Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:08/19/2014
Processo:08691/12
Nº Processo/TAF:491/07.9BEALM / TAF DE ALMADA
Sub-Secção:2.º Juízo - 1.ª Secção
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:CONTRA-ALEGAÇÕES DO M.ºP.º.
JUIZ SINGULAR.
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA.
ACÓRDÃO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.
APLICAÇÃO RETROACTIVA.
CONVOLAÇÃO DE RECLAMAÇÃO EM RECURSO.
Texto Integral:Procº nº 8691/12

2º Juízo-1º Secção

Acção Administrativa Especial

Recurso de revista

Contra-alegações


Venerandos Juízes Conselheiros do

Supremo Tribunal Administrativo


Vem o presente recurso de revista interposto pelo demandado, do acórdão deste Tribunal Central Administrativo que considerou não ser de conhecer o recurso jurisdicional que aquele interpusera da sentença da primeira instância, por não ter previamente reclamado para a conferência, nos termos do nº2 do artº 27º do CPTA.

Segundo o acórdão recorrido, nos termos do nº 3 do artº 40º do ETAF, a presente acção administrativa especial, pelo seu valor, requeria que fosse julgada pelo tribunal colectivo, o que no caso vertente não aconteceu.

Esta decisão baseou-se em vasta jurisprudência tanto do STA, como do TCAS, que têm vindo a decidir unanimemente no mesmo sentido, conhecendo de todas as questões que vêm suscitadas pelo recorrente nas alegações referentes a este recurso de revista.

Por este motivo, independentemente dos fundamentos utilizados pelos recorrentes - que têm vindo a ser os mesmos praticamente em todos os recursos de revista – tem o STA considerado, de forma unânime, de não admitir os recursos em casos semelhantes ao aqui analisado ( cfr entre outros, os mais recentes acórdãos de 24-6-2014, proferidos nos processos nºs 0576/14, 0643/14 e 0578/14 e ainda o acórdão do STA de 10-7-2013 in procº nº 0917/13).

Transcreve-se, a título de exemplo, parte do citado acórdão proferido nº 0643/14, o qual não admitiu o recurso por considerar que as questões a resolver, similares às que o ora recorrente aborda, já foram apreciadas em múltiplos arestos dos tribunais superiores da jurisdição administrativa.

“2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. A questão do presente recurso de revista centra-se no regime de impugnação das decisões do juiz de tribunal administrativo e fiscal em acções de contencioso pré-contratual de valor superior à alçada do respectivo tribunal.

No caso vertente, como se viu, a decisão do TAF, conhecendo do mérito da causa, foi tomada em 11/11/2013, ou seja, já após o acórdão deste Supremo Tribunal, pelo seu Pleno, para uniformização de jurisprudência, de 5-6-2012, no recurso 0420/12, publicado em Diário da República, 1ª Série, de 19-9-2012, sob o n.º 3/2012.

E o acórdão recorrido, ao não conhecer do recurso dessa decisão, sustentou-se, entre o mais, na jurisprudência deste Supremo.

Ora, no sobredito acórdão para uniformização de jurisprudência, perante oposição entre dois arestos do TCA prolatados em processos de contencioso pré-contratual, fixou-se: «Das decisões do juiz relator sobre o mérito da causa, proferidas sob a invocação dos poderes conferidos no art. 27º, n.º 1, alínea i), do CPTA, cabe reclamação para a conferência, nos termos do n.º 2, não recurso».

E depois desse acórdão, mas ainda antes da decisão do TAF, já este Supremo, através de acórdão de 10.05.2013, no processo 1064/13, também em acção de contencioso pré-contratual, ditara que o art. 27º, 2, é aplicável quer o relator tenha, ou não, invocado os poderes a que alude o art. 27º, 1, i), do CPTA.

Essa linha de entendimento tem sido reiterada e foi-o, nomeadamente, no processo 01360/13, pelo acórdão de 5.12.2013, em formação alargada, ao abrigo do art. 148.º, publicado em Diário da República, 1ª Série, de 30-01-2014, sob o n.º 1/2014.

No recurso, os recorrentes suscitam interrogações particulares sobre o entendimento seguido, nomeadamente, no respeitante a violação do direito da União Europeia, da Constituição da República, do regime do novo CPC.

Este Supremo, nomeadamente nos acórdãos referidos, perfilhou e tem continuado a perfilhar o entendimento acima indicado, para o qual, naturalmente, tem em conta todo o direito aplicável, ainda que não necessariamente fazendo referência a todas as interrogações que poderia suscitar.

Com certeza que se pode apresentar, para enfrentar a questão do regime de impugnação, um vastíssimo leque de perspectivas, mas o certo é que se encontra consolidado neste Supremo o entendimento que o acórdão recorrido seguiu.

Ora, se o acórdão recorrido seguiu o entendimento reiterado neste Supremo não tem razão de ser admitir-se revista para reequacionar esse entendimento. Em rigor, acabaria por se transformar a revista não num recurso sobre o julgamento do TCA antes num recurso sobre o entendimento deste Supremo, e, no caso vem frontalmente manifestada a oposição a essa jurisprudência; mas não é esse o objectivo do recurso de revista.

O acabado de enunciar permite concluir, também, que não tem lugar a admissão com base numa clara necessidade de melhor aplicação do direito.

Naturalmente que os recorrentes poderão qualificar de errada a jurisprudência seguida; simplesmente, não é qualificação que aqui se possa acolher como servindo de elemento integrativo da previsão do artigo 150.º, n. 1. Esta formação não pode considerar verificada essa necessidade se o acórdão recorrido se louvou na jurisprudência deste Supremo e se, como se disse, não é a jurisprudência deste Supremo que se encontra sob recurso.

Finalmente, e sobre dois pontos específicos:

Não é razão de revista a alegada necessidade de esclarecimento do que respeita a exigência de reenvio prejudicial: enquanto esclarecimento não é, pois o recurso não se apresenta como pedido de esclarecimento do acórdão recorrido; enquanto exigência, face à matéria em si, também não, atento o já indicado entendimento consolidado deste Supremo sobre o problema da impugnação, ele sempre tomado sem qualquer necessidade de reenvio.

Igualmente, não se considera como importante questão jurídica o problema da convolação: por um lado, a regra do CPC invocada não se afigura ter o alcance de fazer irrelevar a tempestividade; por outro lado, nos casos, como o presente, em que a decisão do TAF é posterior ao Pleno uniformizador e também, como se disse, ao acórdão 1064/13, não se descortinam razões especiais que possam levar a reequacionar a exigência dessa tempestividade, como em geral é aceite, e de que são exemplo os acórdãos deste Supremo de 28-03-2012, proc. 0618/11 e de 22-2-2011, processo 0449/10: «Não pode convolar-se em "reclamação para a conferência" o recurso da decisão do relator para o Pleno da 1ª Secção, se o recurso tiver sido interposto depois de esgotado o prazo da reclamação»”.

Termos em que, em face da jurisprudência citada, não é de admitir o presente recurso de revista para apreciação de quaisquer dos fundamentos invocados.

B- Do mérito do recurso de revista:

As questões mais relevantes suscitadas nas presentes alegações são as seguintes:

1- Aplicação retroactiva do Acórdão do Pleno do STA para Uniformização de Jurisprudência nº 3/2012, datado de 5-6-2012 e publicado no DR, I Série de 19-9-2012, , o qual decidiu que das decisões do juiz-relator proferidas ao abrigo da alínea i) do nº1 do artº 27º do CPTA cabe reclamação para a conferência nos termos do nº2 do mesmo artigo..
2- Não convolação da reclamação em recurso;
3- violação da tutela jurisdicional efectiva e princípio da confiança;
Por estas questões se relacionarem entre si, pronunciar-nos - emos, sobre as mesmas, em conjunto.

Para que os despachos de admissão de recursos, proferidos antes do Acórdão para Uniformização de Jurisprudência, se pudessem manter na ordem jurídica, teria, à semelhança do que acontece com as restrições de efeitos das declarações de inconstitucionalidade proferidas pelo Tribunal Constitucional, que existir norma expressa que previsse a não retroactividade dessa espécie de acórdãos ( cfr artº 282º nº4 da CRP), o que efectivamente não acontece.

Ora, contendo o referido aresto, apenas, uma mera interpretação da alínea i) do nº1 e do nº2 do artº 27º do CPTA e vigorando este Código desde 1-1- 2004, este dispositivo legal aplica-se, obrigatoriamente, desde esta data ( o mesmo acontecendo com o nº3 do artº 40º do ETAF), independentemente da jurisprudência que sobre a sua aplicabilidade se formou antes e depois do citado acórdão para uniformização de jurisprudência.

Assim, perante uma sentença proferida por juiz singular, após 1-1-2004, numa acção administrativa especial, de valor superior à alçado do tribunal de primeira instância, não poderia o recorrente – ademais obrigatoriamente representado por advogado - ignorar quer o nº2 do artº 27º, quer o nº4 do artº 40º do ETAF e ainda o artº685-A do CPC.

Portanto, tem de se considerar que, ao interpor recurso jurisdicional, optou por um sentido errado dos citados normativos do ETAF e do CPTA, bem sabendo ou devendo saber que a admissão do recurso não vinculava o tribunal superior e, como tal, estava sujeito a diversa interpretação dos preceitos citados.

Ademais, o acórdão do Pleno do STA não é inovatório quanto à necessidade de reclamação para a conferência em casos semelhantes ao aqui tratado, como demonstra o teor do acórdão do STA de 19-10-2010, publicado no site www.dgsi.pt.

Quer a jurisprudência do STA, quer do TCAS, se têm pronunciado unanimemente no sentido de acolher a doutrina do Acórdão para Uniformização de Jurisprudência citado, tendo também a jurisprudência do TCAS se pronunciado, sempre de maneira uniforme, no sentido da retroactividade da doutrina em causa ( cfr ,entre outros, os acórdão do TCAS de 6-6-2013 e de 1-3-1013, in recºs nºs 10023/13 e 7424/11, respectivamente).

Quanto á defendida convolação do recurso em reclamação para a conferência para além do prazo de 10 dias, também já se pronunciaram os tribunais superiores no sentido da sua impossibilidade e de que são exemplo os acórdãos do Supremo de 28-03-2012, proc. 0618/11 e de 22-2-2011, processo 0449/10: «Não pode convolar-se em "reclamação para a conferência" o recurso da decisão do relator para o Pleno da 1ª Secção, se o recurso tiver sido interposto depois de esgotado o prazo da reclamação»”.

O acórdão recorrido, ao decidir pela necessidade de reclamação para a conferência e pela não convolação do recurso em reclamação, não violou, pois, os princípios da segurança e certeza jurídica, da tutela jurisdicional efectiva e da protecção e confiança, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, pois foi proferido de acordo com lei expressa que lhe impunha as decisões proferidas.

Sobre as questões suscitadas nas alegações do recorrente, se pronunciaram no sentido da sua improcedência os recentes acórdãos deste TCAS de 10-7-14, in recºs nºs 05585/09, 10870/14 e 05585/09)

Termos em que, pelos motivos expostos, deverá ser rejeitada a admissão deste recurso de revista, ou caso assim se não entenda, deverá o mesmo improceder, nos termos atrás referidos.


Assim, decidindo, farão Vossas Excelências, a costumada,

JUSTIÇA!



A Procuradora-Geral Adjunta

Maria Antónia Soares