Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:01/09/2014
Processo:09574/12
Nº Processo/TAF:1521/11.5BELSB/T.A.C. LISBOA
Sub-Secção:2.º Juízo - 1.ª Secção
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:CONTRA-ALEGAÇÕES DE RECURSO DE REVISTA.
ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO CONTRA O ESTADO.
ATRASO NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA.
PRESCRIÇÃO.
ERRO JUDICIÁRIO.
INCOMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
Observações:P.A. n.º 254/11-Ac. (M.ºP.º - T.C.A. SUL)/P.A. n.º 100/11-L-Ac. (M.ºP.º - T.A.C. LISBOA).
Texto Integral:Procº nº 09574

2º Juízo-1ª secção

Acção contra o Estado

Recurso de Revista

Contra-alegações


Venerandos Juízes Conselheiros do

Supremo Tribunal Administrativo


A magistrada do MP junto do Tribunal Central Administrativo Sul ( TCAS), vem na acção supra referenciada, em que litiga em representação do Estado, apresentar as suas contra-alegações referentes ao recurso de revista interposto pelo autor, o que faz nos termos do artº 150º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos( CPTA) e com os seguintes fundamentos:

I - Introdução:

O autor propôs em 2-6-2011, contra o Estado, uma acção de responsabilidade civil extracontratual pedindo uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, alegadamente causados por não ter sido notificado para a audiência de discussão e julgamento na acção de processo sumaríssimo nº 16581/95 que propôs no 8º juízo do Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa, o que levou à absolvição dos réus, bem como por o processo ter demorado seis anos a ser decidido, o que considera não ser um prazo razoável para acções deste tipo.

Por sentença proferida pelo TAC de Lisboa, em 20-6-2012, foi o Estado absolvido da instância por ter sido considerada procedente a excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal, quanto ao invocado erro judiciário; e absolvido do pedido por ter sido considerada procedente a excepção peremptória da prescrição quanto ao invocado atraso na aplicação da justiça.

Com esta sentença não se conformou o autor, vindo dela interpor recurso jurisdicional para este TCAS, o qual, por douto acórdão de 24-10.2013, decidiu negar provimento ao recurso e confirmar, na íntegra, a sentença recorrida.

É deste acórdão que vem interposto o presente recurso de revista.

II - Da admissibilidade do recurso de revista:

Considera o recorrente que, por se discutir nos autos a noção de erro judiciário, bem como o início da contagem do prazo de prescrição, com referência aos autos nº 16581/95, estamos perante questões que se revestem de importância fundamental pela sua relevância jurídica e social, uma vez que tais questões se prendem com o direito fundamental da tutela jurisdicional efectiva.

Considera, ainda, o recorrente, que a admissão deste recurso é essencial para uma melhor aplicação do direito, nomeadamente por errada interpretação do nº1 do artº 498º do C.C., na medida em que, nos termos deste artigo, o prazo de prescrição se inicia na data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe assiste, e o acórdão recorrido considerou que a prescrição começou a contar a partir da data do seu conhecimento dos factos.

Não nos parece, salvo o devido respeito, que assim seja.

Na verdade, tem considerado a jurisprudência do STA que não existe relevância jurídica ou social de especial importância “quando a solução jurídica se apresenta inseparável de uma situação fáctica com muito baixa probabilidade de ocorrer em outros casos ou noutros organismos, pelo que o caso não apresenta virtualidade expansiva…”( cfr acórdão do STA de 13-9-13, in recº nº 01174/13).

Por outro lado, tem considerado a mesma jurisprudência que não existe necessidade de uma melhor aplicação do direito quando a decisão recorrida “não encerra um julgamento que aparente ser grosseiro, flagrantemente ilógico ou juridicamente insustentável”( cfr acórdão do STA de 13-9-13, in recº nº 01174/13).

Ora, no caso vertente, a solução jurídica adoptada não se pode desprender da situação de facto concreta a que foi aplicada, não sendo verosímil que essa situação concreta, descrita nestes autos em função da situação ocorrida no processo nº 16581/95, se volte, qua tale, a repetir.

Além disso, é perfeitamente aceitável a decisão tomada, quer quanto à incompetência do tribunal, quer quanto à prescrição, não tendo sido violado, clara e inequivocamente, nenhum dispositivo legal ou constitucional expresso.

Ademais, a interpretação que o douto acórdão recorrido faz do artº 212º nº3 da CRP e da alínea a) do nº3 do artº4º do ETAF, no sentido de considerar excluídas da jurisdição administrativa as questões relativas a erro judiciário cometido por tribunais de outras jurisdições, não foi impugnada pelo recorrente.

O que o recorrente põe em causa é apenas a verificação de erro judiciário.

Ora, sendo o próprio a considerar na petição, a falta da sua notificação para comparecer a julgamento e consequente sentença absolutória, decisões jurisdicionais enquadráveis no artº 13º da Lei 67/2007 de 31-12, que se refere a erros judiciários ( cfr artº 62º da petição), não nos parece que outra interpretação deste dispositivo legal seja viável no caso concreto.

Efectivamente, estamos nitidamente perante actos jurisdicionais praticados pelo juiz, num processo judicial, os quais podem ser, como é sabido, de mero expediente, no uso de poderes discricionários, despachos ou sentenças.

Não existe, pois, qualquer erro manifesto de facto ou de direito que exija uma reapreciação por esse Tribunal Supremo.

Isto tanto mais que existem já duas decisões judiciais no mesmo sentido.

Assim, salvo melhor opinião, parece-nos que não se justifica a admissão deste recurso de revista.

III - Do mérito do recurso de revista:

Como já se referiu, são duas as questões que o recorrente pretende pôr à consideração desse Alto Tribunal:

a) A questão de saber se “a falta de notificação do autor para a audiência de discussão e julgamento, por facto não imputável ao mesmo, mas ao serviço de distribuição postal contratado pelo MJ”, se traduz em erro judiciário ou se pelo contrário é uma actividade meramente administrativa deste;
b) A questão de saber se o prazo de prescrição se conta a partir de final de Setembro de 2004, data em que o recorrente consultou os autos nº 16581/95 e se apercebeu da demora processual, ou se conta a partir do conhecimento pelo recorrente, em Janeiro de 2009, do despacho que indeferiu o pedido de admissão do recurso de revisão da sentença absolutória proferida naquele processo.

Quanto à primeira questão, dir-se-á que a factualidade relativa à não notificação do autor para comparecer à audiência de discussão e julgamento de 22-10-2001, não corresponde exactamente à que o recorrente descreve, como se pode concluir pelo teor do despacho de 6-4-2007, junto a fls 43.

Deste despacho se conclui que a falta é imputável ao autor e não aos CTT, pelo que cai pela base que estejamos perante uma actividade administrativa do Estado, como pretende o recorrente.

De todo o modo, os actos eventualmente lesivos traduzem-se inequivocamente em actos judiciais, como seja a sentença de 22-10-2001, o despacho de indeferimento do pedido de nulidade de 6-4-2007 e a eventual falta de notificação para estar presente em julgamento.

De harmonia com o disposto no art. 4º, nº 2, al. b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, os litígios que respeitem à impugnação de decisões jurisdicionais proferidas por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, estão excluídos do âmbito da jurisdição administrativa, a qual apenas tem competência para os casos de eventual erro judiciário cometido por tribunais administrativos ou fiscais ( cfr. art. 4º, nº 3, alínea a), do ETAF ).

Foi neste sentido, aliás, que se veio a fixar a jurisprudência do STA (vg. Acórdão do STA – Conflitos, de 18 de Dezembro de 2003, no Proc. n.º 15/2003, em www.dgsi.pt).

Por outro lado, o acórdão do TC de 10-3-2011, in procº 013/10, citado pelo recorrente, refere-se a actividade não jurisdicional do Ministério Público, de natureza criminal e, como tal, não integrante de erro judiciário, tal como no mesmo se decidiu.

Estamos, assim, perante matéria que integra eventual erro judiciário praticado por tribunal de outra jurisdição, pelo que os tribunais administrativos são incompetentes em razão da matéria para o apreciar, tal como bem decidiu o douto acórdão recorrido.

Quanto à segunda questão importa referir que, no caso vertente, anteriormente à interposição do recurso de revisão, pelo menos desde Setembro 2004, já o recorrente tinha conhecimento do direito que lhe competia, uma vez que aí tomou consciência do facto que invoca como danoso, ou seja, a alegada demora do processo.

De notar que o que está aqui em causa é o conhecimento da demora processual e não o conhecimento do erro judiciário uma vez que a prescrição, quanto a este aspecto, não foi conhecida pelo douto acórdão recorrido, dado que se encontra prejudicado pela procedência da excepção da incompetência em razão da matéria.

Assim, tendo a sentença, que decidiu absolver os réus do pedido, sido proferida em 22-10-2001, o recorrente, que foi notificado da mesma em 26-10-2001 ( artº 16 da contestação do Estado), ao consultar o processo nº 16581/95, em 2004, apercebeu-se perfeitamente da demora processual, sendo para este efeito, inócuos todos os trâmites processuais posteriores à sentença, que se prendem apenas com a questão do erro judiciário.

Conforme se refere no douto acórdão recorrido, “a presente acção apenas foi proposta em 02.06.2011 (cfr. fls.2 dos autos), e que no final de Setembro de 2004 foi facultado ao recorrente o acesso aos autos para consulta (proc.nº16581/95 do 8º Juízo da Pequena Instância Civil), como resulta da própria declaração do recorrente contida no artigo 14º da petição inicial.

Logo por aqui se vê que a presente acção foi instaurada para além do prazo legal fixado no artigo 498º do Cód. Civil. Com efeito, como o recorrente teve acesso aos autos no final de Setembro de 2004 e nessa data teve conhecimento da sentença proferida (data que releva para o início da contagem do prazo legal para a interposição da presente acção), o prazo de três anos, contado nos termos do artigo 279º do Cód. Civil, ocorreu a 1 de Outubro de 2007.

Não vale o argumento do A. no sentido de que houve interrupção do prazo por causa de ter interposto recurso de revisão em 30.12.2008, recurso que só veio a ser indeferido em 16.01.2009. Como doutamente se escreve na decisão recorrida, “a interposição do recurso de revisão em 2008 não obsta à verificação do termo do prazo legal para a acção fundamentada em responsabilidade civil extracontratual do R., porquanto tal recurso pressupõe decisão já transitada em julgado, que ditou e decidiu a situação do A. (...) não se tendo provado factos de onde se possa derivar a aplicação do disposto no artigo 323º do Cód. Civil “.

É, pois, irrelevante o facto de o A. ter interposto o dito recurso de revisão em 2008, aliás indeferido por razões que se desconhecem.

Concluindo, não se vislumbram quaisquer factos que permitam responsabilizar o Estado pelo exercício da função jurisdicional, sendo o atraso verificado imputável ao próprio recorrente, e improcedendo assim, do mesmo modo, o pedido de indemnização pelo atraso na justiça”..

Concordando inteiramente com o douto acórdão recorrido, deverá este recurso improceder, caso se considere que o mesmo deverá ser admitido.

IV - Em conclusão:

1- O presente recurso de revista vem interposto do acórdão do TCAS que, negando provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo autor da sentença que considerou procedente as excepções da incompetência dos tribunais administrativos para julgar erros judiciários praticados por tribunais de outra jurisdição, bem como da prescrição do direito a uma indemnização por atraso da justiça, manteve a mesma nos seus precisos termos.
2- No caso vertente, a solução jurídica adoptada não se pode desprender da situação de facto concreta a que foi aplicada, não sendo verosímil que essa situação concreta, descrita nestes autos em função da situação ocorrida no processo nº 16581/95, se volte, qua tale, a repetir.
3- Além disso, é perfeitamente aceitável a decisão tomada, quer quanto à incompetência do tribunal, quer quanto à prescrição, como denota o facto de haver duas decisões no mesmo sentido, não tendo sido violado, clara e inequivocamente, nenhum dispositivo legal ou constitucional expresso.
4- Assim, não existe relevância jurídica ou social de especial importância, nem existe necessidade de melhor aplicar o direito, motivo pelo qual, não se verificando os pressupostos contidos no nº1 do artº 150º do CPTA, não deverá ser recebido este recurso de revista.
5- Os actos eventualmente lesivos traduzem-se inequivocamente em actos judiciais como seja a sentença de 22-10-2001, o despacho de indeferimento do pedido de nulidade de 6-4-2007 e a eventual falta de notificação para estar presente em julgamento.
6- Estamos perante matéria que integra eventual erro judiciário praticado por tribunal de outra jurisdição, pelo que os tribunais administrativos são incompetentes em razão da matéria para o apreciar, tal como bem decidiu o douto acórdão recorrido.
7- Tendo a sentença, que decidiu absolver os réus do pedido, sido proferida em 22-10-2001, o recorrente, que foi notificado da mesma em 26-10-2001, ao consultar o processo em 2004, apercebeu-se perfeitamente da demora processual, sendo para este efeito, inócuos todos os trâmites processuais posteriores á sentença, que se prendem apenas com a questão do erro judiciário.
8- Assim o prazo de prescrição conta-se, senão antes, a partir de final de Setembro de 2004, data em que o recorrente consultou os autos nº 16581/95 e não a partir do conhecimento pelo recorrente, em Janeiro de 2009, do despacho que indeferiu o pedido de admissão do recurso de revisão da sentença absolutória proferida naquele processo.
9- Tendo a presente acção sido proposta em 2-6-2011, é manifesta a prescrição do direito á indemnização por demora processual.
10-Termos em que, caso se considere ser de admitir o presente recurso de revista, deverá o mesmo improceder mantendo-se na íntegra o douto acórdão recorrido.

Assim decidindo, farão Vossas Excelências, a costumada

Justiça!

A Procuradora-Geral Adjunta

Maria Antónia Soares