Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:10/30/2012
Processo:09369/12
Nº Processo/TAF:58/09.2BELSB
Sub-Secção:2.º JUÍZO
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:A.I.M.´S E P.V.P. ´S.
LEI N.º 62/2011, DE 12/12.
CONSTITUCIONALIDADE.
Texto Integral:
Tribunal Central Administrativo Sul

Proc. nº 09369/12 – Rec. Jurisdicional
2º Juízo/1ª Secção ( Contencioso Administrativo )


Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº, junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do artº 146º nº1 do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

O presente recurso vem interposto, pela então A., da sentença proferida, a fls. 1966 e segs., rectificada fls. 2015 e segs., do TAC de Lisboa, que julgou improcedente, por não provada, a presente acção administrativa especial julgando improcedente a impugnação dos actos de AIMs dos medicamentos genéricos “Valsartan”, referidos na mesma sentença, pelo Infarmed às contra - interessadas, e improcedente o pedido de intimação da DGAE/MEE, para se abster da fixação dos respectivos PVPs.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, a ora recorrente, imputa à sentença em recurso não aplicação dos arts. 17º, 18º, 62º e 266º da CRP e dos arts. 100º, 133º e 135º do CPA e errada interpretação dos preceitos da Lei nº 62/2011 de 12/12.

As Entidades recorridas e as Contra - Interessadas A… e S… contra - alegaram pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com base nos documentos juntos aos autos, os factos constantes das alíneas A) a K), do ponto 2.1, de fls. 1986 a 1991, com a rectificação de fls. 2035 a 2040, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

III – A sentença ora recorrida, para julgar improcedente a presente acção de impugnação, fundamentou a sua decisão na Lei nº 62/2011 de 12/12, que entretanto entrou em vigor, desde já não nos merecendo censura.

Com efeito, a Lei nº 62/2011, entre o mais, veio alterar os arts. 19º, 25º, 179º e 188º e o nº 6 da parte ii do anexo i do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto.

Assim, os nºs 2 e 3 do art. 25º do DL 176/2006 passaram a ter a seguinte redacção:
“2 - O pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 18.º
3 - Para determinar se um medicamento preenche as condições previstas nas alíneas c) a f) do n.º 1, o INFARMED tem em conta os dados relevantes, ainda que protegidos.”

Por sua vez o nº 2 do art. 179.º do mesmo diploma passou a ter a seguinte redacção:
2 - A autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial.

Ainda o art. 23-A, aditado ao DL nº 176/2006, estipula que:
“Objecto do procedimento
1 - A concessão pelo INFARMED, I. P., de uma autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento de uso humano, bem como o procedimento administrativo que àquela conduz, têm exclusivamente por objecto a apreciação da qualidade, segurança e eficácia do medicamento.
2 - O procedimento administrativo referido no número anterior não tem por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.”

Por sua vez, o art. 8.º da referida Lei 62/2011 determina:
“Autorização de preços do medicamento
1 - A decisão de autorização do PVP do medicamento, bem como o procedimento que àquela conduz, não têm por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
2 - A autorização do PVP dos medicamentos não é contrária aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos.
3 - O pedido que visa a obtenção da autorização prevista nos números anteriores não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
4 - A autorização do PVP do medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial.

E, o art. 9.º da mesma Lei determina ainda:
“Disposições transitórias
1 - A redacção dada pela presente lei aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa.”.

Ora, como é sabido, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (art. 13º, nº 1 do C. Civil), ou seja, “retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª Edição, anotação ao art. 13º).

Daí, face a tais disposições legais citadas, que os actos de concessão das AIMs em causa nos autos, sem atender à violação de direitos que decorrem da titularidade de patentes, se tenham de considerar como actos vinculados para o Infarmed.

Com efeito, conforme se exara, a propósito, no Ac. deste TCAS de 19/01/2012, Rec. 08253/11, in www.dgsi.pt/ «uma lei interpretativa (assim declarada por lei ou assim por natureza) só existe se a solução do direito anterior for controvertida ou pelo menos incerta e se a solução da lei nova se situar dentro dos quadros da controvérsia existente de modo que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normais de interpretação e aplicação da lei. Caso contrário, a lei nova será inovadora e não interpretativa, precisamente porque violou expectativas fundadas (J. BAPTISTA MACHADO, Introdução…, 1985, p. 245 ss; OLIV. ASCENSÃO, O Direito…, 4ª ed., 1987, nº 245 a 247; Assento do STJ de 16-4-1982, DR-1ª, 18-6-1982).
Como é sabido, a jurisprudência superior maioritária tem entendido que a AIM de medicamentos deve considerar também o direito fundamental à propriedade industrial, titulado por patentes, não podendo por isso emitir a AIM se houver uma patente alheia em vigor. Minoritariamente, entendia-se o que consta agora do art. 25º cit. O legislador veio assim “optar” por “fixar” que a solução legal era e é a da jurisprudência superior minoritária.».

Consequentemente, que tais normas da Lei nº 62/11, sejam aplicáveis aos processos pendentes como é o caso dos presentes autos.

Sendo que a imputada inconstitucionalidade material de tais normas, por violação dos arts. 17º, 18º, 62º nº 1 e 266º da CRP sempre cumprirá, em termos de fiscalidade, em nosso entender, ao Tribunal Constitucional.

Não obstante, tendo em conta o preceituado nos arts. 2º e 3º da Lei 62/11 – quanto a ficarem sujeitos à arbitragem necessária os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, na acepção da alínea ii) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de protecção – cabendo recurso da decisão arbitral para o Tribunal da Relação competente, dessa forma se mostra garantida a tutela jurisdicional efectiva das questões relacionadas com a eventual possibilidade de comercialização por inerência da concessão de AIMs e PVPs de medicamentos protegidos por patentes e certificados complementares de protecção em vigor.

Por outro lado, as limitações legais impostas ao direito de propriedade, constitucionalmente consignado, afigura - se não serem inconstitucionais na medida em que tal direito não é absoluto, nem tal refere a CRP.

Na verdade, os direitos de propriedade – onde se podem incluir o direito de propriedade industrial – por mais relevantes que sejam não são direitos absolutos, podendo sofrer as restrições previstas na lei e na Constituição (cfr. anotações ao artº 62º da CRP in Constituição da República Portuguesa Anotada, I volume, dos Profs. Vital Moreira e J. J. Gomes Canotilho).
Por isso, se nos afigure inexistir qualquer inconstitucionalidade das disposições da Lei nº 62/11 que alteraram, com natureza interpretativa, o Dec. Lei nº 176/2006, nomeadamente, dos princípios da confiança e da tutela jurisdicional efectiva, bem como do direito de propriedade.

Quanto à violação dos arts. 100º, 133º e 135º do CPA pela sentença recorrida.

Como se escreve no sumário do Ac. deste TCAS de 19.01.2012, Rec. 08312/11, in www.dgsi.pt/ « Face à nova redacção do EM, dada pela Lei n.º 62/2011, não existe qualquer ilegalidade resultante da falta de audiência do titular da patente do medicamento de referência no procedimento de concessão de AIM a medicamento genérico.».

Pelo que a sentença recorrida ao ter decidido pela improcedência da presente acção com fundamento na aplicação da Lei nº 62/2011, não tenha cometido, em nosso entender, qualquer erro de interpretação dos preceitos da referida Lei, nem violado qualquer disposição legal e/ou constitucional.

VI – Assim, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo - se a sentença recorrida.



Lisboa, 2012 - 10 - 30

A Procuradora Geral Adjunta


( Clara Rodrigues )