Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:06/06/2012
Processo:08911/12
Nº Processo/TAF:2492/08.0BELSB
Sub-Secção:2.º JUÍZO
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:DECRETO-LEI N.º 158/2005, DE 20/09.
Texto Integral:
Tribunal Central Administrativo Sul


Proc. nº 08911/12 – Rec. Jurisdicional

2º Juízo/1ª Secção ( Contencioso Administrativo )


Venerando Juiz Desembargador Relator


A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do artº 146º nº1 do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto, pelo Ministério, então R., da sentença proferida a fls. 62 e segs., pelo TAC de Lisboa, que julgou procedente a presente acção e anulou o despacho do Secretário de Estado da Administração Interna de 10.09.2008.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, o recorrente imputa à sentença recorrida erro nos seus pressupostos ao não reconhecer que o art. 4º al. b) do DL nº 158/2005 de 20/09, ao dispor sobre o conteúdo das relações jurídicas, abstraindo - se dos factos que lhe deram origem, é aplicável ao Autor, nos termos do art. 12º nº 2, 2ª parte, do CC.

O então A., ora recorrido, contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do julgado.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados com interesse para a decisão e com base na prova documental e posição das partes, os factos constantes dos pontos 1) a 11) de II, a fls. 62 e 63, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

III – Nas conclusões das suas alegações de recurso, o ora recorrente, imputa á sentença recorrida apenas o vício de “erro nos seus pressupostos ao não reconhecer que o art. 4º al. b) do DL nº 158/2005 de 20/09, ao dispor sobre o conteúdo das relações jurídicas abstraindo - se dos factos que lhe deram origem, é aplicável ao Autor, nos termos do art. 12º nº 2, 2ª parte, do CC”.
Acontece, porém, que sentença recorrida anulou o despacho impugnado com dois fundamentos: i) violação do art. 4º al. b) do DL nº 158/2005 de 20/09, conjugado com o art. 22º nº 2 al. c) do EMGNR (DL nº 265/93) e ii) violação do DL nº 158/2005, conjugado com o art. 12º do CC.

Daí que se afigure que no que respeita à decisão, contida na sentença recorrida, da anulação do acto impugnado também por violação do art. 4º al. b) do DL nº 158/2005 de 20/09, conjugado com o art. 22º nº 2 al. c) do EMGNR (DL nº 265/93), o ora recorrente não opõe quaisquer razões de facto ou de direito para a discordância relativamente ao decidido.

Assim sendo, ainda que eventualmente se viesse a concluir pela inexistência de violação do DL nº 158/2005, conjugado com o art. 12º do CC, sempre subsistiria o vício de violação de lei por violação do art. 4º al. b) do DL nº 158/2005 de 20/09, conjugado com os arts. 22º nº 2 al. c), 75º nºs 1, 2 e 4, 85º nº 2 e 94º al. c) todos do EMGNR (DL nº 265/93), que justificaria a anulação do acto objecto da impugnação contenciosa e, consequentemente, a manutenção da sentença recorrida.

Por esse motivo, afigura - se que o presente recurso não pode proceder, atento o trânsito em julgado da sentença na parte em que anulou o acto impugnado por violação do art. 4º al. b) do DL nº 158/2005 de 20/09, conjugado com os arts. 22º nº 2 al. c), 75º nºs 1, 2 e 4, 85º nº 2 e 94º al. c) todos do EMGNR (DL nº 265/93) – no mesmo sentido, cfr. Ac. STA de 09/10/97, Rec. 34935.

IV – Assim não se entendendo e a considerar - se que implicitamente o recorrente também pretende imputar à sentença recorrida erro de interpretação do art. 4º al. b) do DL nº 158/2005, conjugado com os arts. 22º nº 2 al. c), 75º nºs 1, 2 e 4, 85º nº 2 e 94º al. c) todos do EMGNR, sempre se dirá o seguinte:

A) Quanto ao erro nos pressupostos da sentença ao não reconhecer que o art. 4º al. b) do DL nº 158/2005 de 20/09, ao dispor sobre o conteúdo das relações jurídicas abstraindo - se dos factos que lhe deram origem, é aplicável ao Autor, nos termos do art. 12º nº 2, 2ª parte, do CC.

Afigura - se - nos que o recorrente peca por erro de interpretação, pois uma coisa é a aplicação do DL nº 158/2005 ao ora recorrido, outra coisa é o mesmo estar abrangido pelo disposto no art. 4º al. b) do mesmo DL atenta a sua situação de reformado em sequência de dispensa de serviço prevista no artigo 75.º do Estatuto dos Militares da Guarda (EMGNR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho.

Na verdade, entendemos que aquele DL nº 158/2005 se aplica às situações já constituídas, de acordo com o nº 2, 2ª parte do art. 12º do CC e assim ao ora recorrido.

Todavia, a interpretação que o recorrente faz do art. 4º al. b) daquele diploma, não é a correcta, a nosso ver, pois se a perda de vínculo acarreta a perda da qualidade de beneficiário, o certo é que estando o ora recorrido na situação de reforma em sequência da dispensa de serviço (que não de processo disciplinar) ao mesmo já não lhe é aplicável a al. b) do citado art. 4º por ter readquirido, com a passagem à referida reforma, o direito a beneficiar da assistência em questão, conforme em seguida se exporá e atento o art. 3º al. a) do mesmo DL.

Ora, a sentença recorrida ao afirmar que o referido normativo só visa factos novos, ou seja, as dispensas de serviço que ocorram após a sua entrada em vigor, tem por referência as situações em que anteriormente, tal como agora, as dispensas de serviço conduziram à reforma e em que foi, inerentemente, readquirido o direito em causa.

Pelo que, embora a decisão se mostre um pouco imperfeita na descrição dos seus fundamentos, afigura - se que não incorre no imputado erro.

B) Quanto à violação pela sentença recorrida do art. 4º al. b) do DL nº 158/2005, conjugado com o art. 22º nº 2 al. c), 75º nºs 1, 2 e 4, 85º nº 2 e 94º al. c) todos do EMGNR.

Embora, como refere o recorrente, o Parecer nº 144/2001 do Conselho Consultivo da PGR tenha sido elaborado na vigência do DL nº 357/77 de 31/08, o qual foi expressamente revogado pelo DL nº 158/2005, entendemos que a posição e fundamentação dele emanada se mantém actual e tem aplicação com as devidas adaptações ao caso em apreço.

Com efeito, dispunha o art. 1º nº 2 do DL nº 357/77 que:
“2 - Não gozam do direito à assistência prevista neste artigo os beneficiários que se encontrarem em algumas das situações a seguir indicadas, quando as mesmas não tenham resultado de doença:
a) Licença ilimitada;
b) Separado do serviço, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 439/73.”

O Decreto-Lei n.º 439/73 de 03/09, no que respeita à GNR, havia sido revogado pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 465/83, de 31 de Dezembro.

Referindo - se a essa revogação, pode ler -se no referido Parecer do CC da PGR:
«Afigura-se, contudo, evidente, e não exige qualquer previsão expressa, que todo aquele que já não preenche os requisitos de inscrição, isto é, aquele que já não é de nenhuma maneira e por nenhum vínculo, ainda que ténue, “pessoal da GNR”, aquele que não está nem no activo, nem na reserva, nem na reforma, nem na aposentação ou a aguardar aposentação, esse perderá a qualidade de beneficiário, porque lhe falece todo o vínculo que lhe permitia desfrutar de tal regime especial de protecção».

Actualmente o art. 4º al. b) do DL nº 158/2005 dispõe:
“Implicam a perda da qualidade de beneficiário titular as seguintes situações:
a) Licença ilimitada e licença de longa duração, quando não tenha resultado de doença e enquanto se mantiver essa situação;
b) Perda do vínculo à GNR ou à PSP, incluindo o que resulte de reforma ou de aposentação na sequência de processo disciplinar;”

Ora, a “perda de vínculo” a que se refere este diploma legal equivale à situação de “separado do serviço” a que se referia o diploma anterior, sendo que a inovação deste DL nº 158/2005, está na consignação expressa da inclusão na perda do vínculo das situações de reforma ou de aposentação, mas na sequência de processo disciplinar, o que não é o caso dos autos.

Daí que os fundamentos do Parecer do CC da PGR se tenham de considerar actuais e aplicáveis, tanto mais que os seus fundamentos decorrem da conjugação com os normativos do EMGNR (DL nº 265/93), aplicável e aplicado ao caso em apreço.

Assim, no que ao caso importa, passamos a citar o seguinte extracto daquele Parecer:
«A conjugação das situações a que se aplica a medida de dispensa de serviço com as consequências que lhe estão cominadas permite-nos fazer, agora, uma síntese das hipóteses que podem verificar-se:
1.ª hipótese - O militar dispensado é abatido aos quadros e transferido para o ramo das Forças Armadas da sua procedência - artigo 75.º, n.º 4, conjugado com o artigo 94.º, alínea c).
Esta hipótese, esta transferência para as Forças Armadas, só poderá operar, como já foi observado, se esses militares ainda estão sujeitos ao serviço militar e ao cumprimento das obrigações militares dele decorrentes [21]. Diga-se, aliás, que ela tenderá a diminuir o seu campo de aplicação, visto que com a nova redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 297/98, de 28 de Setembro, aos artigos 271.º e 272.º do EMGNR o recrutamento para soldados da Guarda deixou de ser feito necessariamente “entre as praças e sargentos das Forças Armadas”, para passar a ser feito “entre os cidadãos”, não sendo requisito de admissão terem cumprido ou estarem a cumprir o serviço militar.
2.ª hipótese - O militar dispensado pura e simplesmente regressa à vida civil, passa a "civil" [22] - ocorre esta situação quando o militar não se encontra em condições nem de ser transferido para as Forças Armadas nem de passar à situação de reforma;
3.ª hipótese - O militar dispensado passa à situação de reforma - artigo 75.º, n.º 4, parte final, e artigo 85.º, n.º 2 [23].
Nas duas primeiras hipóteses o interessado deixa de ter qualquer ligação à Guarda Nacional Republicana.
Na terceira hipótese, a passagem à situação de reforma mantém-lhe a ligação à Guarda, ou reactiva a ligação à Guarda, se tiver existido hiato entre a eficácia da medida de dispensa e a aquisição daquela nova situação.
Quer dizer, se o militar foi dispensado do serviço e se operou a transferência para as Forças Armadas parece indubitável afirmar-se a ruptura do vínculo à GNR;
Se o militar foi dispensado do serviço, não foi transferido para as Forças Armadas e pura e simplesmente ingressou na vida "civil" também se poderá afirmar a quebra completa dessa ligação.
Mas diversamente acontecerá se o militar dispensado passou à situação de reforma. É que, colocado na situação de reforma expressamente reconhecida pelo artigo 85.º, n.º 2, com referência ao artigo 75.º, n.º 4, ambos do EMGNR, a perda dos direitos de militar da Guarda tem a extensão ou amplitude que não seja incompatível com os direitos que se mantêm ou recuperam em virtude dessa nova situação estatutária.
Não são, pois, lineares as consequências da medida de dispensa de serviço no que respeita à relação do dispensado com a Guarda, e reflexamente, à sua relação com a assistência na doença da Guarda.
Em rigor, poder-se-á dizer que a dispensa faz cessar o vínculo à Guarda, o que permite afirmar que também faz cessar a condição de beneficiário da assistência na doença da Guarda.
Porém, essa dispensa não impede, em todos os casos, a retoma do vínculo. Os dispensados que passam à reforma na sequência da dispensa e ao abrigo dos dispositivos que especificamente permitem essa passagem, readquirem essa ligação com os direitos e deveres inerentes a tal condição.
(…)
Para MARCELLO CAETANO, o "aposentado não perde a qualidade de funcionário. Não ocupando lugar nos quadros e estando dispensado definitivamente de exercer cargos não tem direito ao lugar nem outros direitos decorrentes do exercício de funções, mas pode conservar os que deste sejam separáveis (v. g., honras, assistência na doença) e mantém o tratamento do lugar por que foi aposentado.
"Por outro lado deixa de ter deveres profissionais, mas o vínculo que o liga à Administração mantém-se, pelo que continua a ter certos deveres de conduta"
(…)
Ora, esta vinculação impõe-se, como não poderia deixar de ser, aos militares na situação de reforma, por força, desde logo, da remissão efectuada pelo já citado n.º 3 do artigo 112.º do EA.» (bold nosso).
Acabando o dito Parecer por concluir:

3 -O militar a quem é aplicada a medida estatutária de dispensa de serviço prevista no artigo 75.º do Estatuto dos Militares da Guarda (EMGNR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho, perde a condição de beneficiário desta assistência;
4 - Todavia, se esse militar passar à situação de reforma, conforme a parte final do n.º 4 do mesmo artigo e o n.º 2 do artigo 85.º, também do EMGNR, readquire o direito a beneficiar da mesma assistência;” (bold nosso).

Ora, atentos os fundamentos daquele Parecer que, ao contrario do defendido pelo recorrente, se mantêm actuais, e o disposto no art. 3º al. a) e art. 4º al. b) ambos do DL nº 158/2005 conjugados com os arts. 22º nº 2 al. c), 75º nºs 1, 2 e 4, 85º nº 2 e 94º al. c) todos do EMGNR, que a sentença recorrida ao ter concluído pela sua violação, pelo acto impugnado, não mereça censura.

V – Assim, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo - se a sentença recorrida.

Lisboa, 2012 - 06 - 06

A Procuradora Geral Adjunta


( Clara Rodrigues )