Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:07/14/2011
Processo:07896/11
Nº Processo/TAF:00123/09.0BEFUN-B
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:PROV. CAUTELAR AO ABRIGO DO ART. 132º DO CPTA.
APLICAÇÃO DOS ARTS. 128º E 131º CPTA.
Data do Acordão:08/22/2011
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos arts. 146º nº 1 e 147º do CPTA vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pela então Requerente, do despacho que se mostra junto a fls. 14, proferido pelo TAF do Funchal, que não admitiu a aplicação dos arts. 128º e 131º do CPTA, à presente providência cautelar relativa a procedimento de formação de contratos, indeferindo o requerido.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, a recorrente imputa ao despacho em recurso violação dos arts. 128º e 131º do CPTA.

Apenas a contra - interessada E… contra - alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do julgado.

II – O despacho recorrido entendeu que o disposto nos arts. 128º e 131º do CPTA não é aplicável nas providências relativas a procedimentos de formação de contratos previstas no art. 132º do CPTA,
para tanto, aderindo à tese perfilhada no Ac. do STA de 20.03.2007, Proc. 1191/06, segundo o qual do confronto entre a letra dos artigos 130º, nº 4 e 132º, nº 3, ambos do CPTA, só há uma interpretação literal possível: a de que o legislador quis excluir a aplicação do disposto nos artigos 128º (proibição de executar o acto administrativo) e 131º (decretamento provisório da providência) às providências relativas a procedimentos de formação de contratos.

Todavia, salvo o devido respeito, não perfilhamos o entendimento do STA.

Na verdade, conforme referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina 2005, em anotação ao art. 128º, pág. 647: “o art.132º só tem por objecto regular o processo cautelar, e nesta óptica se compreende a remissão que, no seu nº 3, se estabelece para os artigos 112.º a 127.º, que estabelecem as disposições comuns a esta forma de processo. Ora, o artigo 128º não regula o processo cautelar. Pressupõe a instauração de um processo desse tipo, mas a disciplina que ele introduz é inteiramente extra - judicial. Trata - se, pois, de um artigo que estabelece um regime autónomo em relação à disciplina do processo cautelar, em si mesmo, e que, por isso, em nada contende (nem é prejudicado) pelo disposto no art. 132º.”.

Ainda, em anotação ao art. 132º, prosseguem os mesmos AA., na obra citada, a pág. 669, referindo - se ao nº 3 daquele artigo: ”O preceito desempenha, portanto, uma função que se qualificaria como includente e não como excludente. Não tem, por isso, a nosso ver, o sentido e o alcance de afastar a aplicabilidade, neste domínio, de disposições incluídas no próprio capítulo II.”.
( …)
Como claramente resulta do n.º 1, as providências relativas a procedimentos de formação de contratos podem assumir as mais diversas formas, podendo, assim, concretizar-se, também, na suspensão da eficácia de actos administrativos pré-contratuais. Ora, é perfeitamente conciliável, nesse caso, a aplicação, por um lado, do disposto neste artigo 132º e no capítulo I e, por outro lado, do disposto nos artigos 128.º e 129.º, que, para o efeito, não estabelecem qualquer restrição. Com efeito, a suspensão dos efeitos de um acto administrativo pode ser pedida no âmbito de um processo relativo à formação de um contrato e, nesse caso, parece claro que, logo no momento em que o processo cautelar seja desencadeado com a apresentação do pedido, se produz o efeito previsto no artigo 128.º”.

Este entendimento é também perfilhado em vários Acs. deste TCAS, designadamente, no acórdão deste TCAS, de 13.10.2005, Proc. 1041/05, no de 05.07.2007, Rec. 02692/07, de 14.01.2010, Rec.05746/09 e de 28.10.2010, Rec. 06616/10, neste último se referindo o seguinte, que passamos a citar, no que se refere à Directiva Comunitária que constituiu também fundamento ao Acórdão do STA, atrás mencionado:
O nº. 3 do art. 2º. da Directiva nº. 89/665/CEE estabelecia que “os processos de recurso, por si só, não devem ter necessariamente efeitos suspensivos automáticos sobre os processos de adjudicação de contratos a que se referem”.
E o nº. 4 do mesmo preceito dispunha que “os Estados-membros podem prever que, sempre que a instância responsável se debruce sobre a necessidade de tomar medidas provisórias, lhe seja possível tomar em consideração as prováveis consequências de tais medidas para todos os interesses susceptíveis de ser lesados, bem como o interesse público, e decidir não conceder essas medidas sempre que as consequências negativas possam superar as vantagens”.
Não resulta destas normas a proibição dos Estados-membros de preverem o efeito suspensivo automático da impugnação de um acto pré-contratual, tendo-se deixado ao seu critério a definição das situações em que esse efeito poderá ter lugar. E, no caso de não consagrarem esse efeito suspensivo automático, podem prever que o decretamento da suspensão do procedimento ou da decisão de adjudicação sejam precedidas de uma ponderação dos interesses susceptíveis de serem lesados (cfr. Cláudia Viana in C.J.A., nº. 68, págs. 31-37, em anotação ao referido Ac. do STA).
Acresce que o transcrito art. 2º., nº. 3, apenas abrange os “processos de recurso”, não podendo, por isso, ser invocado para obstar ao efeito suspensivo resultante de uma interposição de providência cautelar.
Entendemos, assim, que dos mencionados preceitos não é possível extrair qualquer argumento no sentido da inaplicabilidade do art. 128º. do CPTA no âmbito das providências relativas a procedimentos de formação de contratos.
Quanto ao argumento literal, afigura-se-nos, na esteira de Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha (in “Comentário ao C.P.T.A.”, 3ª. edição revista, 2010, pág. 880), que o nº. 3 do art. 132º. do CPTA “(…) O preceito desempenha, portanto, uma função que se qualificaria como includente, e não como excludente. Não tem, por isso, a nosso ver, o sentido e o alcance de afastar a aplicabilidade, neste domínio, de outras disposições incluídas no próprio Capítulo II, como as dos arts. 128º. e 131º.”.
Entendemos, assim, que o elemento literal de interpretação também não afasta a aplicação do art. 128º. do C.P.T.A. à suspensão de eficácia de actos administrativos pré-contratuais.
Como referimos (cfr. 2.2.2.), a Directiva 2007/66/CE procedeu à revisão das “Directivas recursos” com o objectivo de melhorar a eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos, atento às deficiências que estas apresentavam, onde “figura, em especial, a inexistência de um prazo que permita interpor um recurso eficaz entre o momento da decisão de adjudicação e o de celebração do contrato em causa”, o que “conduz a que as entidades adjudicantes, que pretendem tornar irreversíveis as consequências da decisão de adjudicação contestada, procedam rapidamente à assinatura do contrato” (cfr. considerando nº. 4 da aludida Directiva).
A intenção dessa Directiva foi, assim, a de evitar a constituição de situações de facto consumado na pendência dos processos judiciais resultante de uma “corrida à assinatura” dos contratos.
O TJCE (Tribunal da Justiça da Comunidade Europeia), no Acórdão de 10/4/84, sobre o caso “Von Colson e Kamann”, afirmou que “da obrigação dos Estados membros (decorrente de uma directiva) de atingir o resultado por ela prosseguido, bem como do seu dever (por força do art. 5º. do Tratado) de tomar todas as medidas adequadas a assegurar a execução dessa obrigação, (…) resulta que, ao aplicar o direito nacional, quer se trate de disposições anteriores ou posteriores à directiva, o órgão jurisdicional chamado a interpretá-lo é obrigado a fazê-lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir desta forma o art. 189º., terceiro parágrafo, do Tratado”.
Este acórdão instituíu um “dever de interpretação conforme ou conformante do direito interno”, nos termos do qual os tribunais estão obrigados a interpretarem e aplicarem o direito nacional à luz das directivas que os Estados membros não transpuseram nem incorporaram no direito interno, “até ao ponto de o tornarem inaplicável em caso de incompatibilidade insanável com a norma comunitária (cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira in “Concursos e outros procedimentos de adjudicação administrativa”, 1998, págs. 28 a 30).
Assim, “esta interpretação conforme impõe não apenas que, em caso de dúvidas hermenêuticas, o aplicador esteja vinculado a fixar o conteúdo, o sentido e o alcance de uma norma interna que melhor se adeque às disposições e aos princípios comunitários, como, em caso de contradição, seja desaplicada a norma interna e aplicada a norma comunitária” (cfr. Ana Gouveia Martins, ob. cit., pág. 24).
Portanto, tendo decorrido o prazo de transposição da Directiva 2007/66/CE e o facto de ela não ter efeito directo vertical não obsta a que a mesma exerça influência sobre a interpretação e aplicação do direito nacional, impondo que o art. 128º. do CPTA seja interpretado à sua luz, ou seja, no sentido da sua aplicação à providência cautelar em causa nos autos.” (bold nosso).

Por outro lado, quanto ao confronto entre o nº 3 do art. 132º e o nº 4 do art. 130º do CPTA, em que também se fundamentou o mesmo Ac. do STA, como se explana no Parecer do Ministério Público junto deste TCAS, proferido no Proc. nº 05746/09, com o qual estamos em perfeita consonância “É esse o sentido da letra da lei, que, a meu ver, não é inviabilizado no confronto com o n.º 4 do artigo 130°. Na verdade, não são paralelas as situações reguladas nesta norma e no n.º 3 do artigo 132°, pelo que até esse pressuposto falha para se poder usar o argumento a contrario sensu, já de si falível, que desse confronto se poderia retirar.
Com efeito, por um lado. a expressa remissão para o capítulo precedente, contida nos preceitos em referência, deve levar-se à conta da assumida intenção pedagógica, justificada pela profundidade da reforma do contencioso administrativo (cfr. n.º 1 da exposição dos motivos da proposta de lei de aprovação do CPTA), não forçando à exclusão da aplicação de outros preceitos sistematicamente aplicáveis, ainda que não objecto de remissão expressa.
Por outro lado, o artigo 130° rege sobre a suspensão da eficácia de normas, pelo que tem justificação a remissão expressa para os artigos precedentes, que se reportam à suspensão da eficácia de actos administrativos. Por isso, a remissão ressalva "as adaptações que forem necessárias".
Mas tal remissão já seria descabida, quando se trata de aplicar o artigo 128° exactamente às situações que se compreendem directamente no seu círculo – a suspensão da eficácia de actos administrativos.
São, pois, substancialmente diferentes as situações previstas nos artigos 130°, n.º 4. e 132°. n.º 3. não podendo, assim, extrair-se qualquer argumento a contrario sensu da circunstância de neste faltar qualquer remissão para os artigos 128° e 129°. que aquele contém.”.

Idênticas considerações valem a propósito da possibilidade de aplicação do artigo 131°, como resulta da doutrina e jurisprudência atrás citada, em caso de verificação dos pressupostos do seu nº 1, verificação essa que não foi apreciado pelo despacho recorrido e, portanto não está aqui em causa.

Pelo que, na consideração do exposto, entendemos assistir razão à recorrente, enfermando o despacho recorrido das violações de lei que lhe são apontadas.

III – Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso, revogando - se o despacho recorrido, determinando a apreciação do decretamento provisório das providências requeridas ao abrigo do art. 131º e considerando - se aplicável o disposto no art. 128º ambos do CPTA.