46º do referido Regulamento.

E foi essa regra do art. 46º que a recorrente não teve em consideração, ao aplicar o art. 67º do EA, limitando - se a reduzir o valor da pensão dos períodos sobrepostos, sem proceder ao cálculo da pensão nos termos do referido art. 46º do Regulamento e considerar qual a prestação mais favorável.

Pelo que também nesta parte improcede o vício apontado pela recorrente á sentença sobre a errada determinação de aplicação do referido Regulamento CEE.

VII – Quanto à imputada violação dos arts. 67º e 102º do EA, os nºs 1 e 2 do art. 148º do CPA, os arts. 69º e 80º da Lei nº 32/2002 ou 67º e 79º da Lei nº 04/2007 de 16/01.

Invoca o recorrente a violação de tais preceitos legais defendendo que apenas ocorreu uma rectificação a todo o tempo e com efeitos retroactivos de actos fundados em erro resultante da alteração superveniente dos factos enquadrada no art. 102º do EA e no art. 148º do CPA e não de acto revogatório, mas mesmo que de uma revogação se tratasse sempre o poderia ser de acordo com o art. 80º da Lei nº 32/2002 de 20/12, e actualmente com o art. 79º da Lei 04/2007 de 16/01.

Acontece, porém, que a rectificação dos actos administrativos de acordo com o disposto no art. 102º do EA e art. 148º do CPA, tem apenas em vista o erros e imprecisões na expressão do acto, i. e., trata - se da correcção do chamado “lapsus calami”, mantendo - se os efeitos jurídicos do acto originário.

O que não aconteceu no caso em apreço.

Por outro lado, mesmo atendendo à referida Lei 32/2002 ou mesmo à Lei 4/2007, que determina que os actos administrativos de atribuições de prestações continuadas podem, ultrapassado o prazo da lei geral ser revogados com eficácia para futuro, o certo é que a recorrente, ao contrário do estipulado nestes diplomas deu - lhe efeitos retroactivos. Na verdade, o acto que procedeu á alteração da pensão foi proferido em 03.02.2006, reportando a mesma pensão então alterada a 01.08.2003, dando - lhe, pois, efeitos retroactivos.

Ora, se bem que a sentença recorrida tenha admitido a possibilidade da revogação do acto não fora “o entendimento preconizado na presente decisão: não se aplica o art. 67º do EA; é de atender ás normas dos regulamentos comunitários indicados; e Não ocorreu violação do princípio da igualdade (…)”, o certo é que também deve ser na constatação dos referidos efeitos retroactivos que o despacho em crise é ilegal.

Com efeito como se expende no sumário do Ac. do STA de 18/03/04, Rec. 01769/03 «Ao acto pelo qual a Administração, admitindo embora a ilegalidade do acto anterior, que se tornou inimpugnável, por falta de oportuna impugnação, decide revogar aquele acto, por razões de equidade, é aplicável o regime de revogação dos actos válidos, podendo ser-lhe atribuída eficácia apenas para o futuro.».

Quer se esteja, pois, perante a revogação de um acto válido (art. 140º do CPA) ou de um acto inválido inimpugnável (art. 141º do CPA) ou mesmo perante um acto de substituição ou alteração do acto primário (art. 147º do CPA), sempre, no caso, a sua eficácia teria de ser atribuída para futuro.

Afigurando - se - nos que o conteúdo do acto impugnado que reduziu o valor da pensão antes atribuída é um acto de “alteração” ou “reforma” do acto anterior, ou de “substituição”, em qualquer caso, «teria de ser uma transformação para o futuro, que não pretendesse por em causa a primeira decisão, que se mostra firmada, mas agir sobre a relação jurídica dele resultante» (cfr. Ac do STA citado).

Ora, tendo sido dado efeitos retroactivos (a 2003) ao acto impugnado, sempre este teria violado, dessa forma, o disposto no art. 147º ou no art. 140º ou mesmo no art. 141º todos do CPA (conforme a natureza que se atribua ao referido acto), como também a própria Lei de Bases da Segurança Social, que o recorrente invoca.

De qualquer forma sendo aqui inaplicável o disposto no art. 67º do EA, pelos motivos atrás referidos e ainda de acordo com a doutrina citada na sentença recorrida, que a mesma não enferme, a nosso ver, das violações de lei que lhe são imputadas.

VIII – Pelo que, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo - se a decisão recorrida.