Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:10/22/2012
Processo:08872/12
Nº Processo/TAF:454/11.0BEPDL
Sub-Secção:2.º Juízo
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:CONTRA-ALEGAÇÕES DO M.ºP.º EM REPRESENTAÇÃO DO ESTADO.
INCOMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS EM RAZÃO DA MATÉRIA.
ACTOS LEGISLATIVOS DE NATUREZA POLÍTICA.
Observações:P.A. n.º 9/2011 (M.ºP.º - T.A.F. PONTA DELGADA); P.A. n.º 421/2011 (M.º P.º - T.C.A. SUL).
Texto Integral:Procº nº 08872/12

2º Juízo-1ª Secção

Acção Administrativa Comum

Recurso extraordinário de revista

Contra-alegações do M.P. em representação do Estado


Venerandos Juízes Conselheiros do

Supremo Tribunal Administrativo


A Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul ( TCAS), vem nos autos supra referenciados em que litiga em representação do Estado, apresentar as suas contra-alegações referentes ao recurso extraordinário de revista que o Autor, Município da Horta, interpôs do acórdão deste Tribunal que negou provimento ao recurso jurisdicional, também interposto pelo Autor, da sentença que considerara os tribunais administrativos incompetentes em razão da matéria para apreciar e decidir a presente acção, na sequência da excepção invocada pelo Estado na sua contestação.

I. Introdução

1.Está em causa nesta acção, um pedido de indemnização ao Estado, formulado nos termos do nº1, do artº 15º, do “Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas”, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31-12, no montante de 945.549,78 €, acrescidos de juros de mora contados desde a data da citação até ao integral pagamento, pelos danos causados ao Autor por aquele não ter inscrito nas Leis do Orçamento do Estado para 2009 ( Lei nº 64-A/2008, de 31-12), para 2010 ( Lei nº3-B/2010, de 28-4 ) e para 2011 ( Lei nº55-A/2010, de 31-12), as despesas relativas às transferências financeiras que lhe caberiam, nos termos do artº 10º nº1 alínea d) e 25º nº1, ambos da Lei nº 2/2007, de 15-1, respeitantes ao direito previsto na alínea c) do nº1 do artº 19º da mesma Lei.

2.O douto acórdão recorrido considerou que a omissão em causa, decorrente de não ter sido inscrita, nos Orçamentos de Estado relativos aos anos de 2009, 2010 e 2011, os montantes das transferências financeiras correspondestes à receita municipal prevista na alínea c) do nº1 do artº 19 da LFL, é da responsabilidade da Assembleia da Republica que detém a respectiva competência legislativa exclusiva nos termos da alínea r) do artº 164º da CRP.

Assim, decidiu este acórdão que o acto omissivo em causa, com carácter político-legislativo, está expressamente excluído da apreciação dos tribunais administrativos por força da alínea a) do nº2 do artº 4º do ETAF.

Nestes termos e com estes fundamentos, manteve a decisão da primeira instância que julgando procedente a excepção invocada pelo Estado, declarou a incompetência em razão da matéria do TAF de Ponta Delgada para decidir a presente acção.

3.Não se conformou, porém, o Município da Horta com o citado acórdão do TCAS, do mesmo vindo interpor o presente recurso de revista, essencialmente com o fundamento de que a alínea a), do nº2, do artº 4º, do ETAF, não exclui, no seu entender, da competência dos tribunais administrativos, a apreciação de acções fundadas na responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício das função político – legislativa, antes a prevê na alínea g) do nº1 do artº 4º do ETAF.

E isto acontece em particular, quando a correspondente pretensão indemnizatória se funda em facto ilícito consubstanciado na adopção de actos normativos ( Leis do Orçamento do Estado para 209, 2010 e 2011), desconformes com os parâmetros normativos de valor reforçado ( Constituição da República Portuguesa e Lei de Enquadramento Orçamental)

Mais defende que este tipo de acção está previsto no artº 15º, da Lei nº 67/2007, pelo que, a recusa de ver efectivada a tutela indemnizatória pelos lesados, violaria o princípio da tutela jurisdicional efectiva. Além disso, o nº2 do artº 15º permite a possibilidade dos tribunais administrativos se pronunciarem sobre a inconstitucionalidade de diplomas que venha a ser invocada como fundamento da acção, ao contrário do que decidiu o acórdão recorrido.

Considera, assim, violados, pelo acórdão recorrido, o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no artº 20º da CRP, bem como os artºs 664º do CPC e 4º nº1 alínea g) e 5º nº1 do ETAF.

II - Inadmissibilidade da acção

4.Segundo o recorrente, a controvérsia gerada nesta acção ultrapassa os limites da situação concreta já que, por detrás de uma pretensão indemnizatória formulada ao abrigo do artº15º, da Lei nº 67/2007, sempre estarão actos praticados no exercício da função político-legislativa excluídos da jurisdição administrativa. E, por outro lado, a questão decidenda reveste-se de inequívoca relevância jurídica e social, sendo que se impõe uma melhor aplicação do direito, uma vez que a decisão recorrida colide frontalmente com o estabelecido na alínea g), do nº1, do artº 4º, da LPTA.

Afigura-se-nos, porém, que não terá razão.

5.De facto, a questão controvertida não tende a generalizar-se de tal modo que seja necessário estabelecer jurisprudência sobre a mesma. E isto porque a situação controvertida, pelas suas características dificilmente será diferente das demais que futuramente cheguem aos tribunais.

6.Além disso, a questão não se reveste de especial relevância jurídica ou social e não é de especial complexidade ou dificuldade.

7.Por outro lado, a decisão tomada não se pode considerar errada por lapso ou manifesta ilegalidade, antes se apresenta como uma decisão senão clara e inequivocamente conforme com a lei ( por esta não se apresentar totalmente isenta de controvérsia), pelo menos perfeitamente plausível à luz de uma determinada interpretação doutrinária e jurídica.

Assim, parece-nos salvo melhor opinião, que não será admitir o presente recurso de revista sob pena de o mesmo deixar de se apresentar como extraordinário, para ter como objecto normais questões que sempre aparecem nos tribunais para resolver.

III - Do recurso de revista

8. Caso se considere de admitir o presente recurso de revista, deverá o mesmo improceder uma vez que o acórdão recorrido fez correcta aplicação da lei ao caso vertente, conforme tentaremos demonstrar.

9. Antes do mais importa referir que para efeitos de aferir da competência em razão da matéria dos tribunais administrativos é irrelevante a discussão sobre se se está perante a omissão de uma providência legislativa ( não inscrição de uma obrigação legal, neste caso, da participação variável de 5% no IRS pago pelos munícipes recenseados no Município da Horta), ou se se está perante a prática de um acto legislativo traduzido em um Orçamento do Estado ilegal, por ter omitido essa participação.

E isto porque em qualquer dos normativos aplicáveis para aferir dessa competência, não se faz qualquer distinção entre acções e omissões.

10. Posto isto, cabe somente apreciar se estamos perante um caso de impugnação de actos politico-legislativos ilegais, ou se estamos perante uma acção de responsabilidade civil em que não existe essa impugnação directa mas indirecta, a título de pressuposto da responsabilidade civil.

E isto porque, neste caso, a lei parece fazer distinção entre um e outro caso.

11. Assim, nos termos da alínea c), do nº2, do artº 4º, do ETAF, está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa( destaque nosso).

E nos termos da alínea g) do nº1 do mesmo artigo, compete aos tribunais administrativos a apreciação de litígios que tenham nomeadamente como objecto, questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa( destaque nosso).

12. Destes dois normativos decorre que não pertence aos tribunais administrativos conhecer da impugnação de actos praticados no exercício de “funções políticas”, nem da propositura de acções para efectivação da responsabilidade civil, resultante do exercício de funções políticas.

13. Assim, afigura-se-nos que as acções para efectivação da responsabilidade extracontratual decorrente de funções de natureza política, caso se considere esta incluída no nº1 do artº 15º da Lei nº 67/2007, mas apenas no caso de danos sofridos por particulares, deverão - se por mera hipótese forem sindicáveis - ser instauradas nos tribunais comuns.

Está, assim, assegurada, deste modo, a tutela jurisdicional efectiva.

14. Importa, ainda, para efeitos de resolução da questão concreta suscitada, aferir se estamos perante um acto (ou omissão) de natureza política, ou de natureza legislativa, uma vez que a alínea g), do nº1, do artº 4º, do ETAF, ao definir a competência contenciosa dos tribunais administrativos em matéria de responsabilidade civil do Estado, passou a referir-se à responsabilidade resultante do exercício da função legislativa e não já da função política e legislativa, como constava da redacção originária do preceito (cfr “Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas” Anotado de C.A. Fernandes Cadilha, pág 243) .

Quanto a nós, a omissão em causa, na medida em que se traduz na não atribuição de dinheiros do Estado às Autarquias Locais, numa relação financeira interna entre órgãos do Estado, sem qualquer repercussão directa nos direitos e interesses dos cidadãos, tem a natureza de uma opção de política económico-financeira sendo, como tal, excluída, tanto da alínea g) do nº1 do artº 4º como do nº1 do artº 15º da Lei 67/2007.

A inscrição ou não de uma verba, no projecto de lei do Orçamento do Estado, é um acto político, e não um acto administrativo ( cfr, neste sentido, o acórdão do STA de 18-12-2002, in procº nº 19.036)-.

Atente-se que, nos termos do último dispositivo citado, o Estado apenas é responsável civilmente por danos anormais causados aos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o que não é, seguramente, o caso dos autos, em que está apenas em causa o interesse económico de um ente público, neste caso, do Município da Horta.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, in Direito Administrativo I Vol, pág 9, “… em geral, os actos políticos não se projectam de modo directo e imediato, sobre os cidadãos, mas repercutem-se apenas no âmbito das relações internas ( no funcionamento do sistema do Governo ou nas relações deste com outros órgãos de soberania) …”

Por outro lado, para que seja aplicável o nº1 do artº 15º citado, à violação de normas constitucionais ou de valor reforçado deverá corresponder cumulativamente a susceptibilidade de lesão de posições jurídico-substantivas de interessados particulares ( cfr C.A. Fernandes Cadilha,in obra citada, pág 249).

Ora, no caso vertente, o eventual sancionamento do Governo e da Assembleia da República, pela não inscrição das verbas a transferir nos Orçamentos de Estado citados, é meramente de natureza política, e os danos daí decorrentes só podem afectar a autarquia que deixou de receber essa verba e não os particulares ou entidades privadas ( o que aliás nem vem referido).

Assim, não se verificam os pressupostos que determinariam a competência dos tribunais administrativos para apreciar o pedido de indemnização em análise, pelo que o acórdão recorrido não merece a censura que lhe vem assacada pelo recorrente.

Deverá assim, salvo melhor opinião, esse Alto Tribunal negar provimento ao presente recurso jurisdicional, caso considere que o mesmo é de admitir.

IV - Em conclusão:

1. Está sob apreciação o recurso extraordinário de revista que o Autor, Município da Horta, interpôs do acórdão deste Tribunal que negou provimento ao recurso jurisdicional, também interposto pelo Autor, da sentença que considerara os tribunais administrativos incompetentes em razão da matéria para apreciar e decidir a presente acção, na sequência da excepção invocada pelo Estado na sua contestação.
2. Está em causa nesta acção, um pedido de indemnização ao Estado, representado pelo M.P., formulado nos termos do nº1, do artº 15º, do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº 67/2007, de 31-12, no montante de 945.549,78 €, acrescidos de juros de mora contados desde a data da citação até ao integral pagamento, pelos alegados danos causados ao autor por não inscrição nas Leis do Orçamento do Estado para 2009 ( Lei nº 64-A/2008, de 31-12), para 2010 ( Lei nº3-B/2010, de 28-4 ) e para 2011 ( Lei nº55-A/2010, de 31-12), das despesas relativas às transferências financeiras que lhe caberiam, nos termos do artº 10º nº1 alínea d) e 25º nº1, ambos da Lei nº 2/2007, de 15-1, respeitantes ao direito previsto na alínea c) do nº1 do artº 19º da mesma Lei.
3. Parece-nos salvo melhor opinião, que não será admitir o presente recurso de revista, sob pena de este tipo de recursos deixar de se apresentar como extraordinário para ter como objecto normais questões que sempre aparecem nos tribunais para resolver.
4. De facto, a questão controvertida, porque muito específica, não tende a generalizar-se de tal modo que seja necessário estabelecer jurisprudência sobre a mesma.
5. Além disso, a questão não se reveste de especial relevância jurídica ou social, não é de especial complexidade ou dificuldade e não se pode considerar errada por lapso ou manifesta ilegalidade, antes se apresenta como uma decisão senão totalmente evidente, pelo menos perfeitamente plausível à luz de uma determinada interpretação doutrinária e jurídica.
6.
7. Se o presente recurso for recebido, não deverá, contudo, merecer provimento.
8. A omissão em causa, na medida em que se traduz na não atribuição de dinheiros do Estado às Autarquias Locais, numa relação financeira interna entre órgãos do Estado, sem qualquer repercussão directa nos direitos dos cidadãos, tem a natureza de uma opção de política económico-financeira e, como tal, está excluída tanto da alínea g), do nº1, do artº 4º, do ETAF, como do nº1, do artº 15º, da Lei 67/2007.
9. De resto, para que fosse aplicável o nº1 do artº 15º citado, ao caso vertente, à invocada violação de normas constitucionais ou de valor reforçado teria que corresponder, cumulativamente, a susceptibilidade de lesão de posições jurídico-substantivas de interessados particulares.
10.No caso vertente, apenas foram invocados danos para o Município da Horta aliás equivalentes ao montante da verba não recebida.
11.A inscrição ou não de uma verba, no Orçamento do Estado, é um acto político, e não um acto administrativo.
12.Nos termos da alínea c) do nº2 do artº 4º do ETAF, está nomeadamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa.
13.Nos termos da alínea g) do nº1 do mesmo artigo, compete aos tribunais administrativos a apreciação de litígios que tenham nomeadamente como objecto, questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa( destaques nosso).
14.Destes dois normativos decorre que não pertence aos tribunais administrativos conhecer da impugnação de actos praticados no exercício de funções políticas, nem da propositura de acções para efectivação da responsabilidade civil, resultante do exercício de funções políticas.
15.São, assim, os tribunais administrativos incompetentes em razão da matéria para apreciar e decidir a presente acção.
16.Nestes termos, não violou o douto acórdão recorrido qualquer dos dispositivos legais invocados pelo recorrente pelo que deverá o mesmo ser mantido, negando-se provimento ao presente recurso jurisdicional, caso o mesmo seja recebido.

Assim decidindo, farão Vossas Excelências, a costumada

JUSTIÇA!



A Procuradora – Geral Adjunta

Maria Antónia Soares