Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:11/20/2008
Processo:04515/08
Nº Processo/TAF:145/07.6BELSB
Magistrado:AMADEU GUERRA
Descritores:DEFERIMENTO TÁCITO
NULIDADE POR VIOLAÇÃO DE PDM
COLOCAÇÃO DE ANTENA EM ZONA FLORESTAL
Data do Acordão:05/07/2009
Texto Integral:6

Processo n.º 04515/08
2.º Juízo – 1.ª Secção (Contencioso Administrativo)


Excelentíssimos Senhores Desembargadores



O magistrado do Ministério Público, notificado para se pronunciar, nos termos do artigo 146.º n.º 1 do CPTA, sobre o recurso interposto pela TMN – Telecomunicações Móveis Nacionais, SA no processo à margem referenciado, vem dizer o seguinte:

Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de que o deferimento tácito da autorização municipal solicitada para a instalação de antena de telecomunicações é válido. A sentença considera, em síntese, que não se formou deferimento tácito na medida em que a instalação da estação dos autos na localização pretendida foi feita com a “inobservância dos requisitos a que aludem as disposições conjugadas dos artigos 25.º a 28.º do regulamento do PDM de Torres Vedras”, razão pela qual existe uma violação daquele instrumento de gestão territorial. Por isso, a ter havido deferimento tácito da pretensão do A., tal deferimento seria nulo nos termos do art. 103.º do DL 380/99, de 22 de Setembro.

A TMN vem interpor recurso com base nos seguintes fundamentos:

1. O art. 27.º do PDM permite expressamente a construção de edificações;
2. Uma antena de telecomunicações «é a instalação muito mais ligeira do que uma edificação, e nada impede, do ponto de vista técnico, que a mesma seja simplesmente aparafusada a uma edificação existente” (itálico nosso), pelo que se o artigo 27.º permite a construção de edificações, nada impede que se instale uma antena;
3. Em face das disposições combinadas dos artigos 25.º e 28.º do PDM deve presumir-se que o recorrido, ao adoptar tal comportamento, autorizou para todos os efeitos, a instalação da mesma antena (itálico e sublinhado nosso);
4. A sentença, ao ter decidido que o deferimento tácito da autorização municipal da antena dos autos era nulo, violou os arts. 25.º, 27.º e 8.º do PDM de Torres Vedras, e ainda o art. 103.º do DL n.º 380/99.

Respondeu o Município de Torres Vedras no sentido de que o recurso interposto deve ser julgado improcedente na medida em que:
1. O art. 28.º do PDM prevê que “nos espaços florestais, com carácter excepcional serão admitidos outros usos do solo, nos termos do art. 25.º”, que por sua vez, estabelece que nos espaços agrícolas serão autorizados outros usos do solo com carácter excepcional;
2. A estação de radiocomunicações dos autos não se insere manifestamente no tipo de construção do artigo 27.º do PDM, nem a recorrente logrou obter declaração de interesse municipal do equipamento a instalar;
3. Face ao que dispõe o art. 103.º do DL 380/99, a ser “tacitamente” admitida a pretensão da recorrente, tal deferimento seria fatalmente nulo.

VEJAMOS

1. Verifica-se, da matéria de facto dada como provada, que “o terreno onde se implanta esse sistema de rádio telecomunicações, localiza-se em área definida como florestal, junto ao muro do cemitério de A-dos-Cunhados, definida na Planta de Ordenamento do PDM de Torres Vedras” (ponto 4).

O art. 85.º do DL 380/99, de 22 de Setembro, estabelece, na sua redacção originária, que “o plano director municipal define um modelo de organização municipal do território nomeadamente estabelecendo a definição dos sistemas de protecção dos valores e recursos naturais, culturais, agrícolas e florestais, identificando a estrutura ecológica municipal”. O PDM é um dos instrumentos, conforme está legalmente previsto, que tem por objectivo definir a política de ordenamento do território e de urbanismo, bem como o sistema de gestão territorial de âmbito municipal (cf. artigos 1.º e 2.º) e, em particular, o modelo de estrutura espacial do território (cf. artigo 84.º n.º 1 e 2 do DL 380/99).

O PDM de Torres Vedras, aprovado pela RCM n.º 159/95, de 30 de Novembro, estabelece condicionantes no que concerne à edificação em espaços florestais. O art. 26.º começa por estabelecer que os espaços florestais se destinam à “produção florestal, à actividade silvo-pastoril e ao uso múltiplo da floresta”. Admite, no artigo 27.º, a construção de algumas edificações, apenas quando se destinem ao apoio à exploração silvícola (al. a) ou quando se destinem à habitação do proprietário ou dos trabalhadores permanentes da propriedade (al. b). Os n.os 2 e 3 estabelecem, em complemento do número anterior, as condicionantes das edificações remetendo para o n.º 2 e 3 do art. 23.º (maxime, o corpo do art. 23.º n.º 3 aponta para o licenciamento das edificações previstas na alínea b).

O artigo 28.º do PDM – para além do tipo de edificações especificadas no art. 27.º - admite que nesse espaço florestal possa ser dada, a título excepcional, outra utilização ao solo, isto é, mediante a verificação dos condicionantes do art. 25.º.
Do elenco dos tipos de construção indicadas nas várias alíneas do n.º 1, verifica-se que em nenhuma delas se pode integrar a edificação de antenas, por falta de previsão específica. Face à previsão deste preceito, só será admissível considerar ser possível a construção de antena em espaço florestal se, de algum modo, a sua montagem venha a ser considerar como um «equipamento de interesse municipal».
Não basta, no entanto, que se considere, em abstracto, que a colocação de uma antena se reveste de «interesse municipal. É necessário que o interessado o requeira junto do Município e que o «interesse municipal» seja reconhecido pela Assembleia Municipal (cf. art. 64.º n.º 2 al. a) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção dada pela Lei n.º 5-A/A72002, de 11 de Janeiro).

Afigura-se-nos que, sem estar comprovado nos autos o reconhecimento do «interesse municipal», não será possível a instalação da antena na medida em que o uso do espaço florestal para tal fim não se enquadra na previsão das várias alíneas do artigo 25.º n.º 1.
Nem se diga, como o faz a recorrente, que a instalação de uma antena é uma edificação «muito mais ligeira» do que qualquer das edificações previstas nas várias alíneas do n.º 1 do art. 25. Não está em causa, na previsão do preceito, a «dimensão» ou «área» das edificações mas – entre outras finalidades – a verificação de conexão ou utilidade da mesma para actividade agrícola ou florestal, bem como a existência e reconhecimento de um interesse municipal daqueles empreendimentos.
Por isso, a lei só admite a sua edificação a título excepcional, impondo uma autorização para o uso do solo com aquela finalidade, sendo exigível, quando aplicável a alínea e), o reconhecimento de que a edificação se reveste de «interesse municipal». O que se pretende com aquela autorização excepcional é garantir que o interesse público/interesse municipal não possa ser comprometido com determinadas limitações de finalidades consagradas nos planos que vigorem em determinadas áreas. Sempre que o interesse municipal seja reconhecido será possível, excepcionalmente, a afectação do solo a outro tipo de uso.
A verdade é que não logrou a recorrente, nos presentes autos, fazer prova de que obteve a referida autorização prévia e excepcional.

2. O art. 103.º do DL 380/99, de 22 de Setembro, estabelece que “são nulos os actos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável”.
O PDM, conforme foi referido, estabelece condicionantes ao uso de espaços florestais, nomeadamente para determinado tipo de edificações. Em particular, exige a emissão específica de actos administrativos de «autorização excepcional» para outros usos do solo (cf. artigo 28.º e corpo do n.º 1 do artigo 25.º do PDM) e, também, como condição prévia, o reconhecimento do «interesse público municipal» nas situações previstas no n.º 1 alínea e) do artigo 25.º.

A jurisprudência tem-se pronunciado – no âmbito de outros instrumentos de ordenamento do território (v.g. construção em zonas REN ou RAN) – que o acto administrativo de reconhecimento do «interesse público» da acção a empreender terá que ser prévio aos actos que “permitem” a realização da obra (cf. Acórdãos do STA de 20/5/2004 – Processo n.º 01344/03 – e de 5/2/2004 – Processo n.º 1918/02), devendo o mesmo ser reconhecido pela entidade legalmente competente para declarar o interesse público (cf. Acórdão do STA de 10/2/2004 – Processo n.º 01725/02).
A falta de acto administrativo que declare esse reconhecimento de «interesse público» – por ser um «acto pressuposto» (prévio) da viabilidade do uso do solo para a finalidade pretendida (edificação de antena), nos termos do PDM – determina, necessariamente, que o acto tácito eventualmente praticado esteja inquinado de nulidade, por força do artigo 103.º do DL 380/99.
Como determina o artigo 134.º n.º 1 do CPA o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, pelo que o acto tácito praticado não é passíveis de ser constitutivo de direitos.
A nulidade – a declarar nos termos do art. 103.º do DL 380/99 – tem como consequência uma inaptidão para que o acto tácito produza quaisquer efeitos jurídicos. Aliás, um olhar pelo art. 7.º al. b) do DL 11/2003, de 18 de Janeiro, permite verificar que o legislador já teve essa preocupação em impor o indeferimento do pedido de autorização quando «a instalação de infra-estruturas se suporte das estações de radicomunicações violar restrições previstas em plano municipal de ordenamento do território”. Pretendeu-se com esta previsão preservar e salvaguardar os mesmos princípio e interesses que já se pretenderam defender com a previsão do artigo 103.º do DL 380/99.


Termos em que emitimos pronúncia no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da sentença recorrida.


O magistrado do Ministério Público