Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:10/14/2014
Processo:11105/14
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 1.ª SECÇÃO
Magistrado:José Manuel Ribeiro Martins
Descritores:ESTACIONAMENTO DE VEÍCULO EM LOCAL CONCESSIONADO;
RECURSO DE REVISTA PARA O STA;
TRIBUNAL DE CONFLITOS;
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS.
Texto Integral:Processo nº 11.105/14
2º Juízo – 1.ª Secção – Contencioso Administrativo

EXCELENTÍSSIMOS SENHORES JUIZES CONSELHEIROS
DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

CONTRA-ALEGAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM REPRESENTAÇÃO DO RÉU CITADO EDITALMENTE



Por douto Acórdão do colectivo de Juízes Desembargadores da secção administrativa deste TCA, proferido nos autos de recurso n.º 10511/13 e ao abrigo do artigo 48.º, n.º 5, do CPTA, foi o Réu absolvido da Instância e julgada procedente a excepção dilatória de Incompetência do Tribunal em razão da matéria, tendo o recurso sido julgado improcedente.

A requerente “D…, S.A.”, recorre do douto Acórdão, alegando em síntese:

a) A excepção de incompetência absoluta não devia ter sido julgada procedente, quando a questão subjacente nos presentes autos foi discutida amplamente nos Tribunais Judiciais e foi confirmada pelo Acórdão n.º 05/10, de 09.06.2010 do Tribunal de Conflitos;
b) O pedido fundamenta-se em concessão de contrato celebrado com o Município de P..., segundo o qual ficam os utilizadores obrigados ao pagamento de um montante que varia consoante o tempo de utilização;
c) Esse montante é fixado pela Recorrente, e não pela autarquia, encontrando-se afixados nos locais por si explorados;
d) Nos termos do referido contrato de concessão ficou a recorrente obrigada a respeitar o Regulamento de Estacionamento de Duração Limitada, sem que tenham sido transferidos para a Recorrente qualquer autoridade ou dever público;
e) Apesar da concessão de contratos, tal como proclama o Tribunal de Conflitos no referido Acórdão, ser considerada uma relação administrativa, a verdade é que a relação estabelecida entre a Recorrente e o particular constitui uma relação jurídica que se funda no facto de lhe disponibilizar um serviço e este ficar obrigado a pagar à Recorrente a contraprestação pelo serviço prestado;
f) E esta contraprestação não pode ser confundida com taxas ou tributos cobrados por uma qualquer edilidade pública, até porque é a própria Recorrente quem fixa os valores pelo tempo de utilização, sem qualquer intervenção do Município de P...;
g) Os dois contratos de concessão celebrados com a Recorrente foram precedidos de concurso público, nos termos dos quais lhe foi adjudicada a concessão, exploração, gestão e manutenção de um parque de estacionamento, bem como a instalação e exploração dos parquímetro sendo da responsabilidade da Câmara a definição dos lugares de estacionamento e de instalação dos parquímetros, a instalação e conservação da sinalização vertical e horizontal necessária ao objecto da concessão;
h) Citando o referido Acórdão afirma-se no mesmo que tais contratos, atenta a veste em que neles intervém o Município de P..., isto é atendendo à concessão descrita, subsumem-se ao conceito de contratos administrativos e ter-se-ão de considerar contemplados na primeira parte da al. f), do n.º 1, do artigo 4.º do ETAF;
i) A sua pretensão emerge de uma relação jurídico-administrativa tendo por objecto a execução de um contrato que as partes submeteram a um regime substantivo de direito público, pelo que, não restam dúvidas de que os Tribunais competentes para conhecer da presente acção são os Tribunais Administrativos.

QUESTÃO PRÉVIA

A recorrente não invoca quaisquer motivos para que o recurso em apreço possa vir a ser objecto de apreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo nos termos do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA.

O recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo tem natureza excepcional, e só é admissível “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamentar ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
A excepcionalidade deste recurso tem sido reiteradamente sublinhada pela jurisprudência do STA, referindo que só pode ser admitido nos estritos limites fixados naquele preceito.

A intervenção do STA é considerada justificada apenas em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador.

Para tanto deveria a Recorrente ter aduzido as razões para que, em seu entender, o recurso possa ser admitido e não o fez, e é sobre a mesma que impende o ónus de o demonstrar – artigos 627º n.º 2, 684º n.º 1 (in fine) e 2, e 639º n.º 1 do CPC, subsidiariamente aplicável – Cfr. Acórdão do STA de 16-01-2013, 01060/13.

As questões suscitadas pelo recorrente não se assumem, salvo o devido respeito e melhor opinião, qualquer relevância jurídica ou social, pelo menos fora deste processo, nem foi invocado ou existe qualquer erro clamoroso de aplicação da lei aos factos que implique uma decisão diferente da que foi tomada por este TCAS.

É numerosa a jurisprudência desse Venerando Tribunal que se tem pronunciado sobre os referidos pressupostos necessários à admissibilidade deste tipo de recurso jurisdicional (cfr. também, a título de exemplo, o Ac. proferido em 07-12-11, no Proc. nº 01033/11, no qual se esclarece «... a intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância sob pena de se generalizar este recurso de revista o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins obtidos em vista pelo Legislador (cfr., a “Exposição de Motivos”, do CPTA...» - cfr também o Ac. de 22/03/07, Recº. 0217/07, e também os Acs. do STA de 24-10-2013, Recº. N.º 01287/13 e, de 12-09-2013, Recº. n.º 01129/13).

Aliás, esse Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou expressamente sobre situações semelhantes àquela que agora se discute, sendo o caso do Acórdão proferido em sede do Processo nº 1129/13, de 12 Setembro 2013, sendo relator o Senhor Conselheiro Rosendo José.

Assim, não é de se entender que se impõe a intervenção desse mais alto Tribunal e órgão de soberania, da cúpula da justiça administrativa, nem se mostram preenchidos os pressupostos que condicionam a admissão do recurso de revista.
Pelo que o recurso deve ser rejeitado por não obedecer aos requisitos previstos no referido preceito, mas V.ªs Ex.ªs melhor decidirão.

Não sendo assim entendido sempre se dirá:
QUANTO AO MÉRITO DO RECURSO DE REVISTA

Não assiste claramente qualquer razão à ora recorrente, como se demonstrará.

Efectivamente,

A recorrente interpôs acção administrativa comum sob a forma sumaríssima contra o Réu A…, pedindo que o mesmo seja condenado a pagar a importância de € 454.08, acrescida de juros de mora.

Para o efeito fundamentou-se nos seguintes factos:
Detém a exploração, gestão e manutenção dos estacionamentos de P..., mediante contratos de concessão celebrados com o Município de P....

O Réu, na referenciação temporal indicada nos Autos, vem estacionando o seu veículo, melhor id. nos Autos, nos vários parques que a Autora explora sem proceder ao pagamento do tempo de utilização, conforme regras devidamente publicitadas no local.
Tal como consta dos avisos colocados nos lugares de estacionamento a A. tem direito a cobrar uma taxa, que durante o ano de 2005 até 30 de Setembro de 2006 era no valor de € 5,40, e que a partir de 1 de Outubro de 2006 passou a ser de €6,60.

O Réu foi citado editalmente.

Ora,

A competência material dum Tribunal constitui um pressuposto processual, sendo apreciada em função do pedido formulado e da causa de pedir em que o mesmo se alicerça, não dependendo da legitimidade das partes ou da procedência ou não da acção.
Preceitua o artigo 4.º, n.º 1, do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/02, que compete à jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios que tenham, nomeadamente por objecto:
“b) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração;

e) Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público;

f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público”.

Por outro lado,

Consagra também ainda o artigo 212.º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, vindo a sua competência a ser concretizada no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais”.
O fundamento do pedido no litígio em apreço, embora possa referenciar-se genericamente pelo âmbito da previsão destas três alíneas do citado artigo 4.º do ETAF, reporta-se a uma situação mais específica do que as previstas nas referidas normas, pois que emerge claramente de uma relação jurídica tributária.

E enquadra mais especificamente no âmbito da competência dos Tribunais Tributários, prevista no art.º 49.º, n.º 1, al. c), do ETAF.

É inquestionável que a Autora, ora recorrente, é uma sociedade anónima de direito privado, concessionária do serviço público de cobrança das taxas pela utilização de zonas de estacionamento equipadas com parquímetro, condicionada e de acordo com os artigos 24° e 25° do Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de P..., publicado no DR, II série, de 2004.06.01, n° 128, apêndice 71/2004 e aprovado em 27.4.04, pela Assembleia Municipal do Município de P..., vigente no período mencionado na Petição Inicial.

Sem dúvida que a relação que se estabelece entre a ora Recorrente e o Município de P... é um Contrato administrativo, regulado pelo direito administrativo, mediante o qual o estabelecida uma relação jurídica de direito administrativo.

E nestes termos, seriam necessariamente competentes os tribunais administrativos para dirimir os litígios resultantes da execução do referido contrato subjacente ou os decorrentes da invalidade total ou parcial do mesmo (alínea f) do nº 1 do artº 4º do ETAF e artigos 37º e 40º do CPTA).

Todavia, a situação concreta em apreço nos autos é completamente diversa.

É que

A relação que se estabelece entre a concessionária e o particular que utiliza os parques de estacionamento, objecto da concessão, não reveste a mesma natureza.

Não restam dúvidas de que a Autora não atua como qualquer particular numa comum relação de direito privado, não sendo manifestamente esta a situação em apreço nos autos, pois que agiu no âmbito de normas de interesse e ordem públicos.

O litígio emergente dos actos descritos na Petição Inicial, embora recaia genericamente na esfera de competência da jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais (art. 1.º, n.º 1 do ETAF), é da competência da jurisdição tributária.

Pois que a questão jurídica em apreciação diz respeito, no essencial, ao pagamento da taxa de estacionamento prevista para o parqueamento de veículos por período de tempo limitado, pelo que está em causa uma relação jurídica de natureza tributária entre a Autora e um particular e não uma relação jurídica administrativa entre esta e a Autarquia (como também se refere no recente Ac. do TCAS, de 9 Outubro 2014, e como também se refere no TCAS de 10 Outubro 2013, Rec. n.º 09702/13: “… A recorrente confunde duas relações jurídicas diferentes: a que existe entre ela e entidade pública que lhe fez a concessão e a que está na base desta AAC e vem descrita na p.i. A primeira é administrativa, como é óbvio e foi referido no citado ac. do T. de Conflitos; a segunda é tributária, pois diz respeito a taxas municipais (vd. art. 3º LGT) devidas pelo A. por causa do estacionamento em parque municipal concessionado à A. pelo município. Ora, as relações jurídicas tributárias estão, como se sabe, sujeitas à jurisdição dos T. T. e não aos TACs (vd. Artigos. 212º-3 CRP, 4º ETAF, 35º ss CPTA e 99º ss CPPT) ...”.

Este Acórdão foi confirmado pelo STA, por Acórdão proferido de 10-10-2013 – Relator: Juiz Conselheiro Paulo Pereira Gouveia.

A Autora, como concessionária, surge na relação como um particular, investida de prerrogativas próprias de um sujeito de direito público – neste Caso uma Câmara Municipal – revestido de “ius imperium”. Pelo que, dispõe dos mesmos poderes de autoridade da entidade concedente o Município de P..., como se fosse esta a exploradora directa do referido espaço de estacionamento de veículos e que a mesma entidade deliberou concessionar-lhe. A taxa fixada pode até ter carácter sancionatório em certas situações.

Estes poderes de autoridade dão competência à Autora, ora recorrente, como concessionária para aplicar a referida e por si própria designada “taxa”, ficando qualquer
condutor, que estacione o veículo no local explorado por ela, vinculado ao pagamento de um montante que varia consoante o tempo de utilização, conforme regras afixadas nos espaços de estacionamento Caso o condutor não proceda ao pagamento do valor do estacionamento no parquímetro respectivo, a Autora coloca na viatura um aviso de liquidação, referente ao incumprimento, cobrando, para o efeito, uma verba.

Assim, a actividade da Autora compreende-se numa actividade mais vasta que é a de obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos do Estado e demais entidades públicas.

Pelo que, no âmbito da concessão, prossegue fins de interesse público legalmente definido, estando para tanto, munida dos necessários poderes de autoridade, poderes que compreendem o direito de fixar, aplicar e cobrar os preços previamente definidos, no que respeita aos limites mínimos que são impostos pela Assembleia Municipal da Autarquia em causa. 1

Na verdade o preço cobrado tal como designado pelo Município e pela própria Autora, constitui uma taxa, como se prevê nos artigos 4°, n° 2, e 30.º, n 2, da Lei Geral Tributária, aplicável à data e aprovada pelo Decreto-Lei n° 398/98, de 17.12, correspondendo no essencial às mesmas normas da lei actual (versão dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12), e também na alínea g) do art° 19º da Lei n° 42/98, de 06.08 (Lei da Finanças Locais à data), a que correspondem, na actualidade os artigos 14.º e 20.º da Lei n.º 73/2013, de 3/09, e artigo 70º do Código da Estrada.

Também se enquadra na Lei n.º 53-E/2006, 29 de Dezembro (regime geral das taxas das autarquias locais), a qual regula as relações jurídico-tributárias geradora da obrigação de pagamento de taxa às autarquias locais, qualificando estas como tributos – cfr. arts. 1°, n.º 2 e 3º da citada Lei.

Deste modo, deve entender-se que cabe na competência dos Tribunais Tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa concessionária com a natureza indicada.

Atendendo ao exposto, conforme bem decidido no douto Acórdão sub judice, a questão suscitada reveste uma natureza fiscal, sendo da competência dos referidos Tribunais.

Por outro lado, ao contrário do que refere a Recorrente, o Tribunal de Conflitos que se conheça ainda não se pronunciou sobre a competência dos Tribunais Tributários nesta situação concreta.

Sendo certo que o Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 9-06-2010 citado pela recorrente, proferiu a decisão num conflito entre os tribunais administrativos e os tribunais comuns.

E, de acordo com o mesmo Acórdão, uma vez que a recorrente, no âmbito dos contratos de concessão, se vinculou expressamente ao Regulamento de Estacionamento de Duração Limitada do Município de P..., é este diploma que rege a sua relação com os utilizadores dos espaços de estacionamento concessionados “situação que cai na previsão da parte final da al. f) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF (cfr. citado Ac. de 9/6/2010).

Mas apenas atribuiu a competência à jurisdição administrativa e fiscal, sem distinguir uma da outra.

A Jurisdição administrativa e fiscal é uma única jurisdição, à qual pertencem tanto os tribunais administrativos como os tributários, sendo aqueles competentes para julgar os litígios cuja resolução exige a aplicação de normas de direito administrativo e estes os competentes para dirimir os litígios que impliquem a aplicação de normas de direito fiscal.

Como estamos perante uma relação jurídico-tributária geradora da obrigação de pagamento de uma taxa são estes últimos os competentes para apreciar a relação jurídica em apreço (confira-se também a doutrina citada no douto Acórdão recorrido que se transcreve parcialmente na nota seguinte)2.


Assim, bem decidiu o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul ao julgar verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Administrativo, em razão da matéria, e absolver o Réu da instância, devendo ser mantido nos seus precisos termos o douto Acórdão recorrido.
***

Assim,

EM CONCLUSÃO:

1.º A recorrente não invoca quaisquer motivos para que o recurso em apreço possa vir a ser objecto de apreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA;
2.º A intervenção do STA é considerada justificada apenas em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador, pelo que o recurso deve ser rejeitado por não obedecer aos requisitos previstos no referido preceito;
3.º A Autora, ora recorrente é uma sociedade anónima de direito privado, concessionária do serviço público de cobrança das taxas pela utilização de zonas de estacionamento equipadas com parquímetro, condicionada e de acordo com os artigos 24° e 25° do Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de P..., publicado no DR, II série, de 2004.06.01, n° 128, apêndice 71/2004 e aprovado em 27.4.04, pela Assembleia Municipal do Município de P..., vigente no período mencionado na Petição Inicial;
4.º A Autora na relação com o particular que utiliza o estacionamento não atua como qualquer particular numa comum relação de direito privado, não sendo manifestamente esta a situação em apreço nos autos, pois que age no âmbito de normas de interesse e ordem públicos;
5.º O litígio emergente dos actos descritos na Petição Inicial, embora recaia genericamente na esfera de competência da jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais (art. 1.º, n.º 1 do ETAF), é da competência da jurisdição tributária;
6.º Pois que a questão jurídica em apreciação diz respeito, no essencial, ao pagamento da taxa de estacionamento prevista para o parqueamento de veículos por período de tempo limitado, pelo que está em causa uma relação jurídica de natureza tributária entre a Autora e um particular e não uma relação jurídica administrativa entre esta e a Autarquia (cfr. o cit. e recente Ac. do STA de 10.10.2013, 09702/13);
7.º A Autora, como concessionária surge na relação como um particular, investida de prerrogativas próprias de um sujeito de direito público – neste caso uma Câmara Municipal – revestido de “ius imperium, dispondo dos mesmos poderes de autoridade da entidade concedente, como se fosse esta a exploradora directa do referido espaço de estacionamento de veículos e que a mesma entidade deliberou concessionar-lhe;
8.º E, contrariamente ao alegado, no âmbito da concessão prossegue fins de interesse público legalmente definido, estando, para tanto, munida dos necessários poderes de autoridade, poderes que compreendem o direito de fixar, aplicar e cobrar os preços previamente definidos, no que respeita aos limites mínimos que são impostos pela Assembleia Municipal da Autarquia de P...;
9.º O Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 9-06-2010 citado pela recorrente, proferiu a decisão num conflito entre os tribunais administrativos e os tribunais comuns, e apenas atribuiu a competência à jurisdição administrativa e fiscal, sem distinguir uma da outra, não se tendo pronunciado sobre esta questão jurídica em concreto;
10.º Como estamos perante uma relação jurídico-tributária geradora da obrigação de pagamento de uma taxa, em que a Autora tem prerrogativas tal como qualquer entidade de direito público, são os Tribunais Tributários os competentes para apreciar a relação jurídica em apreço – artigos 1.º, 4.º, n.º 1, als. b), e), e f), e 49.º, n.º 1, c), do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/02.



Assim, bem decidiu o Venerando Tribunal Central Administrativo Sul ao julgar verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Administrativo, em razão da matéria, e absolver o Réu da instância, devendo ser mantido nos seus precisos termos o douto Acórdão recorrido e ser negado provimento ao recurso.

VOSSA EXCELÊNCIAS, assim decidindo farão,


JUSTIÇA!

*

O Ministério Público, actuando por direito próprio, está isento de proceder ao pagamento da taxa de justiça, nos termos do artigo 4, al. a), do Regulamento das Custas Processuais.


Junta: Duplicados legais;


O Procurador – Geral Adjunto
/José M Martins/
_______________________________________________________________
1. No sentido exposto, e a respeito da cobrança de água, veja-se também o Acórdão de 9/11/2010, proferido no conflito nº 17/10, e que seguiu a posição antes assumida no Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 26/09/2006 - Processo n.º 14/06.

2. Mário Aroso de Almeida (ob. cit., págs. 193 e 194): “à face do critério do artº 212.º, nº 3, daCRP, deve ainda entender-se, ao contrário do que sucedia no passado, que a matéria tributária ou fiscal se estende, em geral, a todo o universo das relações jurídicas fiscais independentemente da forma que revista a respectiva parte: deve, assim, entender-se que os tribunais tributários (e as secções do contencioso tributário) são os tribunais comuns para o conhecimento dos litígios emergentes das relações jurídicas fiscais pelo que também são competentes para dirimir os litígios emergentes de contratos fiscais assim como as questões de responsabilidade civil extracontratual emergentes das relações jurídicas fiscais.
A atribuição de poderes tributários para liquidação e/ou cobrança de uma taxa por um Município a uma entidade privada, neste caso, decorrente da colaboração de um contrato administrativo de concessão não altera a natureza jurídica da relação jurídica estabelecida com o particular, simplesmente introduz uma intermediação entre o particular e o município no âmbito da liquidação e/ou cobrança da taxa, a qual é sempre fixada e liquidada nos termos definidos pela autarquia – cfr. neste sentido, Nuno de Oliveira Garcia, Contencioso de taxas, Almedina, 2011 págs. 73 a 81.