Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:10/18/2011
Processo:07964/11
Nº Processo/TAF:00254/07.1BEFUN
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:PROV. CAUT. SUSPENSÃO EFICÁCIA.
DUP.
Data do Acordão:11/17/2011
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos arts. 146º nº 1 e 147º do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pelos então Requerentes, da sentença proferida, a fls. 207 e segs., pelo TAF do Funchal, que indeferiu os pedidos formulados na presente providência cautelar, por julgar como não provados os pressupostos das als. a) e b) do nº 1 do art. 120º do CPTA.

Igualmente vem interposto recurso pelos mesmos recorrentes do despacho de fls. 272 que indeferiu a declaração de nulidade processual dos actos posteriores à dedução do incidente de aclaração da sentença deduzido pela Requerida Região Autónoma.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, os recorrentes imputam à sentença em recurso violação do art. 118º nº 3 do CPTA, nulidade das als. b) e c) e d) (e não, quanto a esta última, al. a) e e) como, certamente, por lapso é indicado) do nº 1 do art. 668º do CPC e violação das als. a) e b) do nº 1 do art. 120º do CPTA.

Mais imputam ao despacho recorrido, nas conclusões das alegações de recurso deste último, violação dos arts. 670º nº 4 e 201º do CPC.

As Entidades recorridas não apresentaram contra - alegações de recurso.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados com interesse para a decisão e com base na prova documental, os factos constantes das alíneas A) a E), do ponto II. 1., de fls. 208 e 211, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

III – Apreciando o recurso da sentença.

A – Quanto à invocada violação do art. 118º nº 3 do CPTA.

Fundamentam os recorrentes tal violação no facto do tribunal a quo não ter inquirido as testemunhas por eles arroladas, de modo a que lhes fosse concedida a possibilidade de demonstrar a matéria trazida aos autos nos arts. 58º, 59º, 70º e 71º do seu RI.
Na sentença recorrida, a fls. 208, o Mmº Juiz a quo decidiu «Os documentos juntos aos autos pelas partes e não impugnados permitem enquadrar a matéria factual pertinente ao julgamento da causa, pelo que se considera não ser necessário efectuar outras diligências de prova.».

O art. 118º nº 3 do CPTA ao determinar que « Juntas as contestações … o processo é concluso ao juiz, que pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias.», está sem dúvida a permitir o indeferimento pelo juiz dos requerimentos dirigidos à produção de prova, desde que esta prova apresentada seja considerada desnecessária, por do processo já constarem todos os elementos necessários à decisão.

No caso dos autos, nos arts. 70º e 71º do r.i. invocados pelos recorrentes, estes apenas fazem apelo a uma situação de facto consumado, pela execução da realização de vistoria, autorização da posse administrativa e da irreversibilidade depois de terraplanado ou feito o acesso, dos AA. ao seu prédio como o têm na presente data, lesivo do seu direito de propriedade, não tendo sido alegados quaisquer outros prejuízos de difícil ou impossível reparação.

Ora, tais actos, são a sequência normal do acto suspendendo, caso o não seja, os quais tendo em conta o disposto no art. 514º do CPC, sempre tornam dispensável a referida prova testemunhal.

Pelo que, a nosso ver, inexiste violação do disposto no art. 118º nº 3 do CPTA.

B – Quanto às invocadas nulidade das als. b) e c) do nº 1 do art. 668º do CPC, por falta de especificação dos fundamentos de facto e contradição entre o teor da p. 2 e o elenco dos factos considerados demonstrados.

Fundamentam os recorrentes tais nulidades por o Mmº Juiz a quo não ter elencado os factos referidos nos arts. 58º, 59º, 70º e 71º do seu r.i. e, segundo se nos afigura, por perante o Mmº Juiz a quo ao ter considerado desnecessário efectuar outras diligências por considerar bastantes os documentos juntos e não impugnados para a decisão da causa “contraditoriamente” não ter elencado na matéria assente aqueles factos.

Todavia, não assiste razão aos recorrentes já que tais razões invocadas não constituem qualquer nulidade.

Na verdade, como é consabido só existe a nulidade da al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC «apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão; a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível (…).» (cfr. Ac. TCAS de 13/01/2005, Rec. 12487/03).

Ora, no caso em apreço, a sentença recorrida, não padece da referida nulidade já que não existe uma falta absoluta de fundamentação, aliás nem absoluta nem relativa, uma vez que a sentença fundamentou quer de facto quer de direito a sua decisão.

Por outro lado, inexiste qualquer contradição entre o despacho que determinou a não realização de outras diligências instrutórias e o elenco dos factos dados como provados, já que os factos a que se reportam os arts. 58º e 59º do r.i. são conclusivos e integram matéria de direito e os descritos nos arts. 70º e 71º são sequência necessária do procedimento do acto suspendendo.

Além de que a nulidade prevista no artº 668º nº1 al. c) do CPC – oposição entre os fundamentos e a decisão – só se verifica quando os fundamentos, quer de facto quer de direito, invocados pelo juiz devam, logicamente, conduzir ao resultado oposto ao que é expresso na sentença.

O que não é o caso.

Outra questão é saber se houve ou não erro de julgamento no que se refere ao periculum in mora, o que não implica a imputada nulidade da sentença.

Pelo que, a nosso ver, improcedem aquelas alegadas nulidades.

C – Quanto à imputada nulidade por omissão de pronúncia da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC.

Alegam os recorrentes existir tal nulidade por a sentença recorrida não ter apreciado concreta e especificamente de cada um dos vícios imputados ao acto suspendendo.
Conforme é jurisprudência corrente «A nulidade de omissão de pronúncia estabelecida na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, verifica-se quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar, devendo apreciar as questões que lhe foram submetidas que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma).

Ora, na sentença recorrida, o Mmº juiz a quo – após analisar conceptualmente o disposto nas als. a) e b) do nº 1 e no nº 2 do art. 120º do CPTA – enumerou os vícios imputados ao acto suspendendo pelos ora recorrentes no seu r.i. concluiu, não sem antes citar um Acórdão deste TCAS, sobre o conceito de “evidente procedência da pretensão formulada”, que:
«Nesse sentido e tendo presente os pertinentes factos e bem assim o conjunto alegatório imputador de viciação do acto em crise, não se mostra evidente a procedência da pretensão formulada no processo principal, designadamente por não estar em causa, em nosso entendimento, um acto manifestamente ilegal.
Basta atentar nos argumentos que o Requerido carreia para se verificar quão verosímeis se apresentam, no plano da solução interpretativa no caso concreto, em oposição aos argumentos dos Requerentes, aliás com proposta de interpretação da matéria igualmente verosímil nesse plano, a indicar precisamente a existência de pluralidade de soluções plausíveis, longe da evidência da manifesta ilegalidade, no caso, que a lei reclama…e que só apurado e aprofundado exercício dirimente em sede adequada à profundidade dessa exegese, ou seja, na respectiva acção principal, será possível determinar, com grau de certeza decisiva.
(…)
Assim sendo, e numa apreciação perfunctória, por esta via não vislumbra manifesta ilegalidade no despacho suspendendo, nem por esta ou outra via se mostra evidente a procedência da pretensão formulada.»

Quer dizer, o Mmº Juiz a quo, numa apreciação perfunctória das questões invocadas pelo ora recorrente, que enumerou, considerou que se estava perante matéria controversa, discutível, que não se compadecia com uma análise perfunctória e sumária característica das providências cautelares.

Com efeito, na providência cautelar a apreciação do fumus boni iuris obedece a juízo de prognose ou de probabilidade que pressupõe uma cognição sumária da situação de facto e de direito, não podendo, nem devendo, a providência cautelar substituir - se à acção principal, nem comprometer ou antecipar o juízo de fundo que, nesta última, caberá formular (cfr. Mário Aroso de Almeida in “Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 256).

Ora, tal como se afirma no Ac. STA de 22/10/08, Rec. 0396/08 « As situações a enquadrar no artº 120º, nº 1, a) do CPTA, designadamente no conceito de acto manifestamente ilegal, não devem oferecer quaisquer dúvidas quanto a essa ilegalidade que, assim, deve poder ser facilmente detectada, face aos elementos constantes do processo e pela simples leitura e interpretação elementar da lei aplicável, sem necessidade de outras averiguações ou ponderações. Na verdade, o que é manifesto, é líquido, salta à vista, não oferece dúvida.».

Daí que, no caso em apreço, o Mmª Juiz a quo não tivesse de analisar em concreto da existência ou não de cada um dos vícios assacados ao acto suspendendo, pois, tratando - se de questões controversas e discutíveis, face aos argumentos aduzidos pelas partes, a necessitar de demonstração e de ponderação aprofundada de direito, a sua apreciação e resolução deverá ter lugar na acção principal.

Assim, que também improceda a alegada nulidade por omissão de pronúncia.

D – Quanto à invocada violação das als. a) e b) do art. 120º do CPTA.

Relativamente à violação da al. a) da mencionada disposição legal, a mesma improcede a nosso ver, pelos motivos ora expostos no que se refere à nulidade por omissão de pronúncia.

Relativamente à al. b) do mencionado art. 120º do CPTA, o Mmº Juiz a quo depois de concluir que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal, entendeu que os Requerentes não carrearam para a causa de pedir factos que permitissem ponderar e concluir pelo fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar na causa principal, isto é, considerou não verificado o periculum in mora.

Como atrás já referido, os recorrentes apenas invocaram em termos de periculum in mora, a violação do seu “direito fundamental de propriedade” pela irreversibilidade depois de terraplanado ou feito o acesso, dos AA. ao seu prédio como o têm na presente data.

Todavia, como tem sido afirmado pela jurisprudência, «o direito de propriedade não é um direito absoluto, podendo comportar limitações, restrições ou condicionamentos, particularmente importantes no domínio do urbanismo e do ordenamento do território, em que o interesse da comunidade tem de sobrelevar o do indivíduo» (cfr. Ac. STA de 02.10.2008, Rec. 0904/07, in www.dgsi.pt).

Ainda, no Ac. do STA de14.10.2003, Rec. 0424/02 se expende: «o direito de propriedade privada, nos termos previstos no artº 62°/1 da Constituição da República Portuguesa, só tem natureza análoga aos direitos fundamentais, enquanto categoria abstracta, entendido como direito à propriedade, ou seja, como susceptibilidade ou capacidade de aquisição de coisas e bens e à sua livre fruição e disponibilidade, e não como direito subjectivo de propriedade; isto é, como poder directo, imediato e exclusivo sobre concretos e determinados bens direito, pelo que tal direito, como de resto todos os direitos fundamentais, não é absoluto nem ilimitado, sofrendo restrições resultantes quer dos seus limites imanentes, quer da colisão com outros direitos, quer ainda de leis restritivas.
(…) um acto expropriativo (concretamente destinado à implementação de um plano de urbanização, como sucede no caso) não atenta contra a garantia da propriedade privada, consagrada no artº 62°, nº 2 da CRP, uma vez que tal garantia está assegurada, nos casos de expropriação por utilidade pública, como é o caso, pelo pagamento ao expropriado de justa indemnização.» (bold nosso).

É também o caso em apreço, já que a proceder a acção ou seria reconstituída a situação existente com a devolução do prédio aos recorrentes ou, sempre, no caso de já não ser possível tal devolução, teriam os mesmos direito à correspondente indemnização.

Aliás, note - se que nem sequer está em causa qualquer habitação dos recorrentes construída no local, mas apenas se trata de uma parcela de um terreno rústico.

Ora, não tendo sido alegados quaisquer outros prejuízos ou factos que eventualmente pudessem advir da execução do acto suspendendo, consubstanciadores do periculum in mora, que, tal como o entendeu a sentença recorrida, não se possa dar como verificado o periculum in mora.

Pelo que, em nosso entender a sentença recorrida não tenha violado o disposto na al. b) do nº 1 do art. 120º do CPTA.

IV – Relativamente ao recurso interposto do despacho de fls. 272.

Desde já aquele despacho recorrido não nos merece qualquer censura pelos fundamentos nele exarados, para os quais remetemos por com eles estarmos em consonância e por economia expositiva.

Aliás, de acordo com o CPC, na redacção do DL nº 303/2007 de 24/08, aplicável aos presentes autos, o art. 686º foi revogado, pelo que o prazo de interposição de recurso da sentença sempre se conta a partir da notificação desta, inexistindo qualquer erro na liquidação da multa ao abrigo do art. 145º nº 6 do CPC.

V – Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos, mantendo - se a sentença e despacho recorridos.