Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:02/06/2012
Processo:08491/12
Nº Processo/TAF:02507/11.5BELSB
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR SUSPENSÃO EFICÁCIA.
CONCESSÃO AIMS.
LEI Nº 62/2011 DE 12/12.
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator


Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos artºs 146º nº1 e 147º do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pela então Requerente da sentença de fls. 587 e segs., do TAC de Lisboa, que julgou improcedentes as providências cautelares requeridas.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, a recorrente além de requerer seja dado efeito suspensivo ao recurso e de requerer a ampliação da matéria de facto, imputa à sentença recorrida violação do art. 511º do CPC, art. 563º do CC, arts. 112º, 120º nº 1 als. a) e b) do CPTA, art. 133º nº 2 als. c) e d) do CPA e arts. 17º, 18º, 62º, e 266º da CRP.

O Infarmed e as contra - interessadas P… e M…, ora recorridos, contra - alegaram pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida, requerendo ainda a contra - interessada M… a ampliação do recurso nos termos do art. 684º-A do CPC, a título subsidiário, quanto à entrada em vigor da Lei nº 62/2011 de 12/12.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com interesse para a decisão e com fundamento na prova documental e no acordo das partes, os factos constantes dos pontos 1) a 6), do ponto III, a fls. 591, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Quanto à requerida ampliação do recurso ao abrigo do art. 684º-A do CPC, relativa à entrada em vigor da Lei nº 62/2011 de 12/12.

Aquando da prolação da sentença não se encontrava em vigor aquela Lei, tendo a contra - interessada, na sua oposição apenas invocado a proposta de lei em discussão, que a precedeu.

Daí que a sentença recorrida sobre a referida proposta de lei não se tivesse pronunciado, nem tivesse que o fazer, pelo que a entrada em vigor da referida Lei 62/2011 deva ser apreciada como questão prévia e não como ampliação de recurso ao abrigo do art. 684-A do CPC, que deve ser rejeitado como tal.

Assim, sobre tal questão prévia, igualmente invocada também pelo recorrido Infarmed, e cuja apreciação temos já vindo a fazer noutros pareceres, temos a dizer o seguinte:

IV - Vinha sendo nosso entendimento, seguindo a jurisprudência maioritária deste TCAS, em caso de concessão de AIMs pelo Infarmed de medicamentos genéricos contendo como princípio activo um produto protegido por patente, deveria ser suspensa a eficácia dessa autorização por haver forte probabilidade da procedência da pretensão formulada no processo principal, e se demonstrarem preenchidos os restantes requisitos da al. b) do nº 1 e do nº 2 do art. 120º do CPTA.

Recentemente (em 12/12/2011) foi publicada a Lei nº 62/2011 que, entre o mais, veio alterar os arts. 19º, 25º, 179º e 188º e o nº 6 da parte ii do anexo i do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto.

Assim, os nºs 2 e 3 do art. 25º do DL 176/2006 passaram a ter a seguinte redacção:
“2 - O pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 18.º
3 - Para determinar se um medicamento preenche as condições previstas nas alíneas c) a f) do n.º 1, o INFARMED tem em conta os dados relevantes, ainda que protegidos.”

Por sua vez o nº 2 do art. 179.º do mesmo diploma passou a ter a seguinte redacção:
2 - A autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial.

Ainda o art. 23-A aditado ao DL nº 176/2006 estipula que: “Objecto do procedimento
1 - A concessão pelo INFARMED, I. P., de uma autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento de uso humano, bem como o procedimento administrativo que àquela conduz, têm exclusivamente por objecto a apreciação da qualidade, segurança e eficácia do medicamento.
2 - O procedimento administrativo referido no número anterior não tem por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.»
Por sua vez, o art. 8.º da referida Lei 62/2011 determina:
“Autorização de preços do medicamento
1 - A decisão de autorização do PVP do medicamento, bem como o procedimento que àquela conduz, não têm por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
2 - A autorização do PVP dos medicamentos não é contrária aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos.
3 - O pedido que visa a obtenção da autorização prevista nos números anteriores não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
4 - A autorização do PVP do medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial.

E, o art. 9.º da mesma Lei determina ainda:

“Disposições transitórias
1 - A redacção dada pela presente lei aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa.”

Ora, como é sabido, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (art. 13º, nº 1 do C. Civil), ou seja, “retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª Edição, anotação ao art. 13º).

Assim sendo, que não haja outra alternativa, a nosso ver, senão a orientação jurisprudencial deverá naturalmente ser reponderada por este TCAS, com a convocação desse novo elemento de ordem legal.

E, face a tais disposições legais citadas, que os actos de concessão das AIMs, em causa nos autos, sem atender à violação de direitos que decorrem da titularidade de patentes, se tenham de considerar como actos vinculados, sendo que nos presentes autos não cabe conhecer da constitucionalidade ou não dos normativos atrás citados que, em termos de fiscalidade, sempre cumprirá, em nosso entender, ao Tribunal Constitucional.

Assim, que a presente providência sempre tivesse de ser considerada improcedente por inexistência do fumus boni iuris quer para efeitos da al. a), quer para efeitos da al. b) do nº 1 do art. 120º do CPTA, ficando prejudicado o conhecimento do requisito do periculum in mora da mesma al. b) e da ponderação de interesses a que se reporta o nº 2 do mesmo art. e diploma legal, bem como das restantes questões.

V – Pelo que, em face do exposto e em conclusão, e sem prejuízo do exercício do contraditório, notificando - se para tal as partes envolvidas que ainda sobre tal questão não se tenham pronunciado, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mas com os fundamentos deste parecer.