Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:12/14/2011
Processo:08309/11
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA.
ORDEM DOS ADVOGADOS.
PROCESSO DISCIPLINAR.
DEVER DE URBANIDADE.
DEVERES DEONTOLÓGICOS.
GRAVE DANO PARA O INTERESSE PÚBLICO.
Texto Integral:Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelo Requerente, advogado de profissão, da sentença que considerou improcedente o seu pedido de suspensão de eficácia do acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados de 05-11-2010, que negou provimento ao recurso hierárquico por si interposto do acórdão do Conselho de Deontologia de Lisboa, de 9-3-2010, proferido no âmbito do processo disciplinar nº38/2008-L/D, e confirmou esta decisão que lhe aplicou a pena disciplinar de seis meses de suspensão do exercício de funções, nos termos dos artºs 125º nº1, alínea e), 126, nºs 1 e5 e artº 128 als a),b), e e), todos doEstatuto da Ordem dos Advogados ( EAO).

Segundo a douta sentença recorrida, não se verificam os pressupostos da manifesta procedência da acção principal nem o periculum in mora, uma vez que o Requerente não invocou factos demonstrativos de prejuízos especiais

No recurso jurisdicional o recorrente solicita a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e invoca a nulidade da sentença por falta de fundamentação e por preterição da prova testemunhal requerida.

Para além disso, impugnou a sentença com fundamento em que a mesma considerou haver falta de prova pelo recorrente e, ao mesmo tempo, rejeitou essa prova e ainda por considerar que a violação do dever de urbanidade não pode ser equiparada à violação do dever de diligência.




A – Efeito suspensivo do recurso:

Segundo a recorrente deveria ter sido dado efeito suspensivo ao recurso, nos termos do artº 143º nº1 do CPTA, uma vez que o efeito devolutivo a que se reporta o nº2 do mesmo artigo deverá ser atribuído apenas quando se está perante uma sentença que tenha decretado a adopção da providência cautelar.

Parece-nos que não terá razão.

De facto, o nº2 do artº 143º do CPTA constitui uma excepção ao que refere o nº1, pelo que não admite interpretação analógica mas admite interpretação extensiva nos termos do artº 11 do CPC.

Ora, afigura-se-nos que a letra do nº2 é bem clara ao consignar apenas duas excepções, uma das quais é a de ser “adoptada” a providência requerida, aplicando-se, portanto à “não adopção” a regra geral.

É, aliás, o que também acontece em processo civil, sendo que, o recurso interposto de decisão que não adopte uma providência, tem efeito suspensivo ( cfr alínea d) do nº3 do artº 692º do CPC).

Também no âmbito da LPTA existia esta diferenciação entre recurso da sentença que suspendia a eficácia com efeito meramente devolutivo, nos termos do nº2 do artº 105º, e recurso da sentença que considerava o pedido improcedente, com efeito suspensivo (cfr anotação 3. Ao artº 113º in Contencioso Administrativo anotado e comentado, 2ª edição, de José Manuel dos Santos Botelho).

E parece, salvo o devido respeito por opinião contrária, que faz sentido que assim seja, uma vez que a não adopção da providência no caso presente, não deve implicar, a nosso ver, a cessação automática dos efeitos do acto suspendendo prevista no nº1 do artº 128º do CPTA, mantendo-se os mesmos até trânsito em julgado da decisão recorrida.

Segundo alguns Autores, tal potenciaria a interposição de recurso jurisdicional, com vista à manutenção por mais tempo dos efeitos suspensivos da providência cautelar em causa, previstos no nº1 do artº 128º do CPTA( cfr Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, in Comentários ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, anotação a este artigo).

Isto excepto quando existe uma “resolução fundamentada” ao abrigo donº1 artº 128º do CPTA devidamente aceite, ou uma oposição à regra contida no nº2 do artº 143º do CPTA devidamente fundamentada e justificada, como é o caso presente em que a Ordem dos Advogados nas suas contra-alegações refere “a produção de prejuízos de difícil reparação para o interesse público que aqui prossegue”

Neste caso, uma vez que A Entidade Demanda deve poder, de imediato, executar o acto suspendendo, por razões de manifesto interesse público - aliás várias vezes invocadas nos autos e que decorrem claramente do tipo de infracção praticada pelo arguido, manifestamente ofensiva da A.O. - não deve, no nosso entender, o recurso ter efeito suspensivo, aplicando-se o nº3 do artº 142 do CPTA.

Nestes termos, deverá no nosso entender, este TCAS manter, no caso vertente e pelas razões invocadas pela AO, o efeito devolutivo dado ao presente recurso jurisdicional.

B – Nulidade da sentença (por omissão de pronúncia e falta de fundamentação)

Considerou o Recorrente que não foi apreciada pela douta sentença recorrida o seu argumento de que a violação do dever de urbanidade não pode ser equiparada à violação do dever de diligência e, consequentemente, não pode ser punido disciplinarmente, uma vez que lhe faltam os pressupostos de facto e de direito necessários.

Como é sabido, só determina a nulidade da sentença a não apreciação duma questão suscitada pelas partes e não a falta de apreciação de um ou vários fundamentos invocados para sustentar a procedência ou improcedência dessa questão.

Ora a matéria que o recorrente alega que não foi conhecida, é um mero fundamento invocado como justificativo da ilegalidade do acto suspendendo.

A que, aliás, a sentença alude quando considera que “…não se apresenta manifestamente desadequada a valoração que foi efectuada pelo órgão disciplinar do grau de culpa do arguido e determinação da concreta medida da pena..”

Ou seja, considerando-se bem enquadrada legalmente a pena aplicada, ainda que numa análise perfunctória como é exigível neste processo, não pode subsistir o argumento do Recorrente de que se está perante a preterição do dever de urbanidade não punível disciplinarmente.

Também, como é sabido, só acarreta a nulidade da sentença a sua total falta de fundamentação e não uma fundamentação pouco clara ou deficiente.

Ora, no caso vertente, não estamos seguramente perante uma sentença com total falta de fundamentação, mostrando-se a mesma objectivamente suficiente e perceptível.

Improcedem, assim, todas as nulidades invocadas nas conclusões das alegações, que delimitam o âmbito do recurso jurisdicional..

C) P ressupostos necessários ao decretamento da providência.

Invoca o Recorrente que o acto é (manifestamente) ilegal por estar em causa, quando muito, a violação do dever de urbanidade que tem como objecto “a pretensa deferência que os funcionários da ordem entendem exigível quanto a si próprios e não consta do elenco dos deveres profissionais” e não a pretensa violação do dever de diligência que tem como evidente objecto “a defesa dos interesses que foram confiados ao advogado pela parte que o escolheu”.

Porém, ao contrário do que alega, o dever de urbanidade, sendo um dos deveres inerentes ao exercício da profissão de advogado, é susceptível, pela sua violação de fazer incorrer o mesmo numa pena disciplinar.

De facto, viola este dever como dever deontológico que é, o uso reiterado de expressões escritas não consentâneas com o exercício da profissão, de tal modo que sejam susceptíveis de violar a respeitabilidade da função e, consequentemente, originar uma menor credibilidade na defesa dos constituintes e no exercício efectivo da função em geral.

Ora, é nisto que se traduzem, no mínimo, as expressões usadas pelo Recorrente e constantes do extracto transcrito na factualidade assente na sentença, as quais foram consideradas pela decisão da A.O. impugnada “ infracção aos deveres deontológicos consignados nomeadamente nos artºs 83/1/2, 90, 105/1/2( cfr fls 127 e segs).

Vejamos então o que referem estes dispositivos legais sob o título “Deontologia profissional”

Artigo 83.º1 - O advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem. 2 - A honestidade, probidade, rectidão, lealdade, cortesia e sinceridade são obrigações profissionais.

Artigo 86.º 1Constituem deveres do advogado para com a Ordem dos Advogados: a) Não prejudicar os fins e prestígio da Ordem dos Advogados e da advocacia

Artigo 107º 1 - Constituem deveres dos advogados nas suas relações recíprocas: a) Proceder com a maior correcção e urbanidade, abstendo-se de qualquer ataque pessoal, alusão deprimente ou crítica desprimorosa, de fundo ou de forma;

Artigo 105.º 1 - O advogado deve exercer o patrocínio dentro dos limites da lei e da urbanidade, sem prejuízo do dever de defender adequadamente os interesses do seu cliente.

Artigo 90.º No exercício da profissão o advogado deve proceder com urbanidade, nomeadamente para com os colegas, magistrados, árbitros, peritos, testemunhas e demais intervenientes nos processos, e ainda funcionários judiciais, notariais, das conservatórias, outras repartições ou entidades públicas ou privadas.

Além disso, nos termos do Artº 126º 5 - A pena de suspensão é aplicável aos casos de culpa grave e consiste no afastamento total do exercício da advocacia durante o período de aplicação da pena.

Ora, no caso dos autos considerou-se que o Recorrente tinha agido dolosamente e com premeditação, pois deu-se como verificadas estas circunstâncias agravantes ( cfr artº 128º do E.O.A.).

Nestes termos, longe está a verificação da manifesta procedência da acção principal, pelo que, tal como decidiu a sentença recorrida, não se verifica o pressuposto contido na alínea a), do nº1, do artº 120º, do CPTA.


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Também, quanto a nós, não pode dar-se como verificado o periculum in mora já que para a sua demonstração, o Recorrente se limita a invocar factos genéricos e conclusivos, como seja a impossibilidade de garantir o sustento dos filhos de 10 e 13 anos, o impacto desproporcionado que a não suspensão acarretaria para os processos em curso que instaurou contra a Ordem, quer nos que intervém em causa própria quer pela impossibilidade de arranjar advogado que o patrocine e ainda a impossibilidade de continuar a defender os seus constituintes em juízo.

A invocação de factos concretos e precisos tem sido reiteradamente exigida pela jurisprudência quer no domínio da LPTA, quer no do CPTA ( cfr, entre muitos, os acórdãos do STA de 30-11-89, de 24-5-89, e do TCAS de 17-11-2011 e de 30-11-2011, todos in www.dgsi.pt).

A ausência destes factos torna a produção de prova impossível, pelo que bem andou o Mmo juiz a quo ao considerar a mesma desnecessária.


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Mas ainda que este requisito se verificasse, bem como o da não manifesta improcedência da acção principal, contidos na alínea b) do nº1 do artº 120º do CPTA, parece-nos que ainda assim não seria de suspender a eficácia da pena aplicada atendendo a que tal suspensão iria prejudicar a imagem da Ordem dos Advogados, bem como o interesse público que a mesma visa prosseguir de garante da credibilidade dos seus associados, para além dos efeitos negativos na prevenção geral das penas disciplinares atenta a especial responsabilidade que aos advogados cabe na sociedade.

Neste sentido estatui o acórdão do STA, de 16-1-97, in recº nº 041.488( sumário), a propósito do requisito contido na alínea b) do nº1 do artº 76º da antiga LPTA ( grave dano para o interesse público), o seguinte:

“Para apurar a verificação do requisito da alínea b) do n. 1 do art. 76 da LPTA, não há que atender decisivamente ao tipo de pena aplicada (expulsiva ou não expulsiva), mas antes que proceder, caso a caso, a uma apreciação dos factos concretos que fundamentaram a punição e à prognose das repercussões que, sobre o regular funcionamento dos serviços e imagem da instituição pública, terá a manutenção do funcionário ao serviço até ser proferida decisão, com trânsito em julgado, no recurso contencioso; entre os factores a considerar nesse juízo avultam os reflexos que a suspensão pode ter nos efeitos de prevenção geral, intimamente conexionados com o círculo onde a infracção foi cometida ou se tornou conhecida, o tipo de serviço administrativo onde ocorreu a infracção e a natureza das funções aí desempenhadas pelo agente”.

Assim, ponderando os interesses em jogo, parece-nos, salvo melhor opinião, que é mais relevante o interesse público lesado com a suspensão do que os prejuízos (não demonstrados) que esta eventualmente acarrete para o Recorrente.

Termos em que, pelos motivos expostos, emitimos parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional, com a consequente manutenção da sentença recorrida.