Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:05/21/2012
Processo:05749/09
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:RECURSO DE REVISTA PARA O S.T.A.
SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS IMPOSTOS.
DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS.
NÃO ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE CUSTAS.
Texto Integral:Procº nº 05749/09
Recurso de revista

Alegações de recurso jurisdicional,

Recorrente: Ministério Público

Recorrido: Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos


Venerandos Juízes Conselheiros do

Supremo Tribunal Administrativo


Vem o presente recurso jurisdicional de revista, interposto pelo MP ao abrigo do artº 150º do CPTA, no uso das suas competências de defesa da legalidade objectiva, da parte do douto acórdão deste TCAS que considerando improcedente o recurso jurisdicional interposto pelo Autor e Recorrente Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, da sentença do TAC de Lisboa, o isentou do pagamento de custas.

Está, pois, em causa, neste recurso jurisdicional, apenas a questão de saber se o Sindicato Recorrente, na medida em que representa neste processo, apenas três associado, defendendo interesses que apenas aos mesmos dizem respeito (rectificação de escalão e índices remuneratórios e restituição de quantias pagas ao abrigo do acto rectificado), está ou não isento de custas processuais.

I - Admissibilidade do presente recurso de revista

O pagamento de custas pelos Sindicatos, quando representam apenas um associado ou alguns associados com problemas funcionais específicos, tem sido, a partir da entrada em vigor da Lei nº 59/2008 de 11-9, entendimento jurisprudencial quase unânime tanto do STA como deste TCAS(cfr acórdão do STA de 16-11-2011, in recurso nº520/11, e ac do TCAS de 12-4-12 in procº nº 08455/12, todos publicado no site www.dgsi.pt).

. Muito embora, no caso vertente, não tenha sido verdadeiramente apreciada a questão , não contendo, o acórdão, fundamento para a isenção decretada, a verdade é que essa isenção se apresenta ilegal por violadora das disposições legais aplicáveis, bem como da Jurisprudência que já se pronunciou sobre a questão.

Por outro lado, trata-se de uma questão com relevância social na medida em que o pagamento de custas pelos sindicatos nos casos em que não representam genericamente uma classe de trabalhadores, irá constituir uma receita adicional para o erário publico.

E finalmente, para uma melhor aplicação do direito, não só no caso vertente, como também em muitos outros casos em que a mesma questão se coloca, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que se justifica o recebimento do presente recurso de revista.

II - Mérito do recurso de revista

Como já se referiu, está em causa neste recurso jurisdicional, apenas a questão de saber se o Sindicato Recorrente, na medida em que representa neste processo, apenas três seus associados, defendendo interesses profissionais que só aos mesmos dizem respeito, está ou não isento de custas processuais.

Para isso importa, antes de mais, aferir se a resposta negativa a esta questão impede ou não o exercício cabal, pelos Sindicatos em geral e pelo Requerente em particular, dos direitos e competências que às associações sindicais são atribuídos pela Constituição e pela Lei.

Nos termos da alínea f), do nº1, do artº 4º, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), estão isentas de custas as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.

Poderia, assim, parecer à primeira vista, que os Sindicatos, enquanto se integram nessa categoria de pessoas colectivas, estão isentos de custas.

Mas desde logo o legislador, no dispositivo legal citado, restringiu essa isenção a apenas algumas situações, donde se conclui que as referidas pessoas colectivas, incluindo os sindicatos, não estão sempre isentos de custas

Tal como refere Salvador da Costa, in “Regulamento das Custas Processuais”, anotado e comentado, pág 141 e ss, a isenção em apreço é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que á comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar.”

Ora, não há dúvida de que os sindicatos, enquanto defendem os interesses colectivos da classe que representam, se podem integrar no conceito de pessoa colectiva de natureza privada sem fins lucrativos que age de certa maneira, “em prol do bem comum”.

Será o caso da sua intervenção no uso das competências que são conferidas aos Sindicatos, nomeadamente pelos artigos 56º nº2 e 92º nº2 e 98º, todos da CRP e nº1 do artº 310º da Lei nº59/08.

O mesmo não acontece, porém, quando representam os trabalhadores para defesa de interesses individuais destes.

Não está aqui em causa, contudo, a legitimidade do Recorrente para a defesa desses interesses individuais em juízo, assunto que já foi devidamente tratado em sentido positivo pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores – Tribunal Constitucional e Supremo Tribunal Administrativo - como é sabido.

O que se pretende é aferir se o Recorrente embora com legitimidade para defender interesses individuais dos seus associados em juízo, está nestes casos isento do pagamento de custas.

De facto essa legitimidade nada tem a ver com o pagamento de custas, da mesma maneira que a legitimidade indiscutível, do seu associado, para propor por si a presente acção, não o isentaria desse pagamento.

E se é certo que a alínea f) do nº1 do artº 4º do RCP, poderia permitir numa dada interpretação essa isenção, mormente por inexistência de qualquer lei restritiva, a verdade é que a partir da entrada em vigor, em 1-1-2009, do nº3 do artº 310º da Lei nº59/2008, a situação dos sindicatos alterou-se no que respeita à isenção aparente de custas de que beneficiavam em casos semelhantes aos dos autos.

Há quem defenda que a norma constante do RCP é que derrogou a norma constante da Lei nº 59/2008, uma vez que o DL nº 34/ 08, de 26-2 que aprovou o RCP, sofreu várias suspensões da entrada em vigor do seu artº 26º, só tal vindo a acontecer em 20-4-2009( cfr artº 3º do DL nº 181/08, de 28-8 e artº156º nº1 da Lei nº 64-A/08 de 31-12).

Assim, por a Lei nº59/08 ser posterior ao DL nº 34/08 – para além de ter valor hierarquicamente superior – entendemos que o nº3 do artº 310º daquela, sempre deverá prevalecer sobre a línea f) do nº1 do artº 4º deste.

Mas ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que se considerasse que o RCP é posterior à Lei nº 59/2008, sempre prevaleceria o seu normativo nº3 do artº 310º sobre a línea f) do nº1 do artº 4º daquele, uma vez que, como é sabido, a lei geral não derroga a especial (artº6º do C.Civil), como é, inequivocamente, o citado nº3 do artº 310º, enquanto regula expressa e especialmente, o sistema de custas das associações sindicais.

De facto, refere o citado nº3 do artº 310º, o seguinte:

“As associações sindicais beneficiam da isenção do pagamento das custas para defesa dos direitos e interesses colectivos, aplicando-se, no demais, o regime previsto no Regulamento das Custas Processuais”.

Este nº3 vem na sequência do referido no nº2, no qual se refere que,

“É reconhecida às associações sindicais legitimidade processual para defesa dos direitos e interesses colectivos e para defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem”.

Assim, interpretando estes dois dispositivos legais que, por sua vez, vêm na sequência dos direitos e interesses colectivos estabelecidos no nº1 também do artº 310º, parece-nos que há clara distinção entre a competência dos sindicatos para a defesa dos direitos e interesses colectivos dos trabalhadores ( nomeadamente os previstos no nº1) e a competência para defesa colectiva ( por excluir interesses e direitos de natureza privada) dos direitos e interesses individuais ( profissionais) dos trabalhadores.

Assim, se a lei determina agora mais claramente, a isenção de custas das associações sindicais apenas quando defendem interesses colectivos, parece-nos manifesto que pretendeu, nos restantes casos, que as mesmas seguissem a regra geral, ou seja, o pagamento de custas tal como acontece, por norma, com todas as partes processuais.

Será isto, decerto, que o legislador pretendeu ao remeter os “demais” (casos) - nomeadamente a defesa dos interesses individuais - para o regime geral ( e não excepcional, como é o previsto no artº 4º) do RCP.

De facto, não faria sentido que, se tivesse em vista isentar as associações sindicais em todos os casos em que intervêm processualmente, não o fizesse no mesmo dispositivo legal do nº3 do artº 310º, sem estabelecer qualquer diferença entre a defesa dos interesses colectivos e individuais.

Nos termos do nº3 do artº 4º do DL nº 84/99, de 19-3,

“É reconhecida às associações sindicais legitimidade processual para defesa dos direitos e interesses colectivos e para a defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem, beneficiando da isenção do pagamento da taxa de justiça e das custas”.

Porém, o último segmento deste dispositivo legal encontra-se revogado pelo art. 25º do D.L. 34/2008, de 26-2, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais , que sob a epígrafe “benefício de isenção de custas”, determina a revogação das isenções de custas estabelecidas em toda a legislação avulsa e atribuída a todas as entidades públicas e privadas, que não estejam previstas no citado Decreto-Lei.

Nestes termos, ainda que se considere que o não pagamento das custas do Sindicato Recorrente poderia ter justificação na citada alínea f) do nº1 do artº 4º do RCP, o mesmo encontra-se revogado pela norma especial do nº 3 do artº 310 da Lei nº 59/2007. conforme já se referiu.

Mas será este dispositivo legal é constitucional face ao estabelecido no artº 56º nº1 da CRP, enquanto estipula que compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam?

No nosso entender não colide com esta norma constitucional, uma vez que a isenção de custas não está aí consagrada, no seu nº2 como direito das associações sindicais.

Por outro lado, esse pagamento não afecta, impede, ou limita, o exercício dos direitos processuais das associações sindicais, tal como acontece, no geral, em relações a todas as pessoas publicas e privadas que não estão isentas do pagamento de custas.

E, finalmente, afigura-se-nos que a interpretação que o Recorrente faz do nº3, do artº 310º, da Lei nº 59/2008, é que poderia inconstitucional por violação do princípio da igualdade, na medida em que estabeleceria uma diferença infundada entre os trabalhadores sindicalizados representados ou não representados pelo Sindicato ou entre aqueles e os não sindicalizados, que recorrem aos tribunais, numa matéria especialmente relevante no que ao direito ao acesso aos tribunais diz respeito, como é o pagamento de custas, podendo ser violado, com isso, o direito á liberdade sindical, como direito a optar livremente entre estar sindicalizado ou não artº 55º nº2, alínea b) da CRP).

Termos em que deverá ser revogado o douto acórdão recorrido na parte em que isentou o Recorrente – enquanto parte vencida - do pagamento das custas.

III - Em conclusão:

1 - Está em causa, neste recurso jurisdicional, a questão de saber se o Sindicato Recorrente, enquanto parte vencida, na medida em que representa neste processo, apenas um seu associado, defendendo interesses que apenas ao mesmo dizem respeito, está isento de custas processuais, como decidiu o douto acórdão proferido nos autos.

2 - A jurisprudência dos Tribunais Superiores do Contencioso Administrativo tem-se pronunciado no sentido dessa não isenção, nomeadamente a partir da entrada em vigor da Lei nº 59/2008 de 11-9, em face do nº3 do seu artº 310º e na sequência do estabelecido no artº 25º da Lei nº 34/2008, de 26-2 (cfr acórdão do STA de 16-11-2011, in recurso nº520/11, e ac do TCAS de 12-4-12 in procº nº 08455/12, todos publicado no site www.dgsi.pt).

3 - Assim, com fundamento na clara necessidade de melhor aplicação do direito no caso concreto, em face da jurisprudência citada e com fundamento na relevância social do pagamento de custas pelos Sindicatos nestes casos - os quais se repetem com frequência nesta Jurisdição - deverá ser admitido o presente recurso de revista.

4 - Nos termos da alínea f), do nº1, do artº 4º, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), estão isentas de custas as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável.

5 - Se é certo que os sindicatos, enquanto defendem os interesses colectivos da classe que representam, se podem integrar no conceito de pessoa colectiva de natureza privada sem fins lucrativos que age de certa maneira, “em prol do bem comum”, o mesmo já não acontece quando defendem interesses individuais de um ou mais trabalhadores.

6 - Ainda que se considerasse que o Regulamento das Custas Processuais aprovado pela Lei nº 34/2008 e cuja vigência foi sucessivamente prorrogada, é posterior à Lei nº 59/2008, sempre prevaleceria o normativo do nº3 do artº 310º sobre a línea f) do nº1 do artº 4º daquele, uma vez que, como é sabido, a lei geral não derroga a especial, excepto se for essa a intenção inequívoca do legislador (artº6º do C.Civil), o que não nos parece ser o caso).

7 - Se é certo que a alínea f) do nº1 do artº 4º do RCP, poderia permitir, numa dada interpretação, essa isenção, mormente por inexistência de qualquer lei restritiva e por entretanto ter sido revogado o artº4º, nº3 do DL nº 84/99, de 19-03 pelo artº25º da Lei nº34/2008, de 26-2, a verdade é que a partir da entrada em vigor, em 1-1-2009, do nº3 do artº 310º da Lei nº59/2008, a situação dos sindicatos alterou-se no que respeita à isenção aparente de custas de que beneficiavam em casos semelhantes aos dos autos.

8 - Interpretando os nºs 2 e 3 do artº 310º da Lei nº 59/2008, que, por sua vez, vêm na sequência dos direitos e interesses colectivos estabelecidos no nº1 também do artº 310º, parece-nos que há clara distinção entre a competência dos sindicatos para a defesa dos direitos e interesses colectivos dos trabalhadores ( nomeadamente os previstos no nº1) e a competência para defesa colectiva ( por excluir interesses e direitos de natureza privada) dos direitos e interesses individuais ( profissionais) dos trabalhadores.

9 - O pagamento de custas neste caso não afecta, impede, ou limita, o exercício dos direitos processuais das associações sindicais, tal como acontece, no geral, em relações a todas as pessoas publicas e privadas que não estão isentas do pagamento de custas, pelo que a norma que o determina não é inconstitucional por violação do artº 56º, nºs 1 e 2da CRP.

10 - A interpretação da alínea f), do nº1, do artº 4º, do RCP, no sentido de determinar a isenção de custas aqui tratada, é que poderia ser inconstitucional por violação do princípio da igualdade e da justiça, na medida em que estabeleceria uma diferença infundada entre os trabalhadores sindicalizados representados ou não representados pelo Sindicato, ou entre aqueles e os não sindicalizados, que recorrem aos tribunais, numa matéria especialmente relevante no que ao direito ao acesso aos tribunais diz respeito, como é o pagamento de custas, podendo ser violado, com isso, o direito á liberdade sindical, como direito a optar livremente entre estar sindicalizado ou não ( artº 55º nº2, alínea b) da CRP).

11 - Deverá, assim, ser revogado o douto acórdão recorrido na parte em que isentou o Recorrente – enquanto parte vencida - do pagamento das custas.

Assim decidindo,

farão Vossas Excelências a costumada

JUSTIÇA !

A Procuradora Geral Adjunta

Maria Antónia Soares