Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:05/22/2012
Processo:08859/12
Nº Processo/TAF:1963/10.3BELSB
Sub-Secção:2.º JUÍZO
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR. SUSPENSÃO DE EFICÁCIA.
DECLARAÇÃO DE IMPACTE AMBIENTAL (D.I.A.).
Texto Integral:Tribunal Central Administrativo Sul
Proc. nº 08859/12 – Rec. Jurisdicional

2º Juízo/1ª Secção ( Contencioso Administrativo )


Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos arts. 146º nº1 e 147º do CPTA, vem, ao abrigo do disposto no art. 145º nº 5 do CPC, emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto, pela então Requerente, da sentença proferida a fls. 2612 e segs., pelo TAC de Lisboa, que não condenou o Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território a suspender a eficácia da Declaração de Impacte Ambiental (DIA), condicionalmente favorável à Alternativa 12, relativa ao projecto dos Aproveitamentos Hidroeléctricos (AH) de Gouvães, Padroselos, Alto Tâmega e Daivões, emitida pelo Secretário de Estado do Ambiente em 21 de Junho de 2010.

Nas conclusões das suas alegações, que delimitam o âmbito do recurso, o recorrente imputa à sentença recorrida a nulidade da als. c) e b) do nº 1 do art. 668º do CPC e de erro de julgamento com violação das als. a) e b) do nº 1 e nº 2 do art. 120º do CPTA.

A Entidade recorrida e a contra - interessada contra - alegaram pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do julgado.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com base na prova documental, testemunhal e por acordo, os factos constantes das alíneas a) a nn), do ponto III, de fls. 2618 a 2627, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Quanto à invocada nulidade da al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC.
Invoca o recorrente que ao dar como provados os factos constantes dos pontos o), p), r), t), x), y) e cc) do probatório, dos quais, segundo a recorrente, resulta a produção de prejuízos de difícil reparação, bem como a desadequação das medidas propostas, não podia o tribunal decidir e concluir que a recorrente não alegou, de forma objectiva, as razões nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência.

A nulidade prevista no artº 668º nº1 al. c) do CPC – oposição entre os fundamentos e a decisão – só se verifica quando os fundamentos, quer de facto quer de direito, invocados pelo juiz devam, logicamente, conduzir ao resultado oposto ao que é expresso na sentença.

Não se verifica por conseguinte tal nulidade, quando os fundamentos invocados pelo juiz, em seu entender, conduzem a um determinado resultado lógico e consequente que pode eventualmente redundar em erro de julgamento, o que não significa desconformidade entre os fundamentos e a sua parte dispositiva, passível de determinar a invocada nulidade.

Acontece que os factos constantes das alíneas referidas do probatório apenas respeitam ao teor dos docs. juntos à p.i., os quais reflectem as várias posições assumidas pelas entidades competentes para se pronunciarem sobre a construção da barragem, sendo algumas delas desfavoráveis.

Sendo que a sentença recorrida admitiu que a construção da barragem, necessariamente, causará prejuízos e perturbações de ordem ambiental, o que sempre acontece em praticamente todas as obras como a ora em questão ou na construção de auto - estradas.

Todavia, nesta obra, como noutras, são previstas e acauteladas medidas de minimização, que não foram infirmadas pelo recorrente ou pelo depoimento das testemunhas.

Daí, que a sentença recorrida tenha considerado foi que os prejuízos alegados pela ora recorrente “se mostram predominantemente conclusivos, não demonstrando em que medida, objectivamente, se verificariam os prejuízos alegados, em relação directa com o acto aqui suspendendo” e que “atento o alegado pela requerente, os elementos carreados para os autos e a prova apresentada não se mostra possível concluir por uma situação de facto consumada”.

Mais se fundamentou na sentença que: “os eventuais danos ambientais a verificarem - se não constituiriam um efeito imediato e directo da DIA, uma vez que a execução do projecto está dependente da emissão de outros actos administrativos subsequentes, designadamente, a aprovação do projecto pelo INAG, após RECAPE, e, subsequentemente, a emissão da licença de produção pela DGEG, que permitirá, então, dar início às obras de execução dos AH, para além de um conjunto de outras autorizações e licenças”.

Quer dizer, na sentença recorrida, entendeu - se que o que a recorrente não concretizou foram os danos que eventualmente decorreriam como certos ou em que a situação de risco é efectiva, num nexo de causalidade adequada, com o acto suspendendo da DIA, a qual é instrumental e intercalar, relativamente ao procedimento global em que se insere.

Tanto mais que, sendo esta embora favorável, foi condicionada à alternativa 12 sobre o projecto dos AH da cascata do Tâmega (AH de Gouvães à cota de NPA 885m;AH do Alto Tâmega à cota de NPA 315m; AH Daivões à cota de NPA 228m; não construção do AH de Padroselos e das derivações de Alvadia e Viduedo), não tendo a requerente concretizado, em que é que e porquê, as medidas impostas de minimização e compensação não são adequadas a evitar a ocorrência de danos irreparáveis.

Daí que, ao concluir que a recorrente não alegou, de forma objectiva, as razões nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência, nomeadamente do periculum in mora, tendo em consideração o necessário nexo de causalidade com o acto suspendendo, dependente que está a construção da AH de outros posteriores actos, que não exista, a nosso ver, desconformidade entre os fundamentos e a sua parte dispositiva, passível de determinar a invocada nulidade.

IV - Quanto à invocada nulidade da al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC.

Fundamenta a recorrente tal nulidade por entender que a sentença recorrida é omissa quanto aos fundamentos permitiram concluir pela existência de medidas adequadas a minorar os danos ambientais, não especificando os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Ora, conforme é jurisprudência corrente «só a falta absoluta de fundamentação é razão de nulidade da sentença, pois uma exposição medíocre ou insuficiente dos fundamentos, permitindo descortinar as razões que a ditaram, sujeita a decisão à possibilidade de ser revogada ou alterada em recurso» (cfr. Acs. do STA de 27/5/98 Rec. nº. 37068, de 16/6/99 Rec nº. 44915 e de 6/6/89 in BMJ 388º. 580).

Acontece que nas várias alíneas dos factos assentes se são dados como provados alguns pareceres desfavoráveis também delas resultam outros favoráveis, resultando da al. jj) que sendo a proferida DIA embora favorável, foi condicionada à alternativa 12 sobre o projecto dos AH da cascata do Tâmega (AH de Gouvães à cota de NPA 885m;AH do Alto Tâmega à cota de NPA 315m; AH Daivões à cota de NPA 228m; não construção do AH de Padroselos e das derivações de Alvadia e Viduedo).

Por outro lado, conforme resulta do relato de fls. 2617, o depoimento das testemunhas Paulo … e Paulo Jorge … criaram a convicção do Tribunal de que “estarão acauteladas as medidas que permitirão minorar as mesmas, até pelo acompanhamento que irá ser efectuado, o que não foi ilidído pelos depoimentos das testemunhas”.

Não obstante, a sentença recorrida ao considerar não verificado o periculum in mora fundamentou - se essencialmente no facto da DIA consistir “num procedimento de natureza instrumental e intercalar” e de que os “eventuais danos ambientais a verificarem - se não constituiriam um efeito imediato e directo da DIA, uma vez que a execução do projecto está dependente da emissão de outros actos administrativos subsequentes, designadamente a aprovação do projecto pelo INAG, após RECAPE e, subsequentemente, a emissão da licença de produção pela DGEG, que permitirá, então, dar início às obras de execução dos AH, para além de um conjunto de outras autorizações e licenças”.

Assim, que a sentença recorrida não enferme, a nosso ver, da imputada nulidade da al. b) do nº 1 do art. 668º do CPC.

V – Quanto ao imputado erro de julgamento com violação da al. a) do nº 1 do art. 120º do CPTA

A ora recorrente invocou como fundamentos da ilegalidade do acto suspendendo a “falta de fundamentação da DIA”, a “violação dos nºs 10 e 11 do art. 10º do DL nº 140/99”, a “ violação da Lei da Água (DL nº 58/2005), a “violação dos instrumentos de gestão territorial e de directivas comunitárias”.

Tendo em conta que na providência cautelar a apreciação do fumus boni iuris obedece a juízo de prognose ou de probabilidade que pressupõe uma cognição sumária da situação de facto e de direito, não podendo, nem devendo, a providência cautelar substituir - se à acção principal, nem comprometer ou antecipar o juízo de fundo que, nesta última, caberá formular (cfr. Mário Aroso de Almeida in “Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 256) que, no caso em apreço, o Mmº Juiz a quo não tivesse de analisar em concreto da existência ou não dos vícios assacados ao acto suspendendo, pois, tratando - se de questões complexas, controversas e discutíveis, face aos argumentos aduzidos pelas partes, a sua apreciação e resolução deverá ter lugar na acção principal, como se considerou na sentença em recurso.

Pelo que, ao contrário do que defende a recorrente, ao ter decidido pela não verificação da manifesta procedência da acção principal, a sentença recorrida não enferme de qualquer erro.

VI – Quanto ao imputado erro de julgamento com violação da al. b) do nº 1 do art. 120º do CPTA

Pelo atrás referido quanto às imputadas nulidades da sentença e sendo certo que a falta de concretização dos eventuais prejuízos, tendo em consideração o necessário nexo de causalidade com o acto suspendendo, dependente que está a construção da AH de outros posteriores actos, que a sentença recorrida sempre, em nosso entender tivesse de concluir pela inverificação do requisito do periculum in mora, para efeitos da al. b) do nº 1 do art. 120º do CPTA, não tendo violado este preceito legal.

VII - Quanto ao invocado erro de julgamento na ponderação de interesses com violação do art. 120º nº 2 do CPTA.

Desde já há a considerar que concluindo pela inverificação do requisito do periculum in mora, não tinha a sentença recorrida que proceder à referida ponderação, por prejudicialidade, o que, a concluir igualmente pelo não preenchimento do mesmo requisito da al. b) do nº 1 do art. 120º do CPTA, a referida ponderação de interesses por este Tribunal ad quem ficará igualmente prejudicada.

No entanto, uma vez que a sentença recorrida efectuou tal ponderação e para o caso de julgar verificado o requisito do periculum in mora, o que se admite por mera cautela, sempre se dirá o seguinte:

Fundamenta o recorrente tal violação, essencialmente, no facto do Tribunal a quo não ter observado o princípio da precaução invocando que: “devem ser adoptadas medidas no âmbito das quais tenha o ambiente a seu favor o benefício da dúvida quando não haja uma certeza absoluta relativamente ao nexo de causalidade entre uma determinada actividade e um determinado fenómeno de degradação ambiental”, e que o tribunal a quo se limitou “a ignorar este princípio na dúvida sobre a existência de uma situação de facto consumado – i.e. da destruição irreversível dos habitats e espécies existentes no local onde irá ser construído o AH da Cascata do Tâmega - o acórdão recorrido preferiu, pura e simplesmente não decretar a providência requerida, esperando, depois, que em sede de acção principal (i.e. numa altura em que tudo vai estar já tudo destruído), fosse decidida a questão da ilegalidade do acto de emissão da DIA”.

Isto por entender que cabia ao recorrido demonstrar que as medidas adoptadas de minimização e compensação são as mais adequadas a evitar os impactes negativos que se verificam no caso em apreço.

Pese embora o facto do recorrente se propor defender o ambiente, nomeadamente no que se refere aos habitats e espécies protegidas e sendo igualmente certo que a construção do AH sempre afectará alguns habitats e espécies protegidas com inconvenientes para o ambiente, também é certo que os Requerentes não alegaram sequer quais as medidas concretas que, segundo eles, se tornavam necessárias, face às medidas de minimização e compensação adoptadas, apenas o invocando em termos genéricos.
Daí, e atentos os factos dados como provados, que no que respeita ao princípio da precaução alegado, o mesmo princípio não possa levar a uma total inversão do ónus de alegação e prova, que neste caso cabe à Requerente.

Além de que a sentença recorrida não sustentou quaisquer dúvidas “sobre a existência ou inexistência de uma situação de facto consumado e de prejuízos de difícil reparação”, nem relegou para depois, em sede de acção principal, fosse decidida a questão da existência ou inexistência das medidas adequadas à protecção da biodiversidade existente, sendo certo que é, efectivamente, na acção principal que deve ser apreciada e decidida a legalidade ou ilegalidade do acto aqui suspendendo a não ser que a mesma seja manifesta, o que não é o caso como se viu.

Assim, que a sentença recorrida, em nosso entender, também neste ponto não enferme do vício que lhe é imputado.

VIII – Assim, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo - se a sentença recorrida.


Lisboa, 2012 - 05 - 22

A Procuradora Geral Adjunta


( Clara Rodrigues )