Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:12/20/2011
Processo:08346/11
Nº Processo/TAF:00671/11.2BESNT
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:PROV. CAUT. SUSPENSÃO EFICÁCIA.
AIM'S.
NORMA TRANSITÓRIA DO ARTº 9º DA LEI Nº 62/2011 DE 12/12.
NORMA INTERPRETATIVA.
RETROACTIVIDADE À VIGÊNCIA DA LEI INTERPRETADA.
INEXISTÊNCIA "FUMUS BONI IURIS".
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator


A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos artºs 146º nº1 e 147º do CPTA, vem, emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pela então Requerente da sentença de fls. 777 e segs., do TAF de Sintra, que indeferiu os pedidos por ela formulados na presente providência cautelar.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, a recorrente além de requerer a ampliação da matéria de facto, imputa à sentença recorrida violação dos arts. 20º e 268º da CRP, art. 2º nº 1 do CPTA, arts. 660º nº 2 e 511º do CPC e art. 118º nº 3 do CPTA, bem como o art. 120º nº 1 als. a) e b) e nº 2 do CPTA, arts. 133º nº 2 als. c) e d), arts. 2º nºs 1 e 5, 100º a 103º do CPA, arts. 98º, 4º nº 2 e 55º do CPI, arts. 14º nº 4, 18º nº 4, 19º, 25º e 29º nº 1 (a) e (n) do Estatuto do Medicamento e arts. 9º, 62º e 42º da CRP.

O Infarmed e a contra - interessada A…, ora recorridos, contra - alegaram pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida, requerendo a contra - interessada ainda a ampliação do recurso nos termos do art. 684º-A do CPC quanto à decisão sobre a incompetência material dos Tribunais Administrativos para conhecimento da acção principal.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com interesse para a decisão e com fundamento na prova documental e no acordo das partes, os factos constantes das alíneas a. a p., do ponto III.1., de fls. 792 a 795, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Quanto à impugnação da sentença sobre a improcedência da excepção da incompetência material dos tribunais administrativos, formulada nas contra - alegações pela contra - interessada A… em ampliação do recurso ao abrigo do art. 684º-A do CPC.

Invoca a contra - interessada, nesta parte recorrente, que tal questão da incompetência não consubstancia uma excepção ao conhecimento da providência cautelar, mas sim uma questão a conhecer em sede de aferição dos requisitos de concessão da providência como decorre da al. b) do nº 1 do art. 120º do CPTA.

Todavia, a incompetência do tribunal constitui um verdadeiro pressuposto de natureza processual – uma excepção dilatória – de acordo com a al. a) do art. 494º do CPC, que obsta ao conhecimento do mérito, pelo que bem andou a sentença recorrida ao apreciar a questão da alegada incompetência material enquanto tal, ou seja, como excepção dilatória obstativa do mérito da providência.

Ora, sobre esta questão da incompetência da jurisdição administrativa em matéria de concessão de AIMs, tem vindo este TCAS a decidir, em casos em tudo similares aos dos presentes autos, pela competência da jurisdição administrativa – Cfr. Acs. deste TCAS de 12/02/2009, Recs 03438/08 e 03501/09; de 05/03/2009, Rec. 03480/08 e de 18/12/2008, Rec. 04534/08).

Assim, uma vez que à data da propositura da presente providência não estava ainda em vigor a Lei nº 62/2011 de 12/12 e o art. 9º do mesmo (sobre o regime transitório) apenas abrange as disposições alteradas do DL 176/2006, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no art. 8º da mesma Lei, que improceda o referido recurso ampliado ao abrigo do art. 684º-A do CPC.

IV - Quanto ao recurso da sentença interposto pela então Requerente da Providência.

Antes demais há a ponderar o seguinte:

Vinha sendo nosso entendimento, seguindo a jurisprudência maioritária deste TCAS, que, em caso de concessão de AIMs pelo Infarmed de medicamentos genéricos contendo como princípio activo um produto protegido por patente, deveria ser suspensa a eficácia dessa autorização por haver forte probabilidade da procedência da pretensão formulada no processo principal, e se demonstrarem preenchidos os restantes requisitos da al. b) do nº 1 e do nº 2 do art. 120º do CPTA.
Acontece que recentemente (em 12/12/2011) foi publicada a Lei nº 62/2011 que, entre o mais, veio alterar os arts. 19º, 25º, 179º e 188º e o nº 6 da parte ii do anexo i do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto.

Assim, os nºs 2 e 3 do art. 25º do DL 176/2006 passaram a ter a seguinte redacção:
“2 - O pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 18.º (bold nosso).
3 - Para determinar se um medicamento preenche as condições previstas nas alíneas c) a f) do n.º 1, o INFARMED tem em conta os dados relevantes, ainda que protegidos.”

Por sua vez o nº 2 do art. 179.º do mesmo diploma passou a ter a seguinte redacção:
2 - A autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial. (bold nosso).

Ainda o art. 23-A aditado ao DL nº 176/2006 estipula que:

“Objecto do procedimento

1 - A concessão pelo INFARMED, I. P., de uma autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento de uso humano, bem como o procedimento administrativo que àquela conduz, têm exclusivamente por objecto a apreciação da qualidade, segurança e eficácia do medicamento.

2 - O procedimento administrativo referido no número anterior não tem por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.” (bold nosso).

Por sua vez, o art. 8.º da referida Lei 62/2011 determina:

“Autorização de preços do medicamento
1 - A decisão de autorização do PVP do medicamento, bem como o procedimento que àquela conduz, não têm por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
2 - A autorização do PVP dos medicamentos não é contrária aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos.
3 - O pedido que visa a obtenção da autorização prevista nos números anteriores não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
4 - A autorização do PVP do medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial. (bold nosso).

E, o art. 9.º da mesma Lei determina ainda:

“Disposições transitórias

1 - A redacção dada pela presente lei aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa.” (bold nosso).

Ora, como é sabido, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (art. 13º, nº 1 do C. Civil), ou seja, “retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª Edição, anotação ao art. 13º) (bold nosso).

Assim sendo, que não haja outra alternativa, a nosso ver, senão a de que a orientação jurisprudencial deverá naturalmente ser reponderada por este TCAS, com a convocação desse novo elemento de ordem legal.

E, face a tais disposições legais citadas, que os actos de concessão das AIMs pelo Infarmed, em causa nos autos, sem atender à violação de direitos que decorrem da titularidade de patentes, se tenham de considerar como actos vinculados, sendo que nos presentes autos não cabe conhecer da constitucionalidade ou não dos normativos atrás citados que, em termos de fiscalidade, sempre cumprirá, em nosso entender, ao Tribunal Constitucional.

Assim, que a presente providência sempre tivesse de ser considerada improcedente por inexistência do fumus boni iuris quer para efeitos da al. a), quer para efeitos da al. b) do nº 1 do art. 120º do CPTA, ficando prejudicado o conhecimento do requisito do periculum in mora para efeitos da mesma al. b) e da ponderação de interesses a que se reporta o nº 2 do mesmo artigo e diploma legal, bem como das restantes questões e da requerida ampliação do recurso nos termos em que é invocado, ou seja, para aferir da falta do fumus boni iuris.

IV – Pelo que, em face do exposto e em conclusão, e sem prejuízo do exercício do contraditório, notificando - se para tal as partes envolvidas para se pronunciarem sobre tal questão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso interposto pelo então requerente da providência, mas com os fundamentos deste parecer, bem como improcedente o recurso interposto em ampliação, pela contra - interessada, ao abrigo do art. 684º-A do CPC