Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:05/21/2012
Processo:08782/12
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UM DIREITO.
EDUCADORAS DE INFÂNCIA.
CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO COMO MONITORAS, AJUDANTES OU VIGILANTES.
LEI N.º 5/2001 E 59/2005.
Texto Integral:Procº nº 08782/12
Acção para reconhecimento de um direito – LPTA
Recurso jurisdicional
Parecer do MP



Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelas Recorrentes da sentença que considerou improcedente a acção para reconhecimento do direito a verem contado o tempo de serviço por estas prestado como ajudantes e vigilantes de jardim de infância”, com vista à progressão na carreira de Educadoras de Infância, onde ingressaram depois da frequência do Curso de Promoção a Educadoras de Infância (CPEI).

Está em causa apenas aferir da aplicabilidade da Lei nº 5/2001, de 2-5 ao caso das recorrentes, na medida em que esta Lei é posterior aos actos de 21-4-99 e 31-5-99, que revogaram os despachos de 19-4-94 e 16-4-96, os quais tinham contado o referido tempo de serviço.

A douta sentença recorrida considerou que a referida Lei não é aplicável às recorrentes uma vez que estas não detêm a categoria de auxiliares de educação conforme o referido diploma legal exige para que seja contado o tempo de serviço prestado antes de ingressarem na carreira de educadoras de infância.

E quanto a nós acertadamente, aliás de acordo com a jurisprudência pacífica deste TCAS (cfr. ac. de 26-1-06 in Proc. nº 07415/03; ac. de 13-10-05, in Proc. nº 07509/03; ac. de 13-1-05 in Proc. nº 12698/03, ac. de 7-10-04 in Proc. nº 07488/03, ac de 13-7-06, in procº nº 12974/03 e ac de 21-4-05, in procº nº12550/03 ).

A Lei nº 5/2001, de 2-5, veio estabelecer a equiparação a serviço efectivo em funções docentes, para efeitos de progressão na carreira de educadoras de infância, do tempo de serviço prestado apenas na categoria de auxiliares de educação e não já na categoria de vigilantes, ajudantes, ou monitoras.
De facto, se é certo que o curso de promoção a educadoras de infância foi aberto a todas as categorias referidas embora, inicialmente, apenas ao mesmo pudessem aceder os auxiliares de educação (Despacho nº 52/80, de 12-6) e só posteriormente tivesse sido aberto também às outras categorias (Despacho 13/EJ/82, de 24-4 DR, II Série, de 30-4 e Despacho Conjunto dos Secretários de Estado da Educação e Administração Escolar e da Segurança Social, de 20-4 in DR, II Série de 11-5) a verdade é que a Lei nº 5/01 de 2-5 veio permitir a contagem do tempo de serviço prestado antes do ingresso na categoria de Educador de Infância, apenas às auxiliares de educação, uma vez que só estas eram consideradas “pessoal docente” e exerciam à face da lei, efectivamente funções docentes como se fossem educadoras (cfr. informação nº 1067/2002/DSGRH da DGAE.).


Assim, na ausência de disposição legal que expressamente determine a contagem de tempo de serviço nas categorias referidas, terá de vigorar a regra geral de que só releva para a progressão em qualquer categoria, o tempo de serviço prestado após o ingresso na mesma (Ac. do STA de 13-2-97, Proc. nº 39023).

Assim sendo, não havia que alterar a matéria de facto como pretendem as recorrentes, a qual se mostra inútil para a referida interpretação do direito.

Referem as recorrentes, nas suas alegações que os despachos revogatórios de 21-4-99 e de 31-5-99 dos despachos de 16-4-96 e de 19-4-94, são ilegais pois foram proferidos para além do prazo de um ano que a lei estipula para essa revogação.

E que a sentença é nula por omissão de pronúncia pois não apreciou esta questão.

Contudo, a sentença não merece também aqui censura.

De facto, não estamos perante um recurso contencioso em que se aprecie a legalidade dos actos revogatórios mas sim perante uma acção para reconhecimento de um direito proposta em 25-11-2002, quando há muito tinha decorrido o prazo de interposição de recurso daqueles actos.

Assim, a eventual ilegalidade dos actos revogatórios consolidou-se na ordem jurídica por falta de impugnação atempada pelo que não tinha a douta sentença recorrida que sobre os mesmos se pronunciar.

Isto não significa, contudo, que a situação jurídica das interessadas não possa ser alterada para o futuro, nomeadamente quanto à incidência do tempo de serviço prestado como educadoras de infância mas com outra categoria profissional em virtude de alterações legislativas que o permitam, o que não é o caso, contudo, da Lei nº5/2001 como se referiu.

Também não é aplicável ao caso o instituto de direito privado do usucapião, improcedendo, assim este argumento das Recorrentes.

E, finalmente, quanto à aplicabilidade ao caso da Lei nº 59/2005, dir-se-á o seguinte:

O facto de a Lei nº 5/2001, de 2-5 abranger apenas as auxiliares de educação, não significa que não tivesse havido pessoal com a categoria da recorrente que exerceu, na prática, funções de educadora de infância, num período em que era notória a escassez de pessoal habilitado com o respectivo curso e sobretudo como vem alegado na petição, nas Regiões Autónomas por razões óbvias de insularidade (vide artºs 40º a 43º da petição).

E dai que, por razões de justiça e de equidade, o curso para essa profissão tivesse sido alargado, ainda em 1982, ao pessoal com a categoria de vigilantes, ajudantes, ou monitoras.
E foram também, porventura, as mesmas razões, que levaram o legislador a abranger essas categorias de pessoal na Lei nº 59/2005, de 29-12.

Esta lei entrou em vigor já depois de 25-11-2002, data em que foi proposta esta acção, não constituindo, assim, causa de pedir pelo que não foi referenciada.

Contudo nas alegações apresentadas em 12-2-2008, as Recorrentes fazem alusão a esta Lei, defendendo a sua aplicabilidade mas apenas como lei interpretativa do artº1º da Lei nº 5/2001.

Ou seja, as Recorrentes tiveram noção que só por esta via conseguiam ver nesta acção apreciada a sua situação à luz desta última Lei.

Porém, afigura-se-nos que Lei nº59/2005 não tem carácter interpretativo, não tendo, portanto, carácter retroactivo no sentido de as recorrentes verem reformulada a sua carreira de educadoras de infância, tendo entrado em vigor posteriormente à Lei nº 59/2005, porventura por alguma razão consciente do Legislador como denota o facto de estabelecer uma data para o efeito no seu artº 3º e nada referir expressamente sobre esse carácter interpretativo.

Sobre esta questão se pronunciou o STA no douto acórdão de 11-10-07, in procº nº 031/07, nos seguintes termos:

Quanto à violação do art.º 1 da Lei 5/2001, de 2.5, que, no entender da recorrente, devia ser-lhe aplicado por via da sua interpretação extensiva ou pela natureza interpretativa da Lei n.º 59/2005 (o que se traduziria no mesmo, por via da rectroacção dos seus efeitos ao início da vigência daquela, nos termos do art.º 13 do CCivil) é patente que se não verifica.
Como assinala o Magistrado do Ministério Público no seu parecer "A interpretação extensiva (...) destina-se a corrigir uma formulação estreita demais" e a permitir a "reintegração do pensamento legislativo" - in "Interpretação e Aplicação das Leis", Francisco Ferrara, Coimbra 1987, 4.ª edição, p. 150/151. O recurso à interpretação extensiva impõe-se quando "o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei", in "Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador", J. Baptista Machado, 9.ª edição, 1996, p. 185. Ora, da exposição de motivos do Projecto de Lei nº 219/VIII, que originou a Lei nº 5/2001, resulta clara a intenção legislativa de apenas nela considerar os Auxiliares de Educação (cfr. DAR, II Série A, nº 47, p. 1592). E certo é também que da respectiva discussão na generalidade (cfr. DAR, I Série, nº 54, de 2/3/01, p. 2200/2206) e na especialidade (cfr. DAR, I Série, nº 63, de 23/3/01, p. 2510) transparece inequívoca a vontade de consagrar uma solução restritiva, tendo nesta sido rejeitada uma proposta de alteração do referido projecto de lei, no sentido de abranger também as categorias de vigilante e ajudante. Não se verifica pois dos trabalhos preparatórios qualquer dissonância entre a letra e o espírito da lei que justifique a pretendida interpretação extensiva do artº 1º da Lei nº 5/2002, de 2/5, à situação da recorrente. Isto mesmo resulta reafirmado nos Projectos de Lei nº 47/X (in DAR, II Série A, nº 11, de 5/5/05, p. 29/31), nº 147/X (in DAR, II Série A, nº 47, de 7/9/05, p. 10/12) e nº 168/X (in DAR, II Série A, nº 55, de 13/10/05, p. 46/47) que precederam a Lei nº 59/2005, de 29 de Dezembro: neles se identificaram como destinatários da Lei nº 5/2001, de 5/5 "os educadores de infância que exerceram funções de auxiliares de educação", considerando excluídos do respectivo âmbito de aplicação "o pessoal auxiliar com funções pedagógicas, nomeadamente, vigilantes, ajudantes de creches e de jardins de infância e monitores". Por isso, bem se compreende que o legislador da Lei nº 59/2005, de 29/12, não tenha manifestado o propósito de, em interpretação autêntica, fixar o sentido da Lei nº 5/2001, quanto ao respectivo âmbito pessoal de aplicação. Como resulta da discussão conjunta na generalidade dos projectos referidos (in DAR, I Série, nº 55, de 15/10/05, p. 2504/2515), o objectivo fundamental da iniciativa legislativa foi definido, diferentemente, como sendo o de "alargar o âmbito dos destinatários do diploma legal de 2001, abrangendo, assim todos aqueles que estejam em situações similares" aos auxiliares de educação. Em consequência, a Lei nº 59/2005, de 29/12, não reveste, pelo menos quanto a estas categorias de pessoal, a natureza de lei interpretativa, não sendo, enquanto tal, aplicável à recorrente, nos termos e com os efeitos previstos no artº 13º do CC. Com efeito, "é interpretativa toda a lei que, ou por declaração expressa ou pela sua intenção de outro modo exteriorizada, se propõe determinar o sentido de uma lei precedente, para que esta possa ser aplicada em conformidade" - in "Interpretação e Aplicação das Leis", ob. cit., p. 132 - o que, como se constata, não ocorreu com a Lei nº 59/2005, de 29/12." Esta transcrição, que, numa conseguida síntese, enuncia claramente o problema suscitado pela apontada sucessão de leis, socorrendo-se dos trabalhos preparatórios de ambos os diplomas legais, e lhe dá resposta, mostra à evidência que a Lei n.º 59/2005 não é interpretativa da Lei n.º 5/2001 e que foram inequivocamente pensadas para universos de destinatários distintos. E sendo assim, o pensamento legislativo subjacente a esta - a Lei n.º 5/2001 - ficou devidamente traduzido na respectiva letra não tendo cabimento o apelo à sua interpretação extensiva no sentido de abranger também os vigilantes de educação.”

Assim, o alargamento do âmbito dos destinatários do diploma legal de 2001, abrangendo todos aqueles que estejam em situações similares aos auxiliares de educação, tem eficácia apenas para o futuro.

Isto não obsta, no nosso entender, a que tal Lei de 2005- que teve como finalidade colmatar injustiças - não possa ainda ser aplicada às recorrentes para o futuro, mormente no que à progressão na carreira respeita, ou no que respeita à sua aposentação, conquanto estas demonstrem nessa altura, possuírem os requisitos necessários que a Lei estipula, nomeadamente o exercício de funções pedagógicas, enquanto detentores de alguma das categorias mencionadas, antes, durante e após a frequência e conclusão com aproveitamento dos cursos referidos e até à integração nos quadros da carreira docente, as funções inerentes à categoria de educador de infância (cfr nº2 do artº 1º da Lei 59/2005 e nº2 do artº 12º in fine do C Civil)

Tal questão não cabe, porém, no âmbito desta acção, já que não foi nela suscitado e, consequentemente, apreciada pela douta sentença recorrida.

Termos em que, pelo exposto, emitimos parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional, com a consequente manutenção da sentença recorrida.

A Procuradora - Geral - Adjunta


Maria Antónia Soares