Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:11/02/2011
Processo:08151/11
Nº Processo/TAF:00079/11.0BELLE
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:PENA DISCIPLINAR.
CONSELHO SUPERIOR MAGISTRATURA.
OFICIAL JUSTIÇA.
INCOMPETÊNCIA MATERIAL JURISD. ADMINISTRATIVA.
Data do Acordão:01/26/2012
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator


A Magistrada do Mº Pº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do art. 146º nº1 do CPTA, vem, ao abrigo do disposto no art. 145º nº 5 do CPC, emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pelo então A., da decisão, proferida pelo TAF de Loulé, a fls. 330 e segs., que julgou absolutamente incompetente aquele tribunal em razão da matéria para conhecer da presente acção, absolvendo o Réu da instância.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, afigura - se resultar que o recorrente pretende imputar à decisão recorrida erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do art. 168º nº 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

A Entidade recorrida contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão.

II – Apresente acção foi intentada pelo ora recorrente contra o Conselho Superior da Magistratura pedindo a anulação das deliberações do Plenário do mesmo Conselho consubstanciadas no Acórdão que, em recurso hierárquico, confirmou a deliberação do COJ que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão e no Acórdão que decidiu do pedido de aclaração e de nulidade do primeiro.

A questão a resolver é, pois, saber se as deliberações do CSM relativas a funcionários de justiça, nomeadamente, quanto a penas disciplinares, são impugnáveis na Justiça Cível (STJ) ou na Justiça Administrativa.
A questão já não é nova tendo sido decidida pelos Acs. deste TCAS de 12/03/98, Rec. 0755/98, de 19/02/98, Rec. 00357/97, de 08/01/98, Rec. 00367-A/97, de 22/05/03, Rec. 11952/03 e, mais recentemente, pelos Acs. de 06/10/11, Rec. 08008/11 e de 23/03/11, Rec. 07127/11., e ainda pelo STA, em vários Acórdãos, dos quais, a título de exemplo, se menciona o Ac. de 13/11/02, Rec. 01222/02, no qual se referem vários outros Acs. sobre a matéria e no sentido de ser competente o STJ.

Assim, pela sua actualidade e por se tratar de caso em tudo semelhante ao dos presentes autos, embora proferido em processo cautelar, passamos a citar alguns extractos do Ac. deste TCAS de 23/03/11, Rec. 07127/11, in www.dgsi.pt/:
«A CRP (art. 218º-3) dispõe:
A lei poderá prever que do Conselho Superior da Magistratura façam parte funcionários de justiça, eleitos pelos seus pares, com intervenção restrita à discussão e votação das matérias relativas à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça.
Daqui decorre que, para a CRP, o CSM tem competências quanto à apreciação do mérito profissional e ao exercício da função disciplinar sobre os funcionários de justiça (supõe-se que a CRP se refere só aos funcionários dos tribunais judiciais).
Como decorre do EFJ, só o faz em sede de recurso do decidido pelo COJ.
O tribunal a quo decidiu que a competência jurisdicional para sindicar a actuação nessa sede do CSM é dos tribunais judiciais, do STJ.
O recorrente considera que a competência jurisdicional sobre estas matérias é dos Tribunais administrativos.

Quantos aos TAFs, remetemos as partes para os arts. 212º-3 CRP (Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais) e arts. 1º e 4º do ETAF: os Tribunais administrativos são os tribunais comuns em matéria administrativa.
Os Tribunais judiciais, esses, são os tribunais comuns em matéria não administrativa (art. 211º-1 CRP: Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais).
Cumpre referir que se encontra hoje estabilizado na jurisprudência constitucional que a injunção constante do artigo 212.º, n.º 3, da Constituição, não consagra uma reserva material absoluta de jurisdição dos tribunais administrativos. Os pacificamente aceites nº 2 e 3 do art. 4º ETAF confirmam que as reservas de jurisdição constante dos arts. 211º-1 e 212º-3 CRP, afinal, não são absolutas, comportando derrogações pontuais (e justificadas), como é sabido.
Os fundamentos de uma tal proposição encontram-se bem elucidados no recente Acórdão n.º 218/07 do TC (disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
«(...) há que atentar, agora, no alcance de que se revestiu, na revisão constitucional de 1989, a par da consagração da jurisdição administrativa como uma jurisdição obrigatória (e não meramente facultativa, como até então ocorrera), a definição do âmbito material dessa jurisdição.
Como se referiu no acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 14 de Março de 1996, processo n.º 296 (Apêndice ao Diário da República, de 28 de Novembro de 1997, pág. 22, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 455, pág. 222, e Acórdãos Doutrinais, n.º 415, pág. 891):
“(...) face a essa norma (artigo 214.º, n.º 3, da Constituição, na redacção da revisão de 1989), já tem sido entendido não ser lícito ao legislador ordinário atribuir aos tribunais administrativos competência para julgar outras questões ou atribuir o conhecimento de questões de natureza administrativa a outros tribunais (cf. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra, 1993, pág. 814; cf. também RUI CHANCERELLE DE MACHETE, «A Constituição, o Tribunal Constitucional e o Processo Administrativo», em TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional, Coimbra, 1995, pág. 160). No primeiro sentido, cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10 de Maio de 1994, recurso n.º 32 422, que julgou inconstitucional, por violação do citado artigo 214.º, n.º 3, da Lei Fundamental, o n.º 1 do artigo 36.º do Regulamento do Serviço de Registo de Imprensa, aprovado pela Portaria n.º 640/76, de 26 de Outubro, que atribuía competência aos tribunais administrativos para conhecerem dos recursos das decisões que recusassem os registos ou determinassem o seu cancelamento, por se entender que tais decisões, visando essencialmente a defesa de direitos privados, não criam, modificam ou extinguem relações jurídicas administrativas. No segundo sentido, cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8 de Julho de 1993, recurso n.º 30 099, que julgou inconstitucional, por violação do mesmo artigo 214.º, n.º 3, as normas dos artigos 26.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, e 38.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 322/82, de 12 de Agosto, que atribuíam ao Tribunal da Relação de Lisboa competência para conhecer dos recursos dos actos relativos à atribuição, aquisição ou perda da nacionalidade portuguesa, por se haver entendido que estes actos são materialmente administrativos.
Não parece, porém, ser a melhor leitura do aludido preceito constitucional ver nele consagrada uma reserva material absoluta de jurisdição atribuída aos tribunais administrativos, no duplo sentido de que, por um lado, os tribunais administrativos só poderão julgar questões de direito administrativo, e de que, por outro lado, só eles poderão julgar tais questões.
Como refere JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE (Direito Administrativo e Fiscal, Lições ao 3.º Ano do Curso de 1995/96, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, págs. 10 a 12):
«A melhor doutrina (...) parece ser, no entanto, a que não lê o referido preceito constitucional como um imperativo estrito, contendo uma proibição absoluta, mas (em nosso juízo, sem sequer forçar o texto), como uma regra definidora de um modelo típico, susceptível de adaptações ou de desvios em casos especiais, desde que não fique prejudicado o núcleo caracterizador do modelo.

De facto, o preceito constitucional, introduzido na revisão de 1989, explica-se historicamente pela intenção de consagrar a ordem judicial administrativa como uma jurisdição própria, ordinária, e não como uma jurisdição especial ou excepcional em face dos tribunais judiciais, na linha da alteração do artigo 211.º, que deixou de considerar os tribunais administrativos como tribunais facultativos.
Assim, o preceito contém a mera definição da área própria (do âmbito-regra) da ‘nova’ ordem judicial administrativa e fiscal no contexto da organização dos tribunais, sem com isso pretender necessariamente estabelecer uma reserva material absoluta.
Dessa definição do âmbito-regra (que corresponde à justiça administrativa em sentido material) deriva para o legislador ordinário tão somente a obrigação de respeitar o núcleo essencial da organização material das jurisdições (...).
Mas só isso: não fica proibida a atribuição pontual a outros tribunais do julgamento (por outros processos) de questões substancialmente administrativas, sendo certo que essas ‘remissões’ orgânico-processuais (muitas delas tradicionais) podem ter justificações diversas, devendo, por isso, incluir-se na margem de escolha política e, portanto, de liberdade constitutiva própria do poder legislativo.
Por outro lado, aquele preceito serve ainda para delimitar o sentido da parte final do n.º 1 do artigo 213.º (continuado no artigo 66.º do Código de Processo Civil), que atribui aos tribunais judiciais uma competência jurisdicional residual, de modo que uma questão de natureza administrativa passa a pertencer à ordem judicial administrativa quando não esteja expressamente atribuída a nenhuma jurisdição(...).
Por fim, uma interpretação tão rigorosa implicaria a inconstitucionalização – ou, pelo menos, suscitaria dúvidas e questões sobre a constitucionalidade – de leis importantes e de práticas de longa tradição, designadamente em matéria de polícia judiciária, contra-ordenações e de expropriações por utilidade pública, uma revolução que só deveria operar-se se tivesse sido claramente assumida pela revisão constitucional.
Em resumo, o preceito constitucional visa apenas consagrar os tribunais administrativos como os tribunais comuns em matéria administrativa.»
(…)
Do exposto retira-se que, a par da possibilidade de o legislador ordinário atribuir pontualmente a tribunais não administrativos o conhecimento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, desde que tais “desvios” se mostrem providos de fundamento material razoável e desde que, pelo seu número ou importância, não esvaziem do seu âmago essencial a competência dos tribunais administrativos [entendimento este que tem sido adoptado pelo Tribunal Constitucional, designadamente nos Acórdãos nºs 746/96, 965/96, 347/97, 253/98 e 458/99], resulta da revisão constitucional de 1989 que a jurisdição administrativa passou a ser a jurisdição “comum” para o conhecimento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas: assim, enquanto anteriormente, nos casos em que não resultava expressamente da lei qual a jurisdição competente para decidir determinada causa, se entendia que eram competentes os “tribunais judiciais”, depois da revisão constitucional de 1989, não existindo norma legal a definir concretamente qual a jurisdição competente, há que indagar qual a natureza da relação jurídica de que emerge o litígio e, se se concluir que possui natureza administrativa, então impõe-se o reconhecimento de que competente é a jurisdição administrativa, como jurisdição “comum” para a apreciação dos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas.
Reiterando a formulação de JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE (A Justiça Administrativa, 8.ª edição, Coimbra, 2006, p. 114), o artigo 212.º, n.º 3, da CRP serve ainda para delimitar o sentido da parte final do n.º 1 do artigo 211.º da CRP (“os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”), continuado no artigo 66.º do Código de Processo Civil (“São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”), que atribui aos tribunais judiciais uma competência jurisdicional residual, de modo que uma questão de natureza administrativa passa a pertencer à ordem judicial administrativa quando não esteja expressamente atribuída a nenhuma jurisdição. É esta também a posição de SÉRVULO CORREIA (Direito do Contencioso Administrativo, I vol., Lisboa, 2005, p. 586), (…)”.
(…)

A Secção III do capítulo (autónomo) do EMJ destinado a “reclamações e recursos” contém o art. 168º (a que preexiste há décadas o art. 218º-3 da CRP):
«Artigo 168.º - Recursos
1 - Das deliberações do Conselho Superior da Magistratura recorre-se para o Supremo Tribunal de justiça.
…»

A competência do tribunal deve ser aferida pelos termos da relação jurídico-processual apresentada pelo autor – cfr. assim:
- Ac. do T. Conflitos de 25-1-2007, p. nº 19/06;
- Ac. do TCAS de 12-2-2009, p. nº 3501/08;
- Ac. do TCAS de 5-3-2009, p. nº 3480/08.

O requerente do processo cautelar ataca aqui uma decisão disciplinar do CSM.

O cit. art. 168º-1 EMJ (do capítulo XI) não se refere apenas a algumas decisões do CSM (órgão este referido noutro capítulo, o X; v. arts. 136º ss). Refere-se a todas as decisões (v. art. 9º CC), incluindo as residuais do art. 149º-m) EMJ.
Assim sendo, como é, tendo ainda presente o art. 218º-3 CRP, concretizado no novo art. 118º do EFJ (DL 343/99 actualizado; DL 96/2002), devemos concluir que a interpretação correcta do art. 168º-1 EMJ é a que foi feita no tribunal a quo: os Tribunais administrativos não detêm competência jurisdicional para julgar impugnações das deliberações do C.S.Mag., porque o art. 168º-1 EMJ a atribui expressamente ao STJ, adentro de uma flexibilidade consentida pela CRP ao legislador. (bold nosso).
Sufragando o entendimento do Acórdão ora citado, bem como dos demais mencionados, também no caso dos autos é competente o STJ, como o decidiu a sentença em recurso.

III – Pelo que, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo - se a sentença recorrida.