Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:01/23/2015
Processo:11848/15
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 1.ª SECÇÃO
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:SOLICITADORES ESTAGIÁRIOS.
EXAME FINAL.
FALTA DE REGULAMENTAÇÃO
Texto Integral:Procºnº11848/15

2ºJuízo-1ªSecção

Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias

Parecer do MP

Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelos requerentes, solicitadores estagiários, da sentença que considerou improcedente a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, proposta contra a Câmara dos Solicitadores, com vista à declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade do artº 9º, do Regulamento nº 596/11, (Regulamento de Estágio para Solicitadores publicado no DR, II série, de 15-11-2011, alterado pelo Regulamento nº 217/2012, publicado no DR, II Série, de 6-6-2012) enquanto interpretado como prevendo a aprovação em exame nacional no final do estágio, como requisito para ingressar na profissão.

Segundo os recorrentes, o artº 9º do Regulamento nº 596/11, não regulamenta um exame nacional a realizar no final do estágio para solicitador, não sendo, o artº24º, nº 6, da Lei nº2/2013, de 10-01 (Regime Jurídico de Criação, Organização e Funcionamento das Associações Públicas Profissionais) directamente aplicável ao presente caso. Aliás, entendem os recorrentes que este último preceito não prevê a aplicação cumulativa dos requisitos ali enunciados.

Mais referem que foi violado o princípio da igualdade, uma vez que os estagiários que fizeram o exame intercalar ficaram favorecidos em relação aos recorrentes, uma vez que aquele não tem a dificuldade e abrangência do exame nacional, bem como o direito fundamental de acesso à profissão, previsto no artº 47º da CRP e na alínea b), do nº1, do artº 98º, do Estatuto da Câmara dos Solicitadores ( ECS), aprovado pelo DL nº 88/2003, de 20-11, alterado pelas Leis nºs 49/2004, de 24-8 e 14/2006 de 26-4 e ainda pelo DL nº 226/2008, de 20-1.

Assim, concluem que, sendo o referido Regulamento omisso quanto à regulamentação do exame no final do estágio, a obrigatoriedade desse exame, pela entidade recorrida, é ilegal.

E, finalmente, consideram que deveria ter sido integrado na factualidade assente, o facto de que foram considerados “aptos” no final do estágio por não ter sido impugnado pela entidade demandada.

Quanto a nós, os recorrentes têm razão.

Na verdade, o facto de a Lei nº 2/2013 prever um exame no final do estágio (cfr alínea c) do nº6 do artº 24º), não significa que o mesmo seja obrigatório, uma vez que os requisitos estabelecidos no citado artº 24º, podem não ser de verificação cumulativa, como denota o texto do corpo do nº 6.

Mas significa, no entanto, que o mesmo é possível e legal se forem cumpridas as formalidades estabelecidas na lei e nos regulamentos para o efeito.

Por sua vez, estabelece a alínea b), do nº1, do artº 98º, do ECS, que a inscrição como solicitador depende, da aprovação em exame de carácter nacional, elaborado nos termos de regulamento a aprovar pelo conselho geral”.

Decorre deste dispositivo legal que a regulamentação do exame nacional (que pode ser final ou intercalar) e a aprovação deste pelo Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores é obrigatória, pelo que não é possível efectuar exames sem estarem regulamentados - como se compreende em nome dos princípios da igualdade, transparência e proporcionalidade.

Ora, em termos de exames, o artº 9º do Regulamento nº 596/11 estabelece o seguinte:

1 — O exame nacional é escrito.

2 — É realizado no fim do primeiro período de estágio, e versa sobre
as matérias referidas no n.º 3 do presente artigo, com a duração de quatro
horas e tolerância máxima de uma hora, em data e hora a anunciar pelo
conselho geral.

3 — A nota do exame final é igual ao somatório obtido nas quatro matérias, classificadas numa escala de 0 a 20 valores, dividida por quatro:
a) Estatuto, regulamentos e deontologia;

b) Direito civil e processual civil;

c) Direito comercial, registral e notarial;

d) Direito e prática fiscal.

4 — Transitam para o segundo período de estágio os candidatos que obtenham nota igual ou superior a 10 valores a cada uma das matérias objecto de exame.

5 — Os candidatos que não obtenham a nota mínima necessária para ingressar no segundo período de estágio podem apenas e por uma só vez submeter-se ao exame final do primeiro período de estágio imediatamente subsequente, sem necessidade de frequentar as respectivas sessões de formação e demais trabalhos que nelas se integrem.

Pela leitura deste artº 9º poderá concluir-se que as suas normas são inaplicáveis a um exame nacional no fim do estágio.

Na verdade, o facto de o mesmo se referir a exame nacional significa apenas que é igual para todo o país e não que é no final do estágio em vez de ser entre as duas fases deste.

Por outro lado, as matérias que constam do exame são as matérias dadas até ao fim da primeira fase do estágio, ignorando-se quais as matérias que dizem respeito à segunda fase.

Além disso, os nºs 4 e 5 do artº 9º não se adequam minimamente a um exame no fim do estágio, estando programados para serem aplicados só no exame intermédio, nomeadamente quanto á classificação mínima exigível.

Portanto, o que está regulamentado no artº 9º é, claramente, o exame intercalar.

De resto, nada, no nosso entender, impedia que o mesmo fosse intercalar e não final, como defendemos no parecer que emitimos em 24-9-13, no processo nº 10369/13, e que mereceu acórdão favorável deste TCAS, como decorre do douto acórdão do STA de 3-4-2014, proferido no procº 0237/14, que admitiu o recurso de revista do mesmo interposto.

Extrai-se, do exposto, que a questão da legalidade do exame intercalar ainda não está definitivamente decidida.

Isto não obstante o acórdão deste TCAS de 6-3-3014, proferido no processo nº 10372/13, em sentido contrário àquele (favorável aos recorrentes e citado pela entidade recorrida), já ter transitado em julgado por falta de impugnação para o STA.

Refere o citado acórdão do STA de 3-4-2014 o seguinte:

A compatibilização com o Estatuto da Câmara dos Solicitadores (norma habilitante) e, eventualmente com a Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro, do artigo 9.º do Regulamento n.º 596/2011 que prevê um exame nacional no fim do primeiro período de estágio como condição de acesso ao segundo período do mesmo, é uma questão que se reveste de especial relevo jurídico e social na medida em que a sua resolução passa pela realização de operações exegéticas de alguma dificuldade, com soluções divergentes nas instâncias, está intimamente ligada ao direito à livre escolha de profissão e sobre a qual o Supremo Tribunal Administrativo ainda não foi chamado a pronunciar-se.
Anota-se que no DR, 2.ª série, de 17 de Março de 2014, foi publicado um novo Regulamento do Estágio para
Solicitadores (Regulamento n.º 105/2014), que revoga o Regulamento 596/2011, e no qual já não se prevê o exame nacional no fim do primeiro período do estágio.

De referir que este Novo Regulamento que veio expressamente consignar o exame no fim do estágio e estabelecer a respectiva regulamentação, não é aplicável ao caso vertente, uma vez que os recorrentes pertencem ao curso de estágio de 2013/2014 e aquele só se aplica aos estágios organizados após a data da sua aprovação pelo conselho Geral, em 8-3-2014 (cfr artº16).

Daqui se extrai, no entanto e em complemento com o que atrás se referiu, que a regulamentação específica para os exames do fim do estágio era essencial para que os mesmos tivessem lugar, atenta, aliás, a sua obrigatoriedade consignada legalmente.

Não nos parece, no entanto, que a omissão de regulamentação acarrete a violação de qualquer princípio ou direito constitucional, apenas determinando a ilegalidade do acto que designou as datas para os exames, e notificou os recorrentes para aos mesmos se apresentarem.

Por outro lado, também não se nos afigura de qualquer utilidade a inclusão de “apto” referente ao estágio na factualidade assente uma vez que desta classificação dependia a sua ida a exame, o que efectivamente aconteceu.

Termos em que, pelo exposto, emitimos parecer no sentido da procedência do presente recurso jurisdicional, com a consequente revogação da sentença recorrida.


A Procuradora-Geral Adjunta

Maria Antónia Soares