Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:10/16/2014
Processo:11009/14
Nº Processo/TAF:2653/10.BELSB/TAC LISBOA
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 1.ª SECÇÃO
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:CONTRA-ALEGAÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA.
PRÁTICA DE CRIME PUNÍVEL COM PENA IGUAL OU SUPERIOR A TRÊS ANOS.
NORMA DE NATUREZA VINCULATIVA.
INTERPRETAÇÃO "OBJECTIVA" DA NORMA.
Observações:1
Texto Integral:Procº nº 11009/14

2º Juízo-1ª Secção

Recurso de Revista

Alegações do MP


Venerandos Juízes Conselheiros do

Supremo Tribunal Administrativo


A magistrada do MP junto deste Tribunal Central Administrativo, vem, em defesa da legalidade, na acção supra referenciada, de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, proposta pelo M.P. contra U…, apresentar as suas alegações, relativas ao recurso de revista que interpõe do douto acórdão deste TCAS de 25-9-14, nos termos do artº 150º do CPTA e com os seguintes fundamentos:

I - Da admissibilidade do recurso

O douto acórdão recorrido, negando provimento ao recurso interposto pelo M.P. da sentença proferida no TAC de Lisboa, manteve a referida sentença que considerou improcedente a acção, dando como não verificado o pressuposto contido na alínea b) do artº 9º, da Lei nº 37/81, de 03.10 ( Lei da Nacionalidade), com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17.04, bem como na alínea b), do nº2, do artº 56º, do Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14-12 (Regulamento da Nacionalidade Portuguesa), da prática de crime punível, em abstracto, com pena máxima igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa.

Considerou o douto acórdão em apreciação, que a aplicação destes dispositivos legais não é automática, “constituindo a condenação com trânsito em julgado, pela prática do referido crime, um mero indício da falta de idoneidade moral e civil para o estrangeiro aceder ao estatuto de nacional”. Assim, …”torna-se necessário que o autor da oposição concretize as razões conducentes à verificação de não ser desejável a pretendida aquisição da nacionalidade.”

0 aqui demandado foi condenado em 2008, pela prática, em 2003, de um crime de ofensa à integridade física agravado pelo resultado, p.p.p. artºs 143º(1 - Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa), 144º, al b) (Tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem) punível com pena de dois a dez anos; e 147º nº2 todos do C.Penal,( 2 - Se das ofensas previstas no artigo 143.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 145.º e na alínea a) do artigo 146.º resultarem as ofensas previstas no artigo 144.º, o agente é punido com a pena aplicável ao crime respectivo agravada de um quarto nos seus limites mínimo e máximo).

A questão reside pois, em saber se basta, para que seja negada a nacionalidade portuguesa ao demandado, o desvalor ético-jurídico inerente à prática de uma infracção punível com pena igual ou superior a três anos, ou se releva para o caso o facto de o demandado “estar minimamente inserido na sociedade portuguesa por aqui residir, ter constituído família e ter trabalho certo”, como entendeu o douto acórdão em apreciação.

Esta questão é comum a todos os casos em que o interessado na nacionalidade portuguesa tenha cometido um crime punível, em abstracto, com a referida pena, mas que o julgador considere que só por si não implica o indeferimento do pedido de aquisição da nacionalidade, ou que em, concreto, tivesse merecido pena inferir à aplicável em abstracto .

Assim sendo, parece-nos que haverá necessidade de fixar jurisprudência desse Alto Tribunal que decida a aplicação uniforme de um determinado critério aplicável a todas estas situações.

É certo que o acórdão do STA de 20-3-2014, proferido no processo nº 01282/13, se pronunciou sobre a questão do desvalor ético-jurídico inerente à prática de uma infracção, considerando o mesmo bastante para o indeferimento do pedido de atribuição da nacionalidade portuguesa. Aliás, num caso em que, simultaneamente, estava em causa a prática de um crime de uso de documento falso punível com pena superior a três anos, mas pelo qual foi aplicada ao interessado uma pena de prisão de 18 meses, suspensa por dois anos.

Também o douto acórdão do TCAS de 27-5-2010, proferido no processo nº 06065/10, se pronunciou pela aplicabilidade da moldura legal da pena em abstracto e não em concreto, ao contrário do entendimento que foi adoptado pelo STA ( Ac in procº nº 76/12, de 5-2-13), e pelo TCAS ( Acs de 10-7-14 e de 10-1-13, in procºs 08604/12 e 08678/12, respectivamente).

As questões supra enunciadas, embora diferentes, entrelaçam-se entre si na medida em que, ao considerar-se que a alínea c), do artº 9º, da LN, bem como o nº2, do artº 56º, do RNP, preveem uma pena de prisão que deverá ser aplicada em concreto para que se verifique o impedimento contido naquele dispositivo legal, está a fazer apelo às circunstâncias concretas endógenas e exógenas que rodearam a prática do crime e a sua condenação, as quais terão justificado a aplicação de uma pena inferior ao máximo previsto, o que se nos afigura uma posição idêntica ( mas não igual) à adoptada pelo douto acórdão recorrido, no que se refere ao circunstancialismo abonatório verificado na altura do pedido de aquisição da nacionalidade.

E isto porque ambos os entendimentos fazem apelo a circunstâncias subjectivas que não vêm previstas nos citados normativos, o qual refere clara e textualmente que “não podem adquirir a nacionalidade portuguesa os estrangeiros que tiverem cometido um crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos”.

Ora, afigura-se-nos que, da letra da lei, não é possível extrair outra interpretação que não seja a recusa de atribuição da nacionalidade quando o interessado tenha praticado um crime que na lei portuguesa seja punível com pena de prisão igual ou superior a três anos.

De contrário, o legislador, por certo, ter-se-ia exprimido noutros termos, prevendo a não atribuição da nacionalidade àqueles que tivessem sido efectivamente punidos com pena de prisão igual ou superior a três anos.

Estamos, em suma, de acordo com a jurisprudência que considera que o requisito em análise deve ser aplicado tal como resulta da letra e do espírito lei, motivo pelo qual consideramos que a admissão deste recurso de revista é necessária nomeadamente para uma melhor aplicação do direito, por violação clara, pelo acórdão recorrido, da alínea c) do artº 9º da LN e nº2 do artº 56º do RNP e artº 9º, nºs 2 e 3 do CPC.

Porém, Vossas Excelências melhor decidirão.

II - Do mérito do recurso de revista:

A Lei da Nacionalidade (LN) foi aprovada pela Lei nº37/81, de 03.10, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17.04 e, actualmente, é regulamentada pelo Decreto-Lei nº237-A/2006, de 14.12, aplicável à situação sub judicio.

A aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade, da adopção plena ou da naturalização, está prevista nos artºs 2º a 7º da LN e regulamentada nos artº12º a 28º do citado DL.

A questão que nos ocupa prende-se com o requisito da aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, exigido no artº 6º nº1 alínea d) e artº9º, alínea b), da LN (o artº56º, nº2, alínea b) do citado DL 237-A/2006, tem idêntica redacção).

O citado artº 9º al b), constante do capítulo VII, sob a epígrafe, “Oposição à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade ou da adopção” refere o seguinte:

Artigo 9.o
Fundamentos
Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:
a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;
b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena
de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa;
c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de
serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro.

Como decidiu o douto acórdão do STA de 5-2-13, in recº nº 076/12, já supra referênciado“… Estamos, neste campo, no âmbito da actividade vinculada da Administração (Cf. neste sentido, Rui Moura Ramos, A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica nº2/2006, de 17 de Abril, RLJ 136º, nº 3943, p. 206/208 e 229/230.), não havendo lugar a qualquer margem de discricionariedade, mas sim e apenas à verificação objectiva dos requisitos ali exigidos.

Também o douto acórdão deste TCAS, de 27-5-2010, in procº nº06065/10, se pronunciou no mesmo sentido, ao considerar que os requisitos necessários à aquisição da nacionalidade portuguesa são de natureza objectiva pois basta o seu não preenchimento para que o efeito jurídico visado na norma não se produza ( cfr sumário, ponto I).

Por outro lado considerou que,

“Neste caso, a conduta da Administração é vinculada, o que significa que não podem ser introduzidos matizes ou gradações no tocante à verificação do requisito, nomeadamente aquela pretendida pelo recorrente, isto é, que o lapso de tempo entretanto decorrido entre a prática do ilícito criminal punível com pena de máximo igual ou superior a 3 anos, constante da condenação transitada, poderia “degradar-se” de modo a tornar irrelevante essa condenação”.

De facto, atribuir ao julgador o poder de decidir, em cada caso, se a condenação prevista na lei é ou não relevante, traria, quanto a nós, um factor de incerteza jurídica e de desigualdade não coadunável com a intenção do legislador que considerou que o factor indicador do merecimento, de ser naturalizado português, é clara e inequivocamente, o não ter praticado nenhum crime punível com pena máxima igual ou superior a três anos, independentemente do crime efectivamente praticado, da data dessa prática, do local, do cumprimento total da pena, ou de outras circunstâncias em que essa condenação ocorreu.

Assim, o requisito da não prática de crimes “puníveis”( e não “punidos”) com pena de prisão igual ou superior a três anos, foi considerado pelo legislador indicativo da personalidade adequada do interessado na aquisição da nacionalidade português, sendo, pelo contrário, a prática de algum desses crimes considerado como factor de indesejabilidade na medida em que faz pressupor uma personalidade susceptível de vir a causar problemas na sociedade portuguesa.

Parece-nos que seria violado, igualmente, o espírito da lei que, ao estatuir a limitação prevista na alínea b) citada, teve como objectivo afastar da aquisição da nacionalidade aqueles cujo perfil pela prática de crimes ( com excepção dos de muito pouca gravidade), não são dignos de lhes ser atribuída a nacionalidade portuguesa( cfr o acórdão já citado do TCAS de 27-5-2010, in procº nº06065/10).

Deste modo, só pode entender-se que o autor da acção não tinha que concretizar quaisquer razões conducentes à verificação da indesejabilidade do interessado na aquisição da nacionalidade.

Por outro lado, aquisição da nacionalidade portuguesa a estrangeiros não é um verdadeiro direito mas uma legítima expectativa da sua atribuição mas apenas se se verificarem os pressupostos contidos na lei.

Mas ainda que fosse um direito, não seria um direito absoluto, sofrendo as restrições previstas na lei de cada país, aplicáveis apenas a estrangeiros como permite a última parte do nº2 do artº 15º da CRP.

Por outro lado, o direito de mudar de nacionalidade previsto na 2º parte do nº 2 do artº 15º da Declaração dos Direitos do Homem, é apenas uma declaração de princípios, que será legislado em concreto e regulamentado pelos Estados soberanos, como aconteceu com o Estado Português ( cfr nº4 artº 8º da CRP).

De facto, não existe qualquer norma internacional ou constitucional que obrigue o Estado a conceder a nacionalidade a todos os estrangeiros, ou a aplicar a estes normas que atribuem direitos exclusivamente a cidadãos nacionais.

Assim, os casos entre milhares, em que não se mostra adequada essa atribuição, em função das opções políticas e dos valores morais e sociais espraiados em lei interna, não podem ser considerados desproporcionais ainda que determinem a impossibilidade, para sempre, de aquisição da nacionalidade a um determinado individuo.

Nos termos do citado acórdão do TCAS de 27-5-2010,

“O disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 6º da Lei Orgânica nº 2/2006, de 17/4, que alterou a Lei nº 37/81, de 3/10 [Lei da Nacionalidade], não viola o artigo 30º, nº 4 da Lei Fundamental, uma vez que a perda de direitos civis, profissionais ou políticos aí previstos, como efeito necessário da aplicação duma pena, diz respeito a direitos originários, ou seja, a todos aqueles que já existiam na esfera jurídica do condenado e não, obviamente, àqueles que este ainda não havia incorporado no seu património jurídico.”( cfr ponto IV do sumário).

De todo o modo, dir-se-á que, atribuir ao recorrente a nacionalidade portuguesa nas condições descritas, viola, para além da alínea d) do nº1 do artº 6º, alínea b) do nº1 do artº 9 da LN da LN e artº 9º do C.C, o princípio da igualdade, pois iria estabelecer um factor de diferenciação subjectivo, discricionário e complexo permitindo, nomeadamente a nível administrativo, vários entendimentos possíveis que gerariam confusão, demora e incertezas na aplicação do direito, situação que o legislador de todo não pretendeu consignar

Nestes termos, consideramos que o douto acórdão recorrido merece, salvo o devido respeito, censura, motivo pelo qual deverá o presente recurso de revista ser admitido e considerado procedente.

III -Em conclusão:

1. O presente recurso de revista vem interposto, pelo autor, Ministério Público, do acórdão do TCAS que, negando provimento ao recurso por si interposto da sentença proferida no TAC de Lisboa, que considerou improcedente a acção, manteve a mesma e considerou como não verificado o pressuposto de aquisição da nacionalidade, contido na alínea b), do nº1, do artº 9º, da LN e ainda no nº2 do artº 56º do RNP, da prática de crime punível, com pena máxima superior a três anos segundo a lei portuguesa.
2. Considerou o douto acórdão em apreciação, que a aplicação destes dispositivos legais não é automática, “constituindo a condenação com trânsito em julgado, pela prática do referido crime, um mero indício da falta de idoneidade moral e civil para o estrangeiro aceder ao estatuto de nacional”. Assim, …”torna-se necessário que o autor da oposição concretize as razões conducentes à verificação de não ser desejável a pretendida aquisição da nacionalidade.”
3. 0 aqui demandado foi condenado em 2008, pela prática, em 2003, de um crime de ofensa à integridade física agravado pelo resultado, p.p.p. artºs 143º, 144º, al b) e 147º nº2, todos do C.Penal.
4. Basta, para que seja negada a nacionalidade portuguesa ao demandado, o desvalor ético-jurídico inerente à prática de uma infracção punível com pena igual ou superior a três anos, não relevando, para o caso, o facto de o demandado “estar minimamente inserido na sociedade portuguesa por aqui residir, ter constituído família e ter trabalho certo”, como entendeu o douto acórdão em apreciação.
5. Esta questão é comum a todos os casos em que o interessado na nacionalidade portuguesa tenha cometido um crime punível, em abstracto, com a referida pena, mas que o julgador considere que só por si não implica o indeferimento do pedido de aquisição da nacionalidade, ou que em, concreto, tivesse merecido pena inferir à aplicável em abstracto .
6. A jurisprudência da jurisdição administrativa tem-se dividido quanto à aplicação deste requisito, ora considerando a pena aplicada em concreto ( cfr, neste sentido, o Ac do STA in procº nº 76/12, de 5-2-13), bem como os acs do TCAS de 10-7-14 e de 10-1-13, in procºs 08604/12 e 08678/12, respectivamente), ora considerando que a referida pena deve ser considerada em abstracto( cfr neste sentido, o acórdão do STA de 20-3-2014, proferido no processo nº 01282/13 e acórdão do TCAS de 27-5-2010, proferido no processo nº 06065/10)
7. Assim sendo, parece-nos, salvo melhor opinião, que haverá necessidade de fixar jurisprudência desse Alto Tribunal que decida a aplicação uniforme de um determinado critério aplicável a todas estas situações.
8. O douto acórdão recorrido fez apelo ao circunstancialismo abonatório verificado na altura do pedido de aquisição da nacionalidade nomeadamente à pena de multa concretamente aplicada, portanto também às circunstâncias concretas endógenas e exógenas que rodearam a prática do crime e a sua condenação.
9. Ambos os entendimentos fazem apelo a circunstâncias subjectivas que não vêm previstas nos citados normativos, o qual refere clara e textualmente que “não podem adquirir a nacionalidade portuguesa os estrangeiros que tiverem cometido um crime punível com pena de prisão igual ou superior a três anos”.
10.Da letra da lei, não é possível extrair outra interpretação que não seja a recusa de atribuição da nacionalidade quando o interessado tenha praticado um crime que na lei portuguesa seja punível com pena de prisão igual ou superior a três anos.
11.De contrário, o legislador, por certo, ter-se-ia exprimido noutros termos, prevendo a não atribuição da nacionalidade àqueles que tivessem sido efectivamente punidos com pena de prisão igual ou superior a três anos.
12.Deste modo, a admissão deste recurso de revista é necessária nomeadamente para uma melhor aplicação do direito, por violação clara, pelo acórdão recorrido, da alínea c) do artº 9º da LN e nº2 do artº 56º do RNP e artº 9º, nºs 2 e 3 do CPC.
13.O entendimento no sentido de que o pressuposto contido nos referidos dispositivos legais não pode ser entendido ipsis verbis, devendo ser atendido só quando a pena efectivamente aplicada for igual ou superior a três anos e, mesmo neste caso, considerar necessário que o autor da oposição concretize as razões conducentes à verificação de não ser desejável a pretendida aquisição da nacionalidade, viola os dispositivos legais citados, bem como os nºs 2 e 3 do artº 9º do C.C. na medida em que o mesmo não tem na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, presumindo-se que o legislador consagrou a solução mais adequada.
14.Atribuir ao julgador o poder de decidir, em cada caso, se a condenação prevista na lei é ou não relevante, traria, quanto a nós, um factor de incerteza jurídica e de desigualdade não coadunável com a intenção do legislador que considerou que o factor indicador do merecimento, de ser naturalizado português, é clara e inequivocamente, apenas o não ter praticado nenhum crime punível com pena máxima igual ou superior a três anos.
15.A conduta da Administração tem de entender-se, portanto, vinculada, o que significa que não podem ser introduzidos matizes ou gradações no tocante à verificação do requisito, pelo que o autor da acção de oposição não tem que concretizar as razões conducentes à verificação de não ser desejável a pretendida aquisição da nacionalidade.
16.O requisito da não prática de crimes “puníveis”( e não “punidos”) com pena de prisão igual ou superior a três anos, foi considerado pelo legislador indicativo da personalidade adequada do interessado na aquisição da nacionalidade português, sendo, pelo contrário, a prática de algum desses crimes considerado como factor de indesejabilidade na medida em que faz pressupor uma personalidade susceptível de vir a causar problemas na sociedade portuguesa.
17.A aquisição da nacionalidade portuguesa a estrangeiros não é um verdadeiro direito mas uma legítima expectativa da sua atribuição mas apenas se se verificarem os pressupostos contidos na lei
18.Mas ainda que fosse um direito, não seria um direito absoluto, sofrendo as restrições previstas na lei de cada país, aplicáveis apenas a estrangeiros como permite a última parte do nº2 do artº 15º da CRP.
19.O direito de mudar de nacionalidade previsto na 2º parte do nº 2 do artº 15º da Declaração dos Direitos do Homem, é apenas uma declaração de princípios, que será legislado em concreto e regulamentado pelos Estados soberanos, como aconteceu com o Estado Português ( cfr nº4 artº 8º da CRP).
20.Não existe qualquer norma internacional ou constitucional que obrigue o Estado a conceder a nacionalidade a todos os estrangeiros, ou a aplicar a estes normas que atribuem direitos exclusivamente a cidadãos nacionais.
21.Os casos em que não se mostra adequada essa atribuição, em função das opções políticas e dos valores morais e sociais espelhados em lei interna, não podem ser considerados desproporcionais ainda que determinem a impossibilidade, para sempre, de aquisição da nacionalidade a um determinado individuo.
22.Nestes termos, consideramos que o douto acórdão recorrido merece, salvo o devido respeito, censura, motivo pelo qual deverá o presente recurso de revista ser admitido e considerado procedente.


Assim decidindo, farão Vossas Excelências a costumada,

JUSTIÇA!

A Procuradora-Geral Adjunta

Maria Antónia Soares