Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:12/05/2014
Processo:11447/14
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 1.ª SECÇÃO
Magistrado:Manuela Galego
Descritores:DECISÃO ARBITRAL;
RECURSO;
ADMISSIBILIDADE.
Texto Integral:Processo n.º 11447/14
RECLAMAÇÃO

VISTA em 5-12-2014

Reclama a Autora, nos termos do art. 643º, n.º 1, do CPC, para este Venerando Tribunal, do despacho proferido pelo Tribunal arbitral que lhe rejeitou o recurso interposto, por considerar não ser admissível recurso, em virtude de as partes terem convencionado (cláusula 50, n.º 9 da Convenção) que não haveria recurso da decisão arbitral, entendendo que havia renúncia ao recurso por parte da ora Recorrente.

Vigora na arbitragem em matéria administrativa um princípio geral de recorribilidade da decisão arbitral. Das decisões proferidas pelo Tribunal arbitral cabem os mesmos recursos que cabem para o Tribunal Central Administrativo (art.º 37.º, alínea b) do ETAF, salvo o disposto na Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro), desde que as partes não tenham renunciado aos recursos.

Embora no CPTA o recurso seja previsto como um princípio geral em matéria de arbitragem, a verdade é que no domínio da contratação pública e das regras especiais que regulam o mecanismo é frequente encontrarem-se normas que impõe a arbitragem como um meio de resolução definitiva do litígio.
O recurso é excecional e só é admissível com determinados fundamentos (cfr. art.º 27.º da anterior Lei de Arbitragem Voluntária e 39.º da atual).

O Artigo 4.º da citada Lei n.º 63/2011, doravante designado por LAV, revogou o art.º 186.º do CPTA citado pela reclamante.
Porém, conforme consta da decisão arbitral, a aceitação da proposta de arbitragem verificou-se em 9 de Setembro de 2009 e o requerimento de arbitragem veio a dar entrada em 28 de Janeiro de 2011.
Portanto, e de acordo com o n.º 3 do referido preceito «As partes que tenham celebrado convenções de arbitragem antes da entrada em vigor do novo regime mantêm o direito aos recursos que caberiam da sentença arbitral, nos termos do artigo 29.º da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto -Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, caso o processo arbitral houvesse decorrido ao abrigo deste diploma…».

A competência que cabia no âmbito da lei anterior, aplicável in casu, aos tribunais da 1ª instância passou para o Tribunal Central Administrativo (art.º 59º da LAV).
No novo regime (art.º 39º, nº 4), tal como no anterior (art.º 29º, nº 1), o julgamento segundo a equidade (esta por opção das partes) afasta a possibilidade de recurso.

Reforçando a autonomia dos tribunais arbitrais, o novo legislador inverteu a regra até agora existente para o recurso da sentença arbitral e entendeu que só é admissível para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade, em regra, na convenção de arbitragem (art.º 39º).
Porém, nos termos da lei anterior (art.º 29º, nº 1, da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto), observados outros requisitos, só não caberia recurso se as partes a ele tivessem renunciado.
Ficou assim estabelecida a regra da irrecorribilidade das decisões, conforme resulta também do nº 1 do art.º 46º da atual LAV que dispõe: “Salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do nº 4 do artigo 39.°, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo”.
Idêntica redação consta do artº 29º, nº 1, da Lei nº 31/86 de 29 de Agosto, com as modificações que lhe foram introduzidas pelo Dec-Lei 38/2003 de 8 de Março (Lei da Arbitragem Voluntária), o qual estipula que se as partes não tiverem renunciado ao recurso, da decisão arbitral cabem, para o Tribunal da Relação, os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo Tribunal de comarca.
Dispunha o art.º 186.º, sob a epígrafe «Impugnação da decisão arbitral»
1 – As decisões proferidas por tribunal arbitral podem ser anuladas pelo Tribunal Central Administrativo com qualquer dos fundamentos que, na lei sobre arbitragem voluntária, permitem a anulação da decisão dos árbitros.
2 – As decisões proferidas por tribunal arbitral também podem ser objecto de recurso para o Tribunal Central Administrativo, nos moldes em que a lei sobre arbitragem voluntária prevê o recurso para o tribunal de relação, quando o tribunal arbitral não tenha decidido segundo a equidade.”
Este preceito tem que ser conjugado com os preceitos da LAV (vigente à data), referentes à admissibilidade dos recursos das decisões arbitrais, os quais restringem a sua aplicação nos termos expostos, nomeadamente o preceituado no atrás citado art.º 29.º da anterior LAV (cfr. também os art.º 180.º e segs do CPTA que remetem genericamente para a mesma lei).

A arbitragem voluntária tem um fundamento contratual, que inibe as partes de vir questionar uma ou mais normas a que antes se vincularam, o que configura um verdadeiro “venire contra factuam proprium”, e é o caso.
Portanto, o recurso não é admissível, nos termos em que foi decidido pelo Tribunal arbitral.

Neste sentido vejam-se os seguintes Acórdãos proferidos na jurisdição comum, mas em casos semelhantes:
Acórdão do STJ, sob nº 06B3359, de 03/05/2007: “1 – Quando as partes, no exercício legítimo da sua autonomia contratual, assinaram uma convenção arbitral e renunciaram a outro foro, vedada lhes fica a discussão em juízo do mérito ou demérito da decisão final dos árbitros e das decisões que foram caminhando o caminho até à decisão final. 2 – Resta-lhes, em tal caso, a possibilidade de anulação da sentença arbitral nos termos e fundamentos do art. 27º, nº 1 da LAV (Lei nº 31/86, de 29 de Agosto)…”.

Ac. do STJ, sob nº 06B2366, de 24/10/2006, “I - Lícita, como decorre do art. 29º, nº 1º, LAV., a renúncia aos recursos, fica, nesse caso, vedada às partes a discussão em juízo do mérito ou demérito da decisão final dos árbitros e, assim, da legalidade ou correcção não apenas dessa decisão, como das interlocutórias que nela tenham influído. II - Em tal caso, as decisões dos árbitros só podem ser atacadas, em acção de anulação, com fundamento nalgum dos vícios taxativamente indicados no art.27º, nº1º, LAV, ou por meio dos embargos a que aludem os arts.31º LAV e 814º CPC. III - Na acção de anulação, necessária e estritamente assente nas causas de pedir, típicas e únicas, indicadas no art. 27º, nº 1º, LAV, não é permitido censurar ou sindicar a legalidade ou mérito da decisão final, nem das decisões interlocutórias proferidas ao longo do processo que nela tenham influído, pois, a ter ocorrido ilegalidade, isso mesmo constituiria o fundamento dos recursos a que as partes renunciaram...”.
Veja-se também a este propósito o Ac do mesmo Tribunal, de 7-06-2011, proferido no processo n.º 3442/07.7TBVLG.P1.S1 e também, embora em situação diversa, resulta a mesma interpretação,
do Ac. deste TCA Sul, de 31-07-2012, proferido no proc. n.º 08641/10.

Aplicando o quadro normativo enunciado ao caso vertente, assim como a jurisprudência citada, é de se concluir que o recurso é inadmissível, tal como foi decidido.
Este entendimento não ofende quaisquer normas constitucionais, sendo certo que o Tribunal Arbitral não se socorreu da interpretação de quaisquer das normas citadas, mas limitou-se a interpretar a vontade das partes, isto é a sua renúncia ao recurso, entendimento e cláusulas que não podem ser objeto de apreciação de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade a qual apenas se reporta a normas legais e não a regras estabelecidas pelas partes (neste sentido cfr. Ac. da 3.ª secção do TC Ac. n.º 434/2009, e Ac. n.º 174/2008, do Plenário, www.tribunalconstitucional.pt, citado no primeiro).

Em face do exposto, deve ser desatendida a reclamação por não assistir razão à Reclamante.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2014
(texto lavrado em computador que revi)

A Procuradora-Geral Adjunta,

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Manuela Galego