Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:10/13/2011
Processo:07494/11
Nº Processo/TAF:01021/10.0BELRA
Sub-Secção:2º Juízo
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM.
AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO.
CONTA-ALEGAÇÕES DO M.P..
RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL.
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO RESOLUTIVO.
NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO.
Observações:PA 37/10, TAF de Leiria
PA 206/10,TCA Sul
Texto Integral:Venerandos Juízes Conselheiros do
Supremo Tribunal Administrativo




O Ministério Público, Autor na acção supra referenciada, vem, em face do recurso de revista interposto ao abrigo do artº 150º do CPTA, pela entidade demandada, Município da Golegã, do acórdão deste TCAS que manteve a sentença que considerou procedente a acção, apresentar as suas contra-alegações, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:


A . Admissibilidade do recurso de revista:

Considera o recorrente que este recurso de revista é “manifestamente necessário” para que haja melhor aplicação do direito, mais concretamente da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, de forma a garantir, às relações entre a Administração Pública e os trabalhadores, maior certeza e transparência, aquando da elaboração dos contratos celebrados entre si.”, o que justifica, no seu entender, a intervenção do Tribunal Superior.

Dispõe o artº 150º do CPTA, o seguinte::

1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

Em causa está a decisão contida no douto Acórdão recorrido que manteve o acórdão de 1ª instância, ambos decidindo, nos termos do art. 10º nº 3, da Lei nº 23/2004 de 22/06, pela nulidade do contrato de trabalho a termo resolutivo outorgado em 28 de Outubro de 2008 e posteriormente renovado por mais dois anos, por Despacho do Presidente da Câmara Municipal da Golegã, datado de 25 de Setembro de 2009, por violação dos arts. 9º nº 1 al. h) da Lei nº 23/2004 de 22/06 e art. 131º nº 1 al. e) e nº 3 do Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27/08), ex vi o art. 2º daquela Lei.

Resulta da matéria de facto assente que o referido contrato de trabalho a termo resolutivo não refere, em lado algum, o motivo justificativo da sua celebração, ou seja, as razões concretas e objectivas justificativas e relacionais com o termo como o exige o art. 131º nº 1 alínea e) e nº3 do CT por força do art. 2º nº 1 da Lei nº 23/2004.

Como é sabido, o presente recurso de revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual, competindo ao tribunal de revista aplicar definitivamente o direito aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o que obsta, salvo os casos referidos no seu n° 4, a que o tribunal de recurso se pronuncie sobre a matéria de facto.

Ora, face á matéria de facto assente na sentença, ( alínea H)), no contrato celebrado bem como despacho nº 65 de 11 de Setembro de 2008, do Presidente da Câmara da Golegã, que o autorizou, apenas se refere que o mesmo foi celebrado ao abrigo da alínea h) do nº1 do artº 9º do DL nº 23/2004, nos termos do qual nos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas só pode ser aposto termo resolutivo(nº1) … para fazer face ao aumento excepcional e temporário da actividade do serviço ( h) ).

Atendendo a que a aplicabilidade do nº3 do artº 131 do CT ao caso não parece merecer dúvidas e a jurisprudência já se pronunciou diversas vezes sobre a necessidade de invocação de factualidade concreta integrante das asserções contidas em normativos, não bastando a mera referência a este e, até, concretamente sobre casos semelhantes aos dos autos, baseando-se nomeadamente no princípio geral de direito administrativo da necessidade de fundamentação das decisões da Administração, não nos parece que estejamos perante uma “questão jurídica complexa” .que suscite dúvidas e, consequentemente, determine a sua melhor apreciação.

Por outro lado, a questão em apreço já se encontra tratada em pelo menos duas decisões deste TCAS, no sentido da nulidade do contrato por falta de invocação das razões concretas que determinaram a sua celebração (cfr. Acs. de 5-5-11 e de 12/05/2011, in Rec 07494/11 e Rec. 07388/11, respectivamente).

Para além disso, não nos parece que a matéria tratada seja de maior importância, a ponto de justificar a intervenção desse Alto Tribunal, pelo que também por este motivo o presente recurso de revista será de rejeitar ( cfr, ac do STA de 22-3-07 Rec. 0217/07)

Entendemos, pois, salvo melhor opinião, que o presente recurso extraordinário de revista não deverá se recebido, por não preencher os requisitos do art. 150º nº 1 do CPTA.

B - Mérito do recurso de revista

Tanto a sentença proferida pelo TAF de Leiria, como o acórdão deste TCAS, proferidos nestes autos, consideraram que o contrato de trabalho celebrado a termo resolutivo em apreciação deveria conter “as razões concretas objectivas justificativas e relacionais com o termo” tal como impõe o nº3 do artº 131º, do Código do Trabalho, aplicável complementarmente à Administração Pública por força do nº1 do artº 2º da Lei nº 23/2004, de 22-6, nos termos do qual “aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial, com as especificidades constantes da presente lei ( destacado nosso).

Nestes termos, consideram as doutas decisões recorridas que a referida fundamentação é obrigatória nos termos do nº1 alínea e) e nº3 do artº 131º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, aplicável prioritariamente aos contratos de trabalho em análise, mas com as especificidades constantes da L ei nº 23/2004, de acordo com o seu já citado nº1 do artº 2º.

Pelo contrário, entende a entidade recorrente nas suas alegações, que o Código de Trabalho não é aplicável à situação concreta dos autos, essencialmente porque considera que este é de aplicação meramente subsidiária em relação à Lei nº 23/2004, não existindo qualquer relação de complementaridade entre os dois diplomas legislativos.

Assim, ainda segundo a recorrente, uma vez que as menções que devem constar do contrato celebrado pela Administração Pública - quer seja a termo resolutivo, quer não seja - estão consignadas nas diversas alíneas do nº2 do artº 8º da Lei nº 23/2004, do mesmo não constando a obrigatoriedade de fundamentação, esta não pode ser considerada obrigatória por aplicação da alínea e) do nº1 e nº3 do artº 131º do CT, nos termos dos quais do contrato de trabalho a termo devem constar (nº1)…e) Indicação do termos estipulado e respectivo motivo justificativo ( destaque nosso).

Parece-nos que não assiste razão à recorrente.

Assim, em relação à interpretação que esta faz do nº1 do artº 2º, parece-nos que a sua redacção afasta a relação de subsidiariedade do Código de Trabalho em relação à Lei nº 23/2004.

De facto, se o CT fosse de aplicação subsidiária e não principal, o legislador tê-lo-ia dito clara e inequivocamente como em tantos casos ocorre.

Nestes termos, parece-nos que o CT se aplica prioritariamente a este tipo de contratos no que se refere às formalidades que devem conter, uma vez que na Lei nº 23/2004 essas formalidades não vêm especificadas, ao contrário do que a recorrente parece defender.

E isto por que o nº1 do artº 8º da Lei nº 23/2204, se refere a todos os contratos em geral e não aos contratos a termos resolutivo, sendo que é nestes e apenas nestes que a necessidade da aposição do motivo justificativo se põe.

Ademais, não vemos qualquer razão distintiva que justifique uma diferenciação de critérios entre o regime aplicável à Função Pública e o aplicável aos contratos a termo de natureza privada, especificadamente no que se refere ao dever de fundamentação desta contratação.

Pelo contrário, o dever de fundamentação é um dos princípios basilares porque se rege a Administração Pública, estando inclusivamente e como é sabido, consignado também constitucionalmente.

Este dever de fundamentação não pode deixar de ser aplicável ao processo de contratação em análise já que este, constituindo uma excepção à regra da contratação por tempo indeterminado, traduz-se inegavelmente numa limitação de direitos dos trabalhadores da função pública, tal como se traduz numa limitação de direitos dos trabalhadores ao serviço de entidades privadas.

A excepcionalidade deste tipo de contratação está bem patente na obrigatoriedade de autorização prévia das entidades referidas no nº5 do artº 9º da Lei nº 23/2004, ou dos Presidentes da Câmara, no que se refere à contratação de trabalhadores das Autarquias Locais, nos termos da alínea a) do nº2 da Lei nº 169/99, de 18-9, com a alteração introduzida pela Lei nº 5-A/02, de 11-1.

Ora, estas autorizações prévias não podem deixar de se basear em factos concretos invocados pela entidade contratante, pois só estes são susceptíveis de demonstrar as reais necessidades justificativas deste tipo de contratação precária.

Verifica-se, porém, no caso vertente, que também o despacho autorizativo de 11-9-2008, da autoria do Presidente da Câmara, é totalmente omisso quanto à justificação para a adopção de um contrato a termo resolutivo.

Em face do exposto, parece-nos que não poderiam as decisões jurisdicionais já tomadas nestes autos decidir de outro modo, pelo que pugnamos pela sua manutenção.



C- Em conclusão:

1 - O recurso de revista, a que alude o nº 1, do artigo 150º do CPTA, tem por objectivo possibilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, sendo que os pressupostos da sua admissibilidade caracterizam a natureza excepcional e em casos de maior importância, não correspondendo, assim, à introdução generalizada de uma nova instância de recurso.

2 - No presente recurso de revista parece-nos que a questão suscitada, da necessidade de fundamentação mediante a invocação de factos concretos, da opção por um contrato a termo resolutivo, por uma entidade pública, para além de já ter sido tratada em diversos arestos deste TCAS, em face do aí decidido, não suscita muitas dúvidas em termos de aplicação do direito.

3-Assim, parece-nos salvo melhor opinião, que o presente recurso de revista não deverá ser admitido.

4- Caso assim se não entenda, o presente recurso deverá ser considerado improcedente pelos seguintes motivos:

5- O nº1 do artº 2º da Lei nº 23/2004 estabelece uma relação de complementaridade desta Lei em relação ao Código de Trabalho, no que diz respeito a todos os contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas.

6- No caso dos contratos de trabalho a termo resolutivo essa complementaridade está bem patente quanto à aplicabilidade da formalidade contida na alínea e) do nº1 e nº3 do artº 131º do CT , a qual se traduz na aposição do motivo justificativo no contrato, já que a lei nº 23/2004 não regula especificadamente as formalidades relativas a este tipo de contratos.

7- Ademais, a defesa dessa não fundamentação não tem qualquer justificação plausível ao nível dos princípios gerais de direito administrativo, mormente no que diz respeito à necessidade de fundamentação das decisões administrativas que restrinjam direitos e interesses legalmente protegidos.

8 – Assim, a decisão contida no douto Acórdão recorrido que confirmou a sentença de 1ª instância, ambos decidindo pela nulidade do contrato individual a termo resolutivo e consequente renovação, em causa nos autos, nos termos do art. 10º nº 3 da Lei nº 23/2004 de 22/06, por violação do art. 9º nº 1 al. h) da Lei nº 23/2004 de 22/06 e art. 131º nº 1 al. e) e nº 3 do Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27/08), ex vi o art. 2º daquela Lei, mostra-se consentânea com a legislação aplicável bem como com a jurisprudência existente sobre a matéria.

9 - Termos em que, caso o presente recurso seja recebido, se deverão manter as decisões jurisdicionais já proferidas, assim se negando provimento ao presente recurso jurisdicional de revista excepcional.

Assim decidindo, farão Vossas Excelências
a costumada


JUSTIÇA !